sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Desopiladas

Janeiro é um mês propício para mudanças de rumo...

Aí chega o carteiro: IPTU, IPVA, OAB, ETC...

Escrevi, em companhia de amigos, este pequeno texto.

Uma contribuição para outro amigo: o fígado.



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Delírios de um refluxo


O azeite é, sem dúvida alguma, uma prova. Prova de que se os Deuses não existem existe o engenho humano. Este engenho é fabuloso, sem dúvida. Outro dia uma sopa sem vida perambulava no fogão. Era um olhar triste, desolador. O fogaréu lá, o borbulhar lá, a ervilha lá. É verdade que os companheiros diletos, o toucinho e o bacon, estavam em férias. Gastrite. Mas o gosto da sopa não conseguia “engrenar”. Faltava vida. Faltava, óbvio, o azeite.


Este sim é um verdadeiro amigo. Conversei por várias horas com este misterioso companheiro. O que andava por habitar minha cozinha era um em lata, vindo de Portugal. O cheiro, o perfume, o aroma do azeite, por si só, já é um convite, uma companhia, um deleite.


Na nossa conversa ele me encorajou. Disse, com palavras suaves, que não tivesse medo. E não tive. O azeite ao cair na sopa já mudou a textura e o paladar da futura comida. Foi impossível não procurar uma pimenta, ainda que moderada, a tal gastrite também conversava comigo, para incrementar o prato. Uma pitada de sal. Um queijo! Sim, na geladeira aquele queijo me chamou, em alto tom: “Vou derreter e ficar puxa-puxa!”. Sorri. Enfim a sopa ganhava cores novas, vida, cheiros e se transformou numa ótima companhia. Reuni a todos na cozinha. Abri um vinho e convenci a gastrite que ela deveria ficar calma. Um pão, que torrei no forno. Umas pitadas de azeite a perfumar o pão.


O azeite é um grande amigo, penso. Noutro dia me ajudou num tomate, cebola, alface. Por causa do meu amigo verde oliva fui colocando coisas novas na saladeira, misturando. Um atum, que parti em diversos filetes. Um queijo gorgonzola, picado. Uma outra rodela de cebola, levada ao forno e totalmente banhada pelo amigo. Enfim, uma ótima companhia.


Ao fim da noite, no dia da sopa, atrevi um Marvin Gaye na vitrola. Meia luz. Ficamos todos ali limpando o resto do prato com nacos de pão. “And when I get that feeling...”.


A gastrite? Sim, esta amiga invejosa resolveu chamar minha atenção horas depois. Com alguma fúria, até. Mas ela cochichou ao meu ouvido, para meu consolo, enquanto procurava o antiácido, colega que mora na prateleira do armário do banheiro: “Você é um turrão, mesmo. Vai culpar o azeite... Será que você não percebe?”. Vomitei na gravata. Era hora de trocar o terno.


2009. janeiro, 29.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Mais um acessório para o vestuário

Relógio que pulsa


Por vezes pensa nela por todos os instantes do dia. Acordado, dormindo, sonhando, trabalhando, caminhando. E nesses momentos são os pés dela que descansam sobre o seu corpo, apalpando suas pernas, bunda, pés. As coxas dela entrelaçadas com as suas. São os seios dela que estão em suas mãos ou ao toque dos seus lábios, arrepiados. Nestas horas ela está molhada, entregue, deliciosamente nua. E seus dedos a encorajam a mais querer, sua língua procura mais saberes daquele corpo que tanto quer. E estima, pensa, exige.


Mas tem horas que não pensa nela. Nessas horas prefere estar com ela e dentro dela. Por vezes devagar, outras vezes rápida e precisamente. Nessas horas prefere falar bobagens explícitas, dessas que somente chamamos quem nós queremos de fato. Fala das nádegas, dos peitos e do sexo. Da boca que lhe beija, chupa, molha. Das mãos que lhe exploram, tato, desenham. Dos cheiros que se misturam e dos gostos e sabores, mais intensos, salgados, suores, densos.


Mas há horas em que lhe é impossível não querer ser dela. E nessas horas ele se deixa para ela, para os toques dela, para a boca que tanto gosta. E ela lhe toma, toca, invade, mexe, remexe, bole. E quanto mais ele é dela mais ele se lembra das outras horas. E retoma o passo com os gemidos dela, como se aquele arfar fosse sempre o seu gozo, orgasmo, súplica de seu corpo.


E tem as outras horas também. E nessas horas lê, pensa, escreve, fala, vai ao banheiro, respira, corre, anda... E tenho certeza que será inevitável que ele insistentemente olhe para o relógio para saber que horas são.


2009. janeiro, 15.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Crudelíssimas Dúvidas

Para começar o ano, um texto antigo... um texto do início de 2006.

Experiências com o segundo filho... era janeiro. E fazia calor.

Um ótimo 2009 para todos nós!



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Confissões da Segunda Paternidade...


De biscoitos e pernilongos



Há determinadas coisas neste mundo que, definitivamente, não são deste mundo. Mas, sim, de outro qualquer. Que não este, valha-me!


Escrevo estas frases de efeito - será que terão algum? – para falar de um diabrete que insiste, séculos após séculos, maternidade após maternidade, anos a fio e a pavio, em incomodar pais, mães e vizinhos. O impressionante é que não há literatura sobre o assunto, deixando todos imersos na escuridão. De qual diabrete estou escrevendo? As assaduras do bumbum.


Quem se interessar pelo tema, pegue lá o pai dos burros e passe os olhos pelos múltiplos significados da palavra assar, que origina o termo assadura. Todos os sentidos explicam, mas não na totalidade, o que deve sentir o guri ou guria, recém nascidos. Assar é o ato de tostar, crestar... Assar é consumir em chamas, queimar. Assar, abrasa, arde, irrita. Nesta toada fica fácil entender porque os vizinhos têm sempre um pacote de polvilho pronto e separado para entregar para os pais de pequenos infantes. Polvilho, meus caros, polvilho, que não serve só para biscoito. O melhor dos usos para o polvilho é mesmo o de embranquecer o bumbum e a água do banho e funciona como um amuleto, um talismã, uma reza. Pais e Mães de todo o mundo, não se ofendam, nunca, com seus vizinhos se estes seres piedosos aparecerem no meio da noite com um pacote de farinha na mão, suplicando: “Olha, foi minha vó que ensinou... esse chorinho é assadura e para assadura, só polvilho!”


Eu fico cá escrevendo estas palavras enquanto a mãe se engalfinha com o pequeno, lá no quarto. A cena é muito emocionante para nós, os pais, estas figuras tão pouco exploradas nos livros do bêabá infantil, parecendo até que os homens não têm sentimentos. Vendo a cena eu os tinha, o de desolação, principalmente, aliado a profundas e densas sensações de inutilidade e inevitabilidade. E os dois lá se engalfinham, porque parece uma luta renhida, daquelas de vale tudo. Pomadas, super gel para irritações cutâneas, óleo, o bom amigo polvilho e o pequeno gritando. Estica as perninhas, os braços. Chora e lamúria. E quando tudo parece se acalmar, pronto, lá vem outra rodada daquele cocozinho amarelo de recém nascido, que só de olhar já causa assadura.


Se um dia alguém me explicar a razão das assaduras estará desfeito um dos maiores mistérios do mundo. Não as razões óbvias, derivadas de explicações médicas, de irritações cutâneas, de umidade, de fricção. A razão que procuramos é aquela que explica a assadura, que vai ao âmago do problema, que faz o homem gritar “eureca”. Há coisas que não são deste mundo, definitivamente.


Assim como o pernilongo eu não consigo entender o porquê das assaduras, principalmente no bumbum daqueles que só sabem chorar para se proteger.


Mas há o polvilho, esta benção. De agora em diante, prometo: Toda vez que eu for ao supermercado, ao passar por um pacote de biscoito de polvilho, ao invés de só procurar aqueles pacotes com os biscoitos mais tostadinhos, agradecerei aos anjos e aos vizinhos. Evoé, polvilho!!!


O pequeno dorme, mansamente. As mães enfrentam quaisquer diabretes, quaisquer.


2006.