terça-feira, 8 de abril de 2014

Não cabem relativizações de nenhuma espécie - Nona Blogagem Coletiva DesarquivandoBR



Este texto faz parte da Nona Blogagem Coletiva DesarquivandoBR. 

Lembrar do golpe é tarefa que não devemos esquecer. Pelas repercussões que o período de exceção tem nos dias de hoje, numa sociedade que se acostumou com a violência de estado, conivente com a tortura, com o tratamento cruel, com a barbárie, com a ocultação de cadáveres. Um estado policial que se alimenta da impunidade que a sociedade brasileira deu aos torturadores, violadores, assassinos da ditadura militar.

Uma sociedade que finge que não houve cúmplices, financiadores, aliciadores. Porque uma parte destes faz parte da "nata" da sociedade brasileira.

Foi um texto escrito muito pelo fígado, enojado com editoriais dos nossos jornais piratiningas que tentam relativizar esta cumplicidade cínica com o golpe, com o sadismo, com a violência de estado. E saiu logo depois de ler um texto de opinião de um dos herdeiros dos Mesquitas no Estadão. Deu náusea.

Sim, vamos gritar: Nunca Mais. Vamos garantir a abertura de todos os arquivos ainda escondidos. Vamos lutar para rever a Lei da Anistia, para punir tortura, ocultação de cadáver, elaboração de laudos médicos falsos e denunciar os que financiaram a repressão.

Não esquecer.

O texto foi publicado originalmente no feiçobuco.

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Ainda sobre o intragável texto do herdeiro dos Mesquita hoje no Estadão...

Mas será mesmo que este conto da carochinha de que vivíamos a iminência de uma tomada de poder pelos comunistas, violenta, vinga nas sinapses de alguém minimamente razoável na arte de ler e interpretar?

A ditadura brasileira, a suja, não foi uma reação à "forças soviéticas cubanas" prontas para tomarem de assalto qualquer palácio. Quem repete este discurso, mente. Simples assim.
Jango estava realizando um esforço para ganhar adeptos para um programa de governo, chamado reformas de base. Dentro da regra do jogo. Fosse maioria, faria as tais reformas. Seria seu candidato mais forte na sucessão presidencial que se avizinhava. Não tinham tanques, nem fuzis, nem quarteladas a defender esses ideais. Existiam ideias. Polêmicas? Talvez. Mas não existia um plano para tomar a força o poder. Tanto não tinha que não houve reação armada ao golpe.

Uma parte do grande empresariado e dos donos de terra não suportariam perder poder e parte no latifúndio. E criaram esta fantasia para justificar o golpe e o apoio a ruptura da ordem constitucional. Simples assim.

Como também é simples entender como sofismas quem defende o golpe retrucar com Cubas e Venezuelas. Como se boa parte da própria esquerda não fosse crítica aos stalinismos da vida, reconhecendo erros, imperfeições e violências e morrendo por causa desta crítica. Sim, senhores, senhoras, é a esquerda que faz a crítica mais contundente aos erros históricos cometidos - basta querer e saber ler ou participar de algum debate interno nos partidos políticos que se reivindicam de esquerda. A diferença é quem analisa Cuba sem analisar o embargo, analisa a Venezuela sem olhar que o que a oposição chavista quer, hoje, é golpe, é romper com a ordem constitucional, é apear do poder quem foi eleito numa eleição dentro das regras do jogo. É engraçado que no debate político uma parte desses arautos da liberdade tem um rosário de argumentos que nunca resvalam no fato concreto de que os Estados Unidos violam diuturnamente direitos humanos, tem presos políticos, tem um sistema eleitoral absolutamente inconfiável, a Flórida de Bush que não nos desdiz. Eles querem discutir Cuba mas se recusam a discutir Guantanamo, ou a manutenção de presos e presas de movimentos sociais como o Occupy ou dos Panteras Negras. Sem contar que existe nos meios de comunicação uma visão pra lá de hegemônica que dá guarida, alimenta e reproduz esses arautos. Neste contexto, desculpem, defendemos o raso até por precaução. Não seria lindo bradarmos que deveríamos romper relações diplomáticas com todos os violadores de direitos humanos, da China, dos Estados Unidos, de Cuba?

Sim, havendo regime totalitário e de exceção haverá resistência armada. Podemos discordar do método até certo limite, mas não se pode ignorar a legitimidade da resistência. Li que a esquerda matou soldados... Todos reconhecidos, que tiveram direito a enterro, ao luto de seus familiares e a reparação do estado pelos mecanismos legais.

A tortura não está relacionada a combate algum - é sadismo, crime e covardia. A ocultação de cadáver não tem a ver com combate algum. É sadismo, crime e covardia.

O pior destes relativismos é o que eles escondem de desejos para o porvir. Porque me parecem sempre manifestos da casa grande, avisos cifrados, e nem tão cifrados assim, que existem limites que a patuleia não deve ultrapassar.

Por isso eu tenho asco desta relativização.

2014. abril.