sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Os fantasmas se divertem

Para começar o ano de 2010... um texto de 2009.

Publicado n`Os Bolonistas, no final de ano. Final de campeonato.

Mas é um texto leve e que eu fico namorando com ele...

Lá vai, então.


Um 2010 repleto de especiarias, para todos nós!!!


Originalmente aqui:

http://osbolonistas.zip.net/arch2009-11-01_2009-11-30.html#2009_11-27_12_18_53-2402205-25


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Os Mistérios do Ludopédio




Bolonistas do além...


Quando se descobriu morto, mortinho da silva, incólume entre avenidas, ruas, metrô e casamentos, mesmo que trajasse nu, sentiu pela primeira vez que não viria o seu time ser campeão. Se exasperou. Afinal, faltavam só duas rodadas, cinco pontos de vantagem para o segundo colocado e tinham sido esgotados todos os ingressos para as duas últimas pelejas, numa demonstração de convicção absoluta do caneco inédito.


No início vagou por aí. Não sentia nada. O peso de nada, o vento de nada, o calor do nada. Gritava, ninguém ouvia. Definiu-se morto. Falecido aos quarenta e três anos de vida, dois casamentos e uma união estável, três filhos e uma avó viva. Mas sem título de campeão nacional de futebol, uma verdadeira frustração, dessas equivalentes a nunca ter trepado em árvore.


Como um personagem de filme americano, mas sem a Demi Moore para lhe animar, quando se apercebeu no além tentou descobrir que raios fazia zanzando por aí. Uma alma penada. E olha que mesmo sabendo de uns pecados, alguns até bem feios, achava que o máximo de gancho que o Tribunal Celestial aplicaria era um purgatório, com direito a conexão direta ao fim da punição, em razão dos infortúnios futebolísticos. E foi procurar almas especiais, destas com terceira visão ou cousa parecida, para procurar respostas. Entrou, inclusive, em diversas igrejas, cultos, terreiros. E nada de resposta. O máximo de contato, jurou de pé junto, foi com uma menina no ônibus lotado. Jurou que ela lhe piscara duas vezes.


Por aqueles conhecimentos que todos sabemos de coisas do além, do tipo “brincadeira do copo”, foi vagando pela cidade procurando alguém para encostar. Não achou. Procurou pelas ex mulheres, pelos filhos, pelos amigos. Alguns sinceramente tristes, e ele quis consolar, em vão. Alguns indiferentes, e ele sentiu algum desapontamento. E alguém feliz, mas não valia a pena ficar perdendo o sono por causa disso. Sim, não tinha sono. Entrou madrugada adentro, viu gente em motel, viu gente bêbada, foi voyer e cúmplice de assassinato. Mas nada mesmo podia fazer.


Naquele indo e vindo, notou o domingo. A primeira risada em sei lá quantos dias. Bom, morrera mas ia ver, finalmente, o time campeão. Estádio lotado, encontrou lugar atrás do gol. E o time perdera vergonhosamente, sentindo a ingrata paúra. O segundo colocado tirara três pontos de vantagem e o clima no estádio era péssimo. Não sentira tristeza daquele jeito nem no próprio velório.


Segundo recordações, todas estranhas e confusas, nunca uma semana demorara tanto a passar. Devia ser o passamento do indivíduo uma eterna espera pelo campeonato? E sem nada para fazer, nem a barba cresceu, nem vontade de ir ao banheiro, ficou perambulando naquela busca terrível que lhe explicasse a agonia. A entidade dos céus tinha esquecido dele, chegou a concluir precipitadamente.


Na toada triste, trôpego, macambúzio como limão, chegou no outro domingo. Queria morrer de novo, se fosse possível, ao ter que ver a tragédia consumida de mais um campeonato falido. Mais um ano de fila, mais uma revolta no coração. Mas a constatação do não coração o convenceu a ir ao estádio, outra vez.


Um silêncio sepulcral calou as quase sessenta mil pessoas do estádio. Era o gol do time adversário, num peru digno de Natal. O um a zero acabaria com tudo. Quase tudo, porque ele ainda estaria lá, moribundo, mas morto morrido.


Num desespero frenético resolveu acompanhar todo time no último lance de ataque. O empate daria o título, no saldo de goles. Entrou no gramado sem chuteira e sem corpo, louco, furioso, frenético. A bola dócil e doce parou aos seus pés, no bico da pequena área. Tocou para o fundo da rede. E desapareceu no infinito.


A manchete do Estadão dizia tudo: “Gol de vento enlouquece o futebol”.



09. novembro, 27.