quinta-feira, 24 de outubro de 2013

E quando o palhaço não ri, nem chora...?





Alguém já observou alguém andando por aí com a alma despedaçada? Sim, alma. Não, não estou a falar de algo esotérico, sobrenatural, religioso, palco, confete, pudim de leite ou pão. É alma. Aquilo que nos dá, a todos, um cadinho de sustância. Que dá a vida um sentido próprio e não mero adjetivo.


As almas estão por aí, a preencher, a recuperar, a comer, a amar, enamorar, chorar, gritar, dor, prazer, gozo, choro, vexame, coragem, medo, raspa de açúcar, limão na pinga, gelo, verbo. Quem não as tem, vaga. Vazio. E os que as têm despedaçadas parecemos trôpegos, vacilantes, macambúzios, diminutos, vesgos nos trilhos.


Sabe-se lá por quais razões, a alma. E ela está nas gentes mas está nos discos, nos copos, nas mesas de boteco, nos brinquedos de criança. Sem ela tudo fica um pouco propaganda de lanchonete de fast food americana de palhaço: “amo muito tudo isso”, como que amor fosse algo prensado, insosso, mastigável somente, médio, meridiano, tombo e até o palhaço causa fobia.


Todos nós conhecemos estes fatos, estes devaneios. Podemos, cultos, impolutos, inteligentes, dar outros nomes... chamar psicólogos, terapeutas, linguistas, engenheiros, médicos e até os advogados para dar tratos à bola e definir esta verdade universal, talvez a única, de que há a alma, sustância, firmamento, essência, razão de.


Pois bem, o São Paulo havia perdido a sua. Sim, o time. Que o assunto todo desta prosódia é mesmo o futebol, o ludopédio, a pelota, a bola, a gorduchinha, ripa, chulipa, driblou, apontou, guardou, balançou a roseira, tá no placar, é rede, oxítonas, paroxítonas, proparoxítonas. E até os azulejos do paço reconhecem que um time sem alma é um vagar eterno pelo purgatório, um velar de bicho, uma escuridão sem destino. Nalgum canto desses campeonatos por aí, bastidores, eleição, reforma de estatuto, arrogância, soberanos, que tais, queixumes, fomos esvaziando, tirando pedaços, esvaindo, consumindo. E o tricolor, o Clube da Fé, parecia um corcunda triste, mas que não chorava.


Isso tudo foi até a noite de ontem, senhouras, senhoures, confrades. Desde o primeiro gol chileno fomos enchendo de volta, como bico de bicicleta, recuperando. Aloísio, finta e gol. Em passe de Maicon. E Rogério, impossível: uma, duas, três vezes. E outro gol chileno e a calibração, o pulso, o coração. E Ganso, açúcar, Aloísio, dribla o goleiro e gol. E Rogéeeeerio, mais uma, duas, três vezes. Aloísio, bola para Ademílson, bola mansa, toquinho, gol. E outro gol chileno. Mas aí tínhamos outra vez nossa cidadela, nas mãos do goleiro infinito. Na garra de Aloísio. No toque sutil de Ganso. E a tabela Ganso, Maicon, Wellinton. E o olhar de Muricy, lá da botica, aviando receitas, conjurando demônios, santos, deuses e deusas.


O correto não seria o pleno pulmão gritar o estandarte do “campeão voltou” ou “time de guerreiro”. Ontem foi muito mais que isso. Simples, assim mesmo. 

13. outubro, 24. 

domingo, 13 de outubro de 2013

Domingueiras...



Era moleque. E aquela música de fim de domingo, fosse a vinheta dos "Trapalhões", do "Fantástico", do "Silvio Santos" ou o vt do jogo da tarde com o Peirão de Castro ou o Fernando Solera na TV Gazeta, me deixava macambúzio.

Talvez, mesmo, algo na transição entre o final de semana e a segunda me chateie.

Ou seja só inspiração para escrever cousas...

Tomara.

Saiu este aí abaixo...

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Queria, ontem.


Hoje, não sei. E não sei se é por causa do tempero, da minha aversão ao que foi, da minha maldita ansiedade. Só sei que não. Mas ontem... queria.


Tremas deveriam voltar, acho. Eram charmosas. E a gente sabia que tinha que mexer com a língua. Portuguesa. Mas a regra da trema, e a da crase, nunca soube completa. Mas a dica, no caso da crase, é sempre colocar no masculino: ao, craseia. Mas a regra, nunca soube.


O fato mais complexo deste mundo é o porque tantas coisas ao mesmo tempo. Se a gente não dá conta de uma. Talvez ler um livro e ouvir música. Mas só talvez. Porque trabalhar e pagar conta, essa conta quase nunca fecha. É aí que domingo.


Queria, muito ontem. Hoje já não sei. Talvez seja a fórmula que encontrei para desgostar das coisas. Algo para quem por culpa. Quando a responsabilidade fica muito pesada, na verdade, quando os fatos ficam muitíssimo previsíveis. Em sua chatice, amanhã tenho que acordar cedo.


Sempre me lembro de comprar aquele perfume de vaso sanitário tarde demais. Aquele cheiro de xixi é que me rememora. Poderia ser diferente, se levasse lista para o supermercado. Mas não levo, insisto. Nas gôndolas, nas guloseimas gordas. Nos preços que não leio. Na conta que não fecha. E mesmo assim reclamo de tudo, conta, salário, mês, acordar cedo, domingo, televisão aberta, triglicérides. Podia era beber menos, talvez.


Mas o fato incontroverso, a única verdade verdadeira, é que ontem... eu queria. Nem sei mais o quê, também é verdade. Incontroversa. Desta alma que não pára de negar o acordo ortográfico. Talvez devesse mesmo era queimar gravata em praça pública, andar descalço na praia, quebrar umas vitrines de banco, foder num juros altos. Mas ainda assim, pouco me recordo, mas lembro: Ontem, eu queria muito.

13. outubro.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Perdemos o rebolado...


Tenho uma amiga, não muito linda, mas muito camarada - as vezes. Ela me fala verdades, me diz que tem cousa errada nas cousas que faço, faz planos comigo. Mas me tira a plenitude das manhãs, a safada.

É a Insônia, esta amiga.

Pois bem, temos eu e ela o defeito de assistirmos as sessões do "Como era gostoso meu cinema", do Canal Brasil. As pornochanchadas nacionais, do último quarto do século passado...

Sou de uma geração que aguardava as sextas feiras, fazendo planos mirabolantes, torcendo para que mãe, pai, vó, vô, dessem uma bobeira e a gente pudesse cansar de ver a "Sala Especial" da TV Record, antes desta emissora de tv adoecer e virar virgem e missa...


Bom.... lembrei de um texto antigo que fiz para o blogue "Os Bolonistas", uma confraria da qual faço parte, que fala sobre futebois e nostalgias... Anda meio parado, é verdade, mas há textos que gosto muito. Velhas quinquilharias.

Este tem uma nostalgia, uma saudade, um gosto de descobertas e ironias sobre a grande mudança da vida da gente na "puberdade". E do desencanto... sempre ele - é a parte que minha amiga mais confabula nos colóquios da madrugada...


Trago ele para cá, então...


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Matilde, Adele, Aldine, Hansen e Brondi; Maria Lúcia, Vera e Maitê; Nicole, Helena e Zezé *.


Bolonistas na espreita da sessão proibida das noites de sexta feira...


Inevitável. A edição de aniversário da revista trazia na capa ela, sim, simplesmente ela. Xuxa Meneguel. A namorada do Pelé. E curvas absurdamente impróprias para menores. Era uma coqueluche, a menina. Brasileira toda. Cara, bunda, peito. Cheinha, rechonchuda. Na medida. Eram os dias mais felizes daqueles anos. Que começavam nos minutos antes de entrar na sala de aula, com um futebol descompromissado jogado com latinhas de refrigerante amassadas. Depois, ainda antes de entrar na classe, ainda que já dispostos nas carteiras escolares, um breve trocar de figurinhas do álbum da copa: “Troco o Pantelic pelo Rocheteau”.

As aulas eram boas. Eram sobre a crase, a revolução praieira, o cloreto de sódio, Pitágoras e talvez um pouco de solfejos, na aula de música. Flauta doce. E nesse ritual, o recreio. O lanche. As meninas. Sim, as meninas. E por causa delas era que alguns já não sabiam mais se era o Perivaldo ou o Edvaldo o lateral reserva do Leandro. Em outros tempos esta incerteza poderia carregar o incauto para a forca.

E das meninas, às mulheres. As peripécias para surrupiar a edição de luxo da revista da coelhinha. A sorte de ter a vizinha ingênua que deixava a janela aberta. O vestiário e aquela entrada secreta, que ninguém conhecia de fato, mas todos reconheciam os detalhes. Os mais sórdidos, para aquelas mentes de “prestobarba”. Para as mãos, evidentemente.

No fim, porém, o assunto corriqueiro voltava, triunfante. Eram Artur Nunes, Paulo Roberto, Antônio Oliveira, Roberto, Sérgio Bernardino, José Sérgio Presti, Sócrates Brasileiro. Era Telê. Era o falso ponta. O volante cabeção e o volante bom de jogo. Era a goleada no Morumbi, a sova na Vila, a desfeita no Mário Filho. O Grenal. A seleção da Itália e o esquema tático da Holanda. Era a seleção brasileira de futebol, orgulho, sonho, samba e razão de tudo. Ou quase tudo.

Sem contar um ou outro, que numa pausa ao monotema e às meninas, ainda achava um tempo para falar da Campanha das Diretas, da cor amarela na janela, na moratória da dívida externa pornográfica. Lembro de um defendendo uma tal auditoria nas contas, para ver onde de fato foi parar a dinheirama toda. Outro falava de greves. De votar para presidente. E todos, ao fim, gargalhavam solenemente: “Eu votaria na Xuxa”.

Ta aí. A nossa Deusa virou pó. Esquálida, sem sal, sem traços, sem abundâncias. Uma tez tão límpida quanto intocável. A seleção nacional virou seleção de nada ou de empresa de material esportivo. Já não queremos mais auditorias, moratórias e nem roupas amarelas vestimos mais. Nem vermelhas. Somos todos uns chatos e pragmáticos. Talvez, até, mesquinhos.

Assim, ainda nos restam as meninas. Todas elas. As que ainda queremos enamorar, paquerar, desfrutar, admirar. E todas elas que nossas namoradas, amantes, confidentes, amigas, todas bonitas na essência. As meninas. E este diário se recusa a delas esquecer. Porque é perder mais um pouco da gente, mais um pedaço. Talvez o mais caro, depois, é óbvio, da memória daquele gol do Pita na União Soviética, num amistoso no Morumbi.

21.08.2008

* Obs: Matilde Mastrangi, Adele Fátima, Aldine Muller, Kate Hansen e Lídia Brondi; Maria Lúcia Dahl, Vera Fisher e Maitê Proença, Nicoli Puzzi, Helena Ramos e Zezé Mota. Um belíssimo time, sem dúvida. Acrescentaria que a técnica era a Selma Egrei.