quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Roda Que Roda Que Roda Que Roda

Dia 25 de novembro é o Dia Internacional Pelo Fim de Toda a Violência Contra a Mulher.


Na "tuitosfera", este "frasário" (definição singular e bonita do Deco - @demetriuscruz), que pode ser definido como uma imensa rede de "gentes e não gentes", onde se grita sobre tudo - e que sempre alguém ouve - foi coordenada uma campanha denominada #FimDaViolenciaContraMulher (para saber da campanha, conheça o bogue da @nideoliveira71) e foi feito um convite para que os diversos tuiteiros e blogues participassem da campanha.


Nestes tempos tristes, em que preconceitos odiosos parecem querer ganhar corpo e reverberar, creio que participar de campanhas como estas podem nos transformar, como agentes e como gente. Sim, a luta é na rua. Mas uma forma de rua, inegável até aos mais céticos, é esta imensa parafernália e esta imensidão de possibilidades que a "internet" nos oferece.


Resolvi, então, dar minha modesta contribuição para a campanha. Do jeito deste blogue, que pretende ser apenas uma quitanda de textos, uma mercearia de poemas, um cálice de pequenas reflexões, um café para os amigos.


Cada vez mais este pequeno mercadinho de esquina entende que sem tocar fundo o coração das pessoas, sem disputar o imaginário e os conceitos, não há como fugir desta roda de intolerância.


Ah... sim... meu tuíte é @Quodores.


O texto:

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A sala escura não deixava dúvida: silêncio e alguma garantia de anonimato eram imprescindíveis. A pergunta, de sempre: “Como foi?” Se quisesse explicar, contar, recontar, dizer, colocaria um anúncio no jornal. Tinha medo, sim. Mas, sobretudo, tinha náuseas. Tinha dúvida, aquela dúvida infernal: “Fui eu quem provoquei?”. A dor era no corpo tomado por escoriações, mas era na alma a vergonha, o medo e a estima, dilacerada.


Por que sempre querem os detalhes? Não basta contar que ele a agredira? Não, queriam sempre os requintes, a crueldade, os detalhes mórbidos. Ela queria era descer do mundo e apanhar outro, distante, onde ninguém, mas ninguém mesmo a conhecesse. Mas os detalhes, qual a razão? Curiosidade mórbida? Ou a infeliz percepção de que “um tapinha não dói”, tão constante naquelas salas de depoimento. O sombrio daquelas paredes era, na verdade, da tristeza acumulada por tantas desventuras ali narradas, vividas, soterradas.


Não, não tinha sido a primeira vez. E, gelada, amedrontada, violentada outra vez, queria ter certeza que teria sido a última. Mas sabia que outros dias viriam, infelizmente. Não, definitivamente não: Ela nunca mais queria ver aquele rosto. Nunca mais. Nunca, nem hoje, nem amanhã, nem se ele morresse. Ela, naquele maldito interrogatório, já tinha morrido, falecido, finada, jazia. Sim, ela queria prestar a queixa, denunciar, gritar. A risada estúpida do delegado, “mas você tem certeza que não vai voltar com ele?”, era como outro soco, desferido no ventre, como punhal. Queria vomitar.


Não, não tinha para onde ir. Só tinha a certeza que não queria ir sozinha. Mas não queria ninguém por perto. Não, não a acalmava saber que ele estava preso, detido, encarcerado. Desconfiava que nunca mais teria calma, nem para um cigarro. Nem para um xixi. Muito menos para o cheiro de outro homem. Sim, viveram juntos. Mas ela não sabia responder a quanto tempo: parecia desde sempre, parecia ter começado ontem, parecia que iria recomeçar na manhã seguinte. Mas, todas aquelas perguntas, qual o motivo?


Se um dia ela o amara? Puta que pariu, que pergunta era aquela? Naquela hora? Aquele odor de antiséptico. “Sim, amei. Mas não sei mais se era amor. Não sei se existe o amor, doutor. Só quero que me deixem em paz.”

Só viu o rosto dele novamente na audiência do fórum. Não sorriu com a condenação, nem teve sabor da vingança. Naquele mesmo dia soube que o filho mais velho, por ciúme, tinha matado a namorada, estava foragido. Morreu mais um pouco, por elas todas: a mulher, a mãe, a esposa, a companheira, a amante, a namorada.

10. novembro, 24.