quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um copo dágua, por favor...



E continuam as pequenas crônicas da falta de água...

Mas ainda me causa espécie, que tragédia mais que anunciada, fiquemos esperando uma providência divina, uma chuva, um milagre.

Enquanto que as autoridades - e em SP é preciso nominar o governo do Estado, porque parece que a culpa é só de São Pedro - continuam fingindo pão de ló. Era necessário racionamento, transparência nas informações sobre contratos de fornecimento e sobre as providências. Mas não... o silêncio e o cinismo das autoridades e de parte da banda que defende o ocupador de cadeira oficial.

Espero, sinceramente, que o leitor destas crônicas publicadas nesta quitanda possa rir, mas possa dialogar com o tema. Porque o que a gente tem assistido é uma intensa campanha para apontar dedos para as pessoas, imputando responsabilidade individual para um drama que é da coletividade e, acima de tudo, tem um responsável político - e, não, o divino ou o espírito santo.

E nestas horas não é espanto algum que venham moralistas de plantão, prontos para cagar regrinhas de conduta.


 Aos textos! E obrigado pela visita. Sente-se, seja benvindo, benvinda, bem vindo e bem vinda.


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Descobriu o porque daquele sorriso no rosto, mesmo num dia como aquele.

"O biltre tem um poço em casa, sabia?"

"Que biltre, querida? De quem você está falando?"

"Ora... daquele janota. Aquele que mora ali naquela casa..."

"Amarela?"

"Esse. O pascácio tem um poço em casa. Por isso aquele sorriso de propaganda de dentifrício! Tem um poço, deve tomar banho todo dia e a gente aqui, nesta de lencinho umedecido e repetir cueca."

"Querida.... desculpe... eu já sabia. Fui eu quem fiz o poço.... ele é meu amante. E o sorriso dele é por outra razão....".

"Você está brincando, né. Nunca me leva a sério. Vocês se merecem!"

"Eu sei...".

Nunca se soube a verdade. Mas o apelido dele, no time de futebol das segundas feiras, era "Capitu".


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O cara era dono do motel. Gostava, muito, de fazer festa pros outros, dizendo que era proprietário de um parque de diversões para adulto e tralha e tal.

E era... Um parque aquático, temático, cadeira, piscina, hidromassagem, ofurô.

Só que a crise da água foi se aboletando... Ele vivia um pré desespero. O negócio ia falir, ir para cucuia e ele já tinha levado a primeira tunda da Sabesp na conta... era um grande consumidor.

Colocou uns cartazetes nos quartos, nos banheiros. Distribuiu um folder na entrada. "Economizem água."

O fato é que depois dos cartazetes e tals, o movimento caía, dia a dia...

Até que um belo dia, o gerente - a santa alma que cuidava do estabelecimento para que desse o menos dores de cabeça possíveis ao dono - chega visivelmente tristonho...

"Acabou. A água acabou. A caixa dágua.... secou."

Foi quando ele se lembrou do parque de diversões e teve a grande ideia do mundo:

"Encha as piscinas com bolinhas. E no ofurô põe uns brinquedos, algemas, pintos, xoxotas de borracha, fantasias de polícia e ladrão, máscara do Brad Pitt e da Angelina Jolie."

Virou um "case" de marquetinque. Primeira página, palestra, aula magna e o escambau.

Mas hoje a vigilância sanitária lacrou tudo: denunciaram que as bolinhas estavam muito sujas....


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O clima estava esquisito...

"Amor.... não queria te dizer isso assim.... mas não tô aguentando.... eu estou tendo um caso."

Demorou um pouco, mas ela sorriu timidamente...

"Amor, então.... por enquanto, então, faz como eu... toma banho no motel, na casa dela ou dele... Deixa a caixa dágua pra lavar a roupa, a louça e pras crianças...".

"Melhor assim, né?"

"Ô amor.... não fica assim. Quando esta crise de água passar a gente faz terapia."


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Na cama, naquela malemolência....

"Amor...."

"Oi..."

"Você é meu chuchuzinho..."

"Ah... amor... você é meu pitelzinho...."

"Você é mais, é meu coração de amor..."

"Você que é... meu tesouro.... encantado..."

"Amor... sabe mesmo...."

"O que...?"

"Você... você.... você é meu caminhão pipa!!!!"

Transaram loucamente. E foram dormir, sem tomar banho.


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 15, fevereiro.

sábado, 31 de janeiro de 2015

"A Dona Aranha subiu pela parede e ficou por lá."



Putz....

E faz tempo que esta quitanda aqui está sem víveres novos...

Crise de abastecimento? Talvez...

O tal do feicebuco tem esse efeito colateral. Por vezes escrevemos por lá e deixamos de lado cousas mais importantes.

Tentarei não deixar a casa vazia por tanto tempo. Promessa d´ano novo.


Fiz uns pequenos microcontos com o tema da escassez de água... Publico aqui.


Fiquem a vontade. Até para tomar um refresco.




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"Amor....lembra?".

"Do que, paixão?".

"De antes....".
...

"Antes do que, tesão?".

"A gente...contestava... Fumava um baseado....imprimia panfleto clandestino na gráfica do centro acadêmico....trepava no cinema.... O que aconteceu com a gente, mô?".

Ouve-se um chorinho de criança, distante. Mas um espasmo.

Silêncio.

"É.... A gente encaretou, moça.".

Uns segundos...

"Amorão.....vamos fazer uma cousa bem louca agora? Transgressão! Cuspir verdades por aí?."

Ele, excitado... A cena para no começo do volume vivo, dentre as vestes.

"O que, bruxa?".

Os dois pelados, lavando o quintal. De esguicho cheio.

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"Beeenhê...."

"Oi, amor... que foi?".

"A gente nunca mais vai poder tomar banho junto?"


"Ah... amor.... nunca é uma palavra forte. A gente pode viajar por aí e encontrar terras aquáticas ou algo semelhante..."

"Mas.... gosto tanto de ensaboar tuas costas... e de....sabe....".

"Upa!!!! Vou te contar um segredo, então...."

"Conta, conta...."

"Os vizinhos de cima tem acordado de madrugada e tomado banho escondido... a gente podia conversar com eles e propor alguma cousinha ... que você acha?"

"Tipo... todo mundo junto? Mas não vai gastar mais água?"

"É.... mas a gente reforça os laços de solidariedade....".

"Verdade, solidariedade é tudo nesses tempos de crise."

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O adolescente se tranca no banheiro.

O desespero se instala na casa... Pais modernos não querem criar fantasmas onde não existem. Sabem que o menino está lá, tocando uma para alguém. Mas não deixam de lado as preocupações mundanas... A carestia da água é a doença da vez. E desta vez séria, mui séria...

Esperam algum tempo. E nada. Até que se liga o chuveiro.


A mãe em desespero. O pai em prantos. A vizinhança andava abelhuda e era comum que um "ex bom dia" se transformasse em um rancoroso dedo duro. A conta. De água.

Mais um tempo e nada...

"Filho.... tá tudo bem?"

"Porra, mãe.... não enche....".

"Não seja malcriado com sua mãe, moleque!".

"Pai... caralhos.... quero tomar banho em paz....".

"Tá... tá.... mas filho, não esquece.... tem rodízio de água, tá faltando por aí, tá uma crise braba....".

"Tá!".

O menino sai do banheiro, toalha amarrada na cintura. E solta, quase que um lamento, enraivecido:

"Caramba, gente.... eu sei que tem que economizar água. Mas vocês sabiam que o papel higiênico para ficar branco gasta uns sei lá quantos mil litros de água!!! É... é sim... que para fabricar papel, uma tonelada que seja, se usa cem mil litros de água!"

E emenda:

"Essa punheta de ficar reclamando de punheta é ísso... uma grande distração do principal. Uma PUNHETA."

Todos ficaram um tanto ruborizados. Mas, por via das dúvidas, deixaram uma dessas revistas no bidê aposentado.


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"Tutuca.... ".

"Oi, tutuquim...".

"Esse cheirinho de bumbum lavado as pressas...é seu?".


"Ô....jujubim! Passei água de cheiro, alfazema.... Poxa.... Mas esse cheirinho aí é esse de cachorro molhado?".

"Putz, mumuquinha.... É....esse cheiro de camiseta que seca no varal antes da gente usar de novo tem disso....".

Longo silêncio.

"Tuquinho.... Te amo.".

"Tutuquina....mais que banho. Vem cá....vem........".



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"Querido...."

"Oi... o que é?"

"Querido.... você acha mesmo que a culpa desse negócio aí da falta de água é cousa de São Pedro?"


"Ai... querida... por favor... o país tá seco, tem um monte de estado com restrição de acesso, com seca. É evidente que isso é contingencial, acontece. Sim, São Pedro. E a gente tem que acreditar que vai chover. Ou que deus sabe o que faz, né?"

"Querido.... mas eu li que outro dia propuseram restringir fornecimento de água, no ano passado, e que se isso tivesse acontecido, sabe, hoje a gente podia ter mais agua na represa... uma reserva, sabe..."

"Querida... isso é política, politicagem. Você não gostou de tomar banho ano passado? Tinha água.".

"É....".

"Isso, fique tranquila."

"Querido.... o vizinho veio de novo oferecer pra gente poder tomar banho lá na casa dele... ele fez um treco de sei lá.... que aproveita a água da chuva...".

"Querida... olha... eu acho que nosso vizinho é um pederasta. Não quero me misturar com esse tipo de gente, mesmo banheiro. As coisas são muito difíceis, você não entende."

"Querido... qual a raiz quadrada de nove?"

"Ãh.... que pergunta... é três. Por que?".

"Nada.... é que você é tão inteligente...".

"Querida... você é ingênua. Deixe isso pra lá.... Você vai sair? Vai onde?"

"Ah.... querido.... vou ali comprar cigarro. E aproveito e levo esta toalha velha para doar lá na igreja.........".



15. janeiro.