quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"... o canal da copa..."

O recreio do perna de pau



Era uma partida na quadra da escola, recreio e era a final do campeonato daquele recreio. Era a Mariana da terceira série B  e eram a quadra lotada de invejosos  espectadores, o professor careca e a orientadora pedagógica. Era tudo isso e o gol complemente vazio. O gol escancarado, pleno, absoluto, sem goleiro. Todos sabem que o gol tem gosto daquele barulhinho da bola quando estufa a rede, não sabem? Se desconhecem os cheiros, os sabores, as cores do gol desconhecem praticamente tudo na vida, posso afirmar, atestar, asseverar. Quando o João me passou a pelota,imediatamente começou a gritar gol. Eu também. Daqueles gritos da alma, que as pernas arrepiam, os olhos brilham, a saliva seca para depois encharcar. E a bola veio linda, redonda, livre, liberta. Os pés a beijaram, um ósculo maravilhoso, um encontro perfeito. E não era hora de maravilhas e cousas dificílimas: era deixar o beijo e correr para o lado da Mariana, sorrindo e gritando “GOL”. Simples, fácil, grandioso, apoteótico. Ouvi o grito do João, o piscar da Mariana, a ofegante orientadora dizendo que o intervalo tinha acabado. E o apito do professor careca. E o barulhinho da macia rolando pela quadra... GOOOOOOLLLLL.... Traff. Traff?

Aquele som nada tinha de glória, nada tinha de golo, nada tinha de Mariana, nem de recreio.  Era a gorduchinha abraçando a trave com gosto e saindo dizimada pela área. Eram meus nervos todos caindo no chão, a anedota, a ignomía, o palavrão do João, o riso do professor careca. Era o silêncio e um monte de gente gritando “errou, impossível, cruz credo, ave maria, ruim, perna de pau, caçarola, grosso, besta”.  Eram meus pés tropicando na própria vergonha, na própria linha do obtuso:  para mim o mundo podia, deveria, merecia ter acabado naquele átimo. Soubesse o que era um enfarto, seria ali. E só. Caído no chão. Tento me esconder na névoa do vexame e uma mistureba de risos, de cânticos, de morte, de solidão e de ingratidão. E Mariana, como quem ama e ainda por cima faz rima, ainda vem com o desfecho final: “Vem, o recreio acabou.” E dá a mão para o goleiro, que ressuscitava nas chamas do meu inferno. Naquele dia, morri: ali, entre as redes e a pilhéria. E nunca mais nasci igual.

23.02.2010

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Cócegas como sanção

 
 
O papel do legislador
O original, aqui: http://www.facebook.com/Quodores/posts/193140317485981
 
 
Exercendo o papel de magistrado...

Bom... jogavam pebolim na sala... um "totó" daqueles pequenos, sem mesa, para jogar no chão.

Pela primeira vez em zilhares de anos o Pequeno aplicava uma sonora goleada no Grande. Óbvio, utilizava de escaramuças diversas e aproveitava a aparente boa vontade do irmão mais velho... "Pênalti!!!" E colocava a pelota na frente do atacante e mandava ver... ainda reclamando com o outro: "Ó... não vale mexer nenhuma peça! É cobrança de pênalti!"

O Grande levava na esportiva, embora fosse só um disfarce da alma.

Lá pelas tantas, o Pequeno sai pela sala comemorando a vitória maiúscula.

Quando olha para trás, o Grande tinha mexido no placar e fazia um tento de empate, quase colocando a bola dentro do gol. Pronto...

O Pequeno rugiu em fúria. Ficou vermelho, raivoso, emputecido. "Você está roubando!!! Isso NÃO vale!!!" E partiu para o confronto.

O outro, ria. Mas percebeu-se em apuros.

Tive que intervir: "Chega! Vamos acabar com esse jogo. Quem não sabe brincar, também não joga!"

....

Minutos depois, mudaram de brincadeira. Com uma figurinha do D'Alessandro do Internacional de Porto Alegre ("Pai... olha... é uma figurinha Do Alessandro, do Náutico!") começaram uma renhida batalha de bafo.

O Grande anda a aprender mumunhas do jogo. "Olha, isso não vale, quinô." (Nota da redação: quinô é quando a figurinha ao virar fica apoiada em alguma coisa, não completando totalmente a "virada", o popular "deu quina nalgum lugar"). E o Pequeno, ia aceitando, sem muita certeza de que a regra estava correta.

Bem.. a toada seguia. "Opa! Assim não vale... deu colinha!". "Sim, desse jeito pode... é "canoa" e a gente pode assoprar!" (Nota da redação: "canoa", desde antanho, é quando a figurinha fica em formato de barco e podemos fazer vento com as mãos para ela virar). Evidente, o humor do Pequeno foi se alterando, para pior.

Percebi. E, rápido, ligeiro, antes do caos, estabeleci regras. Sentado ao lado deles, no chão, mandei: "Olha, se o Pequeno ficar bravo eu pego e faço cócegas" - E pequei o menino e desatei a fazer cócegas. Os dois riram, amenizaram a disputa. "E se o Grande provocar.... também faço cócega." E dei um susto no mais velho, fazendo-o contorcer. "Eu sou o juíz!".

Enfim, lá pelas tantas, depois de cócegas aqui e alhures, o Pequeno pegou as manhas e começou a vencer... E, óbvio, começou a sacanear o outro. Que ficou contrariado, quase que visivelmente. Antes da cousa descambar, soltei:

"Olha, Pequeno... não é porque você pode provocar que você pode exagerar... você está extrapolando seus direitos... vou fazer cócega também!!!" O outro abriu o sorriso.

"E você... se ficar bravinho... também...".

Depois de algum silêncio (e depois de perguntarem "o que é extrapolar?")... os dois pulam em cima do pai. 
"Paiê.... faz cócega!!!".