quinta-feira, 24 de maio de 2012

Diamantes são eternos


Foi num 24 de maio, em 1942, que Leônidas da Silva, o Diamante Negro, fez sua estréia no São Paulo Futebol Clube. Leônidas é um dos deuses do ludopédio e é o melhor jogador de futebol de todos os tempos, segundo todos os compêndios de futebol no universo. No meu time de botão é o nove (o dez é o Raí, óbvio).

Fiz este texto depois de outra estréia. A do Marco Antônio no Cícero Pompeu de Toledo, em 2006. Um dia especialíssimo e que rendeu estas linhas que originalmente foram publicadas no Blogue "Os Bolonistas".

O link para o original, aqui: http://osbolonistas.zip.net/arch2006-02-01_2006-02-28.html#2006_02-01_12_42_41-2402205-25


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Bolonistas que sabem que nem tudo é Copa do Mundo,



Há quem faça comparações entre Leônidas e Pelé. O teipe, a melhor invenção para a memória, não favoreceu o Diamante, o que é uma pena. Mas diria que Pelé é daqueles que todos acham a mesma coisa, inclusive o Romário, que ele era melhor e tal cousa, lousa e mariposa. Era, não contesto. Mas há quem faça comparações entre Leônidas e Pelé, há.


Leônidas inventou a bicicleta. Inventou? Não é verdade. Dizem alguns que a bicicleta já existia em algum campo por aí. Mas Leônidas fez da bicicleta uma jogada habitual, corriqueira, fantástica. Jogou duas copas, o que é uma pena. Deveria ter jogado mais. Os mais velhos diziam que ele era um comentarista muito do ranzinza. Depois de craque, virou comentarista de rádio. Não duvido. Mas, ranzinza ou não, deviam ser comentários preciosos. A bicicleta tem lá suas variações. Os mais puristas afirmam que bicicleta mesmo é aquela que os dois pés estão fora do chão. Daí a puxeta. Prefiro não ser ortodoxo porque a bicicleta é das poucas jogadas que não existem no futebol de botão.


O velho inventor jogou no São Paulo. Foi campeão. Seus jogos no Estádio Municipal lotavam. Quando aportou na cidade, de trem, a estação ferroviária estava repleta. Foi uma festa. É dos maiores artilheiros do Tricolor. Fez goles de bicicleta pelo mais querido.


Um verdadeiro crime não ensinarem histórias do futebol nas salas de aula. Devíamos ter uma matéria específica sobre este tema nos currículos escolares. Tenho receio que Fried, Leônidas, Rui, Bauer, Noronha e Sastre fiquem anônimos. Concordo que a matéria não deva ser obrigatória, alguns preferem jogos de videogame. Respeito a todos, mas não entendo. A aula de histórias do futebol seria sempre a última aula antes do recreio ou antes de acabarem as aulas, para os estudantes exercitarem nos corredores ou nas quadras os ensinamentos. O material didático seriam as figurinhas para a prática do bafo, times de futebol de botão, planilhas de esquemas táticos desenhadas a mão. As estudantes entenderiam um pouco mais sobre este tema que as enlouquecem todos os domingos, ganhariam vários pontos e, quem sabe, um jantar a luz de velas no futuro próximo. Poderíamos até discutir a relação, sem traumas.


Estes pensamentos soltos me ocorrem quando vejo o grande dando os seus pontapés na pelota, na sala do apartamento. Chutes que invadem o corredor, batem no carrinho do pequeno, ajudam a mãe a tropeçar. Ele arremessa a bola para o ar, com as mãos e cai no chão. Outro dia disse: "Pai, sou goleiro". Poy, Pedrosa, Sérgio, Barbosa, Castilho, Valdir Peres, Toinho, Gilmar Rinaldi, Gilmar dos Santos. Rogério Ceni e Zetti. A galeria é enorme, penso eu. Será que ele vai se interessar pelo tema, quando as meninas chegarem na vida dele? Quando ele descobrir a bicicleta e a liberdade, a sessão de cinema, a matinê, os "bailinhos", o grêmio escolar? E o pequeno? Será que vai gostar? Quero ir ao parque com eles. "Chuta a bola, papai". "Chuta". A bola quase derruba o vaso sobre a mesinha de centro. Tiro o vaso e a mesinha, instinto.


Nas aulas de histórias do futebol também haverá espaço para aquela reunião com os pais e mestres. A escola convidará mestres para participarem dos colóquios entre professores, pais e estudantes. Nesse dia me lembro que o Mestre convidado a participar da reunião era o Mineiro, volante do tricolor em meados da primeira década do século, autor daquele gol maravilhoso contra o Liverpool, que conferiu a terceira estrela de campeão mundial. O Mineiro, com aquele jeitão simples dele, tão campeão e tão modesto, contando causos da bola, falando de craques e vestindo uma camisa sete. O grande dispara uma pergunta, com um sorriso maroto, me deixando desconcentrado: "Mineiro, qual o gol mais bonito que você fez?". Silêncio. Fiquei compenetrado. "Menino, lembro até da data. 21 de janeiro de 2006. Morumbi. Era o primeiro jogo depois do Mundial que fazíamos no nosso estádio. O jogo era contra o São Caetano. Estava difícil, sabe. O time tentava, o Tiago fazia um bom jogo e a bola não entrava. O goleiro deles, o nome dele era Silvio Luís, estava num dia daqueles. Uma bola já tinha ido parar na trave. Foi num desses ataques, o Grafite mandou outro balaço na trave, na volta da bola percebi que não tinha jeito. Ou melhor tinha, o jeito era tentar a bicicleta. E olha, foi exata. Pé na pelota, corpo no ar e golaço. Foi o gol mais bonito que fiz." Vi até umas lágrimas nos olhos do bravo volante. "Mineiro, eu sei. Estava lá com o papai." O menino sorri. As lágrimas, percebi, não eram do volante.


Há quem faça comparações entre Leônidas e Pelé. Eu não faço. Mas acho que o Leônidas inventou a bicicleta, o que para mim é o mais importante.



01.02.06 – São Paulo 2 x 1 São Caetano, 21 de janeiro de 2006. Estréia do Marco Antônio no Cícero Pompeu de Toledo. E o gol do Mineiro, de bicicleta, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=oWRNCzvO6i4

terça-feira, 15 de maio de 2012

As fitinhas...



Este texto é para os meus meninos, Marco Antônio e Leonel. 

Outro dia mesmo, numa festa de aniversário, coloquei uma fita no pulso deles, fita dessas que fecham as "lembrancinhas". Dei três nós e disse: "Façam três pedidos, um para cada nó."

O Grande sorriu farto, naquele jeito zen dele. E o Pequeno emendou: "Pai, mas como é que eu vou fazer para saber se os pedidos vão se realizar?" 

Respondi que não tem como saber, mas que agora que o desejo foi feito a gente tem que tentar ajudar a tal fita e torcer. Os dois riram, desconfiando da tramela do pai.

As fitinhas ainda estão nos pulsos dos dois. Que tenhamos sorte.

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Senhor do Bonfim


“Sabia, filho, que toda noite, para a primeira estrela que a gente vê a gente faz um pedido?” O menino arregalou os olhos e ficou imaginando aquelas possibilidades. O pai apertou bem forte a mão do menino, fechou os olhos e deve ter feito um bom pedido. Sorriu. O menino emendou: “Pai, mas porque a primeira estrela?” E o pai explicou que tinha sido o pai, o avô no caso dele, que tinha ensinado este truque. E que tinha que ser a primeira estrela porque ela era a primeira a brilhar depois do Sol, que todos sabiam era a grande estrela da constelação. E que as estrelas são sempre atentas a responder com as realizações dos desejos esta pequena canja que o Solzão lhes dá. O menino sorriu também. Intuiu que o pai contava uma dessas lorotas de encantamento, mas ficou feliz da vida. E compartilhou com o pai um desejo: “Pai, quero que o São Paulo seja campeão.”


Foi uma doce gargalhada. Acompanhada de abraço, cumplicidade. Mas o pai advertiu: “Eita, que tem que ser segredo, senão a estrela não atende! E filho, não se pode fazer pedidos assim. Porque as outras pessoas também pedem para as estrelas e se todas elas pedirem para que o time seja campeão vai acabar tudo empatado e no fundo não vai vencer ninguém. Faz um pedido só para você. Do tipo um beijo, um brigadeiro ou uma figurinha difícil.” E deu um beijão no menino.


De fato, todos sabemos que esses desejos nem sempre são atendidos... O problema é determinar a “primeira estrela”. É um problema técnico dos mais graves. Na primeira desilusão amorosa do guri, afinal a menina resolvera voltar para a escola com o menino da quinta série, pois a culpa na tal estrela. E foi ter com o pai. Percebendo a severidade do momento a explicação foi técnica e bastante convincente: “Ah.... sempre temos que cuidar das estrelas. Sabe que Vênus, que é um planeta, como a Terra, e não uma estrela, como o Sol, brilha tanto que a gente confunde tudo? Sabe aquela música de carnaval, a da “Estrela Dalva que no céu desponta”? Então, esta estrela aí não é nada de estrela. É Vênus. Que brilha tal qual a Lua.” E quase rapaz não gosta muito de beijo de pai, então foi um bom abraço, daqueles demorados de rachar costela. Mas sorriu, tal qual o primeiro desejo.


Numa noite de céu todo manchado de luzes, cometas, cadências e que tais, o rapaz foi direto ao pai e numa troça replicou: “Pai, eu sempre peço para ganhar na loteria.” Mas teve que ouvir outra: “É por isso que nunca dá certo. Este pedido é tão besta que todo mundo deve fazer o mesmo. É o tipo de coisa bem boba de pedir. Um desperdício.” Mas ainda teve debate: “Xi, pai, a lista de coisas que não pode é muito grande. Acho que não vou pedir é mais nada.”. “Deixa que eu peço por você.”


No fundo o menino, o guri, o rapaz, todos eles sempre souberam que o pai sabia que as estrelas não tem como atender pedido nenhum. Ainda que uns vários beijos, umas questões de provas, um gol no fim do jogo do campeonato da classe ou um ingresso para aquele filme proibido teimassem em dar razão ao improvável. 

12. maio, 15.