quarta-feira, 12 de junho de 2013

Passes e Passos, para fora do mesmo compasso

Há uma profunda incompreensão quando movimentos sociais, populares, espontâneos, brotam contra governos que se rotulam como de esquerda...

E é engraçado que as reações são similares, para não dizer idênticas, aos daqueles que são rotulados como de direita: deslegitimam, criam maniqueísmos, baderna, vândalos, protestar pode mas isso aí é bagunça.

Não é fácil, não.

Porque compreender estes movimentos, mais do que uma tentativa necessária, é pensar um pouco sobre nós mesmos, sobre nossos equívocos, sobre nossas traições.

Em 2011, sim, em 2011, durante o governo Kassab, eram vereadores do PT que se diziam solidários ao Movimento do Passe Livre. A crítica era contra a abusiva majoração da tarifa, a rudeza e a truculência da polícia e cousa e lousa. Os embates entre os vereadores e a polícia foram capas de periódicos e as falas eram de que o movimento estava corretíssimo em suas reivindicações e ações. O próprio site do PT tecia comentários de apoio, solidariedade e compreensão: http://transportesptsp.blogspot.com.br/2011/02/repressao-do-kassab-lembra-os-tempos-da.html

Não se pode exigir o "monopólio" das reivindicações justas. Este é o problema central. O governo municipal está perdido, sim. Está perdido porque levou a questão da tarifa do transporte público para um debate meramente "técnico", aquele papo de contrato, reajuste abaixo da inflação e um protocolo de boas intenções, do bilhete mensal à construção de novos corredores. E aí, atônitos: "Poxa, mas tudo que é correto nós estamos fazendo e prometendo que vamos fazer. O que esses meninos e meninas querem é absurdo."

Não é. Porque o debate é político. O reajuste de vinte centavos tem impacto brutal no bolso de quem usa o transporte público diariamente. É a diferença entre o cinema e o ficar em casa assistindo ao "Zorra Total". Entre a cerveja e o cachimbo. Entre o passo e laço.

Dizem que há um problema neste Movimento do Passe Livre, que eles não tem uma liderança reconhecida que possa "negociar". Que eles são jovens de classe média, que não usam diariamente o transporte público. Que eles vestem toucas, cobrindo rostos... Cuidado, porque mais que incompreensão podemos correr o risco de reproduzir conceitos que até ontem condenávamos.

A questão da liderança e da "negociação" nos remete a um dilema sério e cruel. Em que medida as negociações com lideranças dos movimentos de esquerda não desaguaram numa retumbante diminuição de direitos ou em pequenas traições (uso "pequenas" porque eu também cultivo dúvidas...): dos movimentos de moradia que nunca tem suas desapropriações por interesse social atendidas, da reforma agrária que nunca sai, dos créditos para os pequenos agricultores sempre em segundo plano em relação aos financiamentos para os agronegócios, nos Afifs, da reforma da previdência. Nesses últimos dez anos aprendemos que a governabilidade custa sonhos, que o carpete amortece, que é melhor negociar para perder.

Sobre as toucas e os rostos, será que os trabalhadores de Belo Monte, que foram presos pelo exército inclusive, não ensinam que mesmo na "democracia" podem ocorrer perseguições, prisões e sei lá mais? Ou será que vamos fingir que trabalhadores não foram presos por lá, porque é muito distante e que Belo Monte é uma questão estratégica para o desenvolvimento do brasil potência.

São jovens. Podem ser de classe média. Ora, pelotas, quem foi para a rua contra a ditadura não tem o direito de dizer quem pode ou não se manifestar quando se reivindica direitos.

São estas pequenas contradições de discurso e prática que vão minando os espaços institucionais, incluindo os partidos políticos. Podemos até ficar perplexos, só não podemos deixar de olhar para o próprio rabo.

E, por fim, sincera e honestamente, não é de Paris que se manda recados. Se está por lá é porque o que se está fazendo por lá foi considerado prioritário - sem juízo de valor algum nesta constatação. Os arruaceiros já tinham dito que a terça feira ia parar SP. Pelo jeito, a quinta também. Eu voltaria no próximo avião, se fosse para tratar desta questão como prioridade.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Películas Protetoras, Amém.






Outro dia comprou um revólver. Disse que se sentia muito inseguro, rua escura, gente má e tudo mais que é isso mesmo que dá, que medo é assim, quando toma, contorna a alma com filme preto. Outro dia, usou a arma.


Era manhã e saindo cedo, e atrasado, suava desenganos diários: a hipoteca, a escola das crianças, o carro, o carnê da televisão mega polegadas, o carnê da carne, o desodorante, a fama que não veio, o chefe, o logro, a covardia, o atraso na hora de acordar, o atraso e não tomou café, o atraso e a dívida com a esposa, de carinho.


O trânsito caótico. Já fechara uns dois outros apressados, já passara buzinando por cima da faixa de pedestre, estava atrasado sempre pensava que nessas horas também deve levar em conta relógio, condomínio e livro de ponto, xingou a moça braço, xingou de velho, xingou de bicha, gritou. E evidente, dentro do carro era assim. É como minha casa, porra, faço o que bem entender, caralho.


Engraçado que o mesmo filme preto que encobre a alma, nos casos do medo, é aquele que cobre os vidros do carro. Tenho medo de ser assaltado e o filme dificulta que os ladrões me vejam, me notem, me invejem, cobiça, atiça, lixa. Mas é o mesmo filme que protege a mãozaça na buzina porque aquele filhadaputa me fechou. E também impede que se olhe no rosto daquela outra, que, pacientemente, deixou vez no cruzamento, na rotatória, mesmo tendo a preferencial. Não se olha nem para agradecer, é o filme que me protege. Bege, opaca, cinza, nula, óbvia, ridícula.


Mas foi o maldito que desceu do carro. Como imaginar que ele só queria conversar, veio tão bravo, tão puto, tão armado de gritos. Bom, vou dar um susto nele, abaixa, pega a arma, sai gritando: “e agora, palhaço, vai ficar manso?”. Tomou um tapa na cara. Um tabefe, que ressoou avenidas, ruas, alamedas, a moça do carro ao lado, o que vão pensar, o que vão pensar, o que vão pensar. Atirou. Pelas costas.


O mesmo filme preto, a arma, o corpo na hora morto, mote, anote: fim.

13. junho, 07.