terça-feira, 29 de abril de 2008

Canto dos Olhos




Um olhar. O primeiro sorriso, roubado. Mas saboreado.


Outro, olhar. Os segundo e terceiro sorrisos, mútuos. E degustados.


Mais olhares. Múltiplos, silenciosos e cúmplices. Assim como os sorrisos. E...


Olhos cerrados, fechados. Entre o tato e o olfato, paladares.


Sem sorrisos. Mas os lábios...


Beijo. E saíram apressados.


sexta-feira, 25 de abril de 2008

Escondidos no Sotão


Eram dois. Não são mais. Paulo e Eugênio. O telefone toca. Nada de respostas. Só perguntas. E uma profunda dor. Inexplicável. E nem tanto.


Nunca soube diferenciar posse de amor. Ou mesmo de paixão. Era um sentimento tão forte que não conseguia encontrar forças para discernir. Com toda a sinceridade possível nesses sentimentos, sempre achou que fosse amor. Ou paixão. Nunca posse. E não tinha convicção. Nem certeza.


Assim, todo ciúme sentido era explicado pelos sentimentos profundos, e nobres, de paixão ou amor. Sempre encontrava nobreza nos atos aparentemente desconectados de razão. E os bolsos vasculhados, os papéis remexidos, as certezas das dúvidas e as incertezas das explicações. Mas no fundo, havia certo regojizo. Era paixão, e a imagem de um terceiro justificava todos os atos.


E sentia profunda derrisão pelos próprios sentimentos. Sempre havia a coordenada consideração teórica sobre as virtudes e sobre as verdades. E as mentiras. E quase sempre era a mentira que fundava as preocupações extremadas. Quase nunca se interessou pelas verdades.


Enfim, houve o dia da revelação. E como todos os monstros de todos os pensamentos mais obscuros saíssem na mesmíssima hora das masmorras chorou e destilou o ódio e o veneno acumulados. Sentia estranho prazer naquele sofrimento em que responsabilizava o outro pelos infortúnios da alma e do corpo. Na trilha do correio violado, as provas. Na trilha das conversas travadas, a confissão.


Esqueceu-se, porém, do outro. E na busca sôfrega para exportar o sofrimento, afinal não era justo sofrer sozinho, fez o que considerou justo. Esqueceu-se, também, da conta telefônica, aberta sobre a mesa. Na noite anterior ao dia da revelação, os números discados e expressos na conta de papel denunciavam o trote. E ali acabou tudo, o outro entendeu que era posse. Não quis participar do jogo. Foi embora. Sem virtudes. Mas sem dúvidas.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Terremotos e Tolices


A realidade de cada um



Era uma vez....A realidade.


O que esperamos da realidade, senão que vivamos?
A vida é uma só.
Amanhã não tem mais.
A vida é curta.
Carpe diem.
Viva.


Será somente viver?
A realidade, infelizmente, não é uma só.
Amanhã, existe um outro dia.
A realidade é hereditária.
Coma bem.
(se puder)
Sobreviva.



Era uma vez... Um príncipe encantado.



A realidade é somente fruto da imaginação de alguém.
Diga qual o seu nome e o concreto pode subitamente se abstrair.
Se a sua razão é real, de certo que o alvo predileto é o sonho.
Pesadelo de uma noite mal dormida.
Ligação de pensamentos perdidos, virtualmente comprobatório.


A relação do real com o irreal é a somatória de utopias, de expectativas, de egoísmos, de mentiras e de verdades.
Resulta da análise minuciosa do cotidiano.
A relação do real com o irreal fica acima da ciência exata, é passional demais para ser cientificamente constatada.

E o sapo coaxou.





terça-feira, 15 de abril de 2008

Entre sonhos, muitos e assim só



Ainda não entendia bem. Mas o fato é que elefantes atravessavam a sala carregando carambolas enquanto uma perua Rural laranja e branca roncava no quintal. E o quintal era de uma casa, por vezes. Em outras, era a varanda. Do meu apartamento. Só que maior.


Ao fundo algo como uma música distante. E inacreditável, naquele circo todo, a trilha parecia ser Piazola. Ouço vozes desconexas, informando que havia chuva e possibilidade de frio. “Seis horas e quarenta e dois minutos”.


Entendi tudo. Era o despertador. Os elefantes, as carambolas e a Rural eram parte de algum sonho invariavelmente desconexo. Ainda poderia ficar mais um pouco na cama. Aguardar o próximo despertar do rádio relógio. Mas a chuva e o barulho dos pingos na janela tiveram efeito no organismo. Não dava mais para segurar. Era xixi.


Levantei. Tocava um chorinho, de Pixinguinha. Raras vezes um despertar poderia ser tão feliz: Piazola e Pixinguinha. Talvez estas felicidades me renovassem os humores. Acordar cedo não é das tarefas mais gratas. Enfim, me lembrei dos compromissos do dia. O jornal. O mamão. O café, amargo. Preciso comprar mais pó. Ou o granulado.


No banho refiz os planos do dia. Quem sabe a sorte do tango e do choro me levassem a ter um dia mais ameno, alguma resposta positiva daquela chance boa de novo emprego. Ou novo rumo. Dei risada, dos elefantes e das carambolas. Quem entende o mundo do lado de lá? Do cérebro.


A gravata combinando. O maldito do cinto desgastado. Preciso comprar outro. E lembrar da graxa, no sapato. A chuva insistia. Tracei os planos para os melhores caminhos para fugir do inevitável trânsito. Outra olhadela no jornal, os quadrinhos. O Calvin. Outro sorriso. Uma boa manhã. Faltou só o pãozinho quente, com manteiga derretendo. Amanhã acordo mais cedo e vou à padaria. Planos.


O guarda chuva. Teria que andar pelo centro da cidade. Melhor levar o guarda chuva grande. Conjecturas. As chaves. A chave do carro. Mais um dia. Ao esperar o elevador, um assovio. “Chega de Saudade”. O dia até que começara bem.


O portão da garagem se abre, lentamente. O primeiro ronco do motor do carro. O rádio. Lembrei-me da Rural. Novos sorrisos de planos futuros. Com coisas passadas.


Tudo parecia tranqüilo, para um dia de chuva. As ruas desertas. De carros. E de gente. Sem fila nos pontos de ônibus. Um dia tranqüilo. “I`ve got you under my skin”. Sinatra, inconfundível. A certeza que o dia seria perfeito.


Ao entrar na avenida percebi finalmente que estava sozinho. O telefone celular deixara em casa. A chuva torrencial impediria qualquer ser vivente de sair incólume do carro. Olhei para os lados e percebi o inevitável. Ficaria naquela avenida para sempre. Para todo o sempre. O semáforo piscando em amarelo denunciava tudo. Trezentos e doze quilômetros de congestionamento na cidade, informações da Companhia de Tráfego. E o mostrador do combustível alertava para a reserva. As carambolas seriam doces?

2008.abril.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Buracos e Rezas

.



Super faturamento.

Quem foi que inventou o pecado?

Deus criou o homem

Imagem e semblante.

E quem criou Deus?

Indagações perigosas. O mundo é assim.

Tens dó de ti, temos dó de nós, temos Deus a rogar.

Oremos.

A toca do homem é um buraco de avestruz.

Ou de Ema. Uma dádiva divina.

Quem criou a criação?

A Ema, que depois fugiu para o Pantanal.

2004.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Vermutes e aguardentes



João e Maria


E a cidade crescia por todos os lados. A praça e o viaduto. O colégio, um outro prédio. Mutatis mutanti. A cidade continuava seu caminho. Mas era uma boa companheira de desilusões. Imaginem o quanto que essa alma sofreu quando lhe impuseram o Viaduto Costa e Silva? Aquela coisa bizarra, feia e estúpida que liga a região central ao local de trabalho do prefeito da ocasião... e em nome do progresso! O progresso era uma espécie de doença, urbanismo mal resolvido. A cidade sofreu, mas calada ficou.


A vantagem, ou enorme desvantagem, da grande cidade é essa resignação que ela transmite. Sem um rugido de dor, sem uma feroz virada de mesa, ela acolhe o viaduto e o transforma em moradia, em recanto para muitos. E as pessoas podem andar por aí, vagando sem se cumprimentar, sem se notar. A cidade grande oferece abrigo e você pode transitar com suas desilusões, sem incomodar quase ninguém e esperando ser incomodado só vez em quando...


Waldir bebera tanto que ia caindo pelas ruas. Esbarrava em orelhões e chutava latas. Marina, com ar de superioridade e completamente embriagada ralhava, tudo sem o menor sentido. A padaria acabara de abrir. Média requintada às quatro da manhã? Será que é de ontem? Uma singela coxinha de frango adormecia nas estufas e um cheirinho de fritura. Pãozinho na chapa. Moacir, o único com resquícios de sobriedade pediu um gole de fernet, não queria chegar em casa de cara limpa. Rosinha riu e Carlão só fazia rir, e ria.


Os ônibus já circulavam com alguma freqüência. Hora de ir para casa. Salazar, com um casaco fino de náilon, saiu correndo pela rua. No que Rui e Diana logo o seguiram. Cachorro quente e suco grátis, de uva ou morango, aceitam-se passes. Uma névoa fina cobre a cidade. Uma cantoria tomava fôlego e o Brás e o Tulinho se abraçaram e começaram a chorar.


Plantar verduras pode ser um grande negócio. O cinturão verde é próximo da capital e pode-se vender um pouco mais no verão. Um passarinho pia. Um carro buzina, quase atropelou Marquinho. Lucinha escorregou e todos riram. Algumas conversas desconexas.

A cidade, um imenso guarda chuva com cabo ornado com ouro.

sábado, 5 de abril de 2008

Zas que zastras também


Quem ouviu o tamborim?
Digo isto prá repetir depois
Quem ouviu o tamborim?
Sim, o tamborim tamborila
Meus ouvidos num baticum lelê
Minhas cadeiras sempre descadeirar
Quem ouviu o tamborim?
Digo isto prá repetir depois
Quem ouviu o tamborim?
Viva! Viva o tamborim. Toque, toque tambarim
Quem ouviu, hein?
2003.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Outra, dos xodós.

Original, no Bolonistas:

http://osbolonistas.zip.net/arch2007-04-01_2007-04-30.html#2007_04-16_23_32_29-2402205-25

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Bolonistas céticos e os outros...


Todos reconhecem a grandiosidade das histórias de botecos. De certa forma e modo, as pequenas delícias do chope só se completam com as belezas das histórias anônimas, contadas e percebidas na mesa ao lado. Quem nunca "pescoçou" uma conversa alheia em boteco mente. Todos mentimos.

Lá pelas tantas era tão nítida a pérola que me pareciam os detalhes mais um filme do que novela, mais verdade que mentira, mais sóbria do que ébria. Os fatos relatados eram de amor febril e contrariado. Poucas vezes vi um silêncio tão grande entre as mesas do Bella Rubia. Repentinamente todos auscultavam a pérola. Alguns tinham lágrimas.

Tudo começou, sempre há um começo, numa dessas tardes sem compromisso que acabam por acabar em uma mesa, alguns copos e alguns acepipes. Pelo que notei, era um viúvo. Tinha lá os seus sessenta, menos que setenta. Era um homem de renome, mas desencantado. Os relatos davam conta de ser um dos poucos torcedores da Portuguesa de Desportos e pelo que eu entendi da conversa tinha nome de craque, Heleno. Para quem não sabe Heleno de Freitas fora um genial jogador do Botafogo. Mas um jogador de temperamento para lá de cascudo, um encrenqueiro de marca, um namorador de acabar casamentos alheios, um azougue. Heleno era na viuvez a sobriedade, mas era a tristeza em pessoa.

E naquela tarde entre copos surge uma moça no bar, dessas de dezessete. Linda, atraente, de óculos. Com uma justa e bela camiseta da Lusa. O que era impossível aconteceu e ambos acabaram a noite tagarelando sobre a Portuguesa. O entusiasmo da bela e o conhecimento dela sobre Djalma Santos, Julinho Botelho, Brandãozinho, Enéas, Jair, Wilsinho, Edu Marangon, Rodrigo Fabri, o fantástico Dener, Candinho despertaram os olhos cansados e céticos daquele senhor que pensara seriamente que nunca mais conheceria ninguém com menos de trinta anos torcendo pelo clube do Canindé.

E foi tanto assunto que Heleno se sentiu tentado a fazer o convite: "Lusa e Bandeirante de Birigüi, amanhã. Na tribuna, sou sócio." E ela topou no ato, mas fez reparo: "Vou. Mas de arquibancada, pois não sei ver o jogo sem o fado". Ouvindo o relato imaginei o sorriso da moça, deslumbrante, daqueles de parar o trem, gelar a arquibancada, domar a multidão. E senti que Heleno estaria em apuros.

E depois de Bandeirante tivemos o Rio Preto, o Mirassol, o Comercial e o Nacional, na Comendador Souza. E foi num amistoso contra o algum time grande qualquer, sentados pela primeira vez em cadeiras numeradas, que ouviram o primeiro sinal de alerta: "Vovô deixa a menina com a gente!".

Era inevitável que conversas sobre a Lusa resultassem em outros assuntos. Descobriram uma afinidade política incomum, ambos ainda eram socialistas, seja lá o que isso queira dizer. Eram terminantemente contrários à pena de morte, favoráveis à descriminalização do aborto e achavam uma tolice manter na ilegalidade a maconha e o jogo do bicho. Enquanto ela descia a lenha no Governo Lula, Heleno ainda acreditava em Papai Noel. Ela gostava da Pitty: "Te vejo sonhando e isso dá medo, perdido num mundo que não dá para entrar/Você está saindo da minha vida e parece que vai demorar.." Ele, de Vinícius e de Tom: "Porque tu foste para mim, meu amor, como um dia de sol".

E cada vez mais eram incomodados por comentários pérfidos sobre idade, sobre remédios para os homens trabalharem, sutis hipocrisias e galhofas. Mas nada parecia incomodar de fato, pois sempre havia a lembrança daquele golaço do Dener.

Mas sempre há os dias de luto. Numa tarde fria, ouvindo Amália Rodrigues, ele desistiu de tentar ser feliz, numa argumentação covarde, mas cheia de heroísmo romântico: "Não dá mais para nós. Amanhã você presta vestibular...". Ela não acreditou, mas infelizmente não reclamou, não argumentou, não tentou, sequer chorou. E desistiu também.

O silêncio no Bella era sepulcral. Alguém lembrou que a Portuguesa jogaria a partida decisiva no domingo. Mas, sinceramente, de que adiantaria?

2004.abril.16

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Circular para o Centro





"Até quando?" A voz de Raimundo parecia ecoar no sertão. Seu filho de oito anos, Washington, acabara de morrer de inanição. A ração que sua mãe houvera conseguido junto aos Ferreira fora insuficiente. "Até quando?"

Agildo era um típico coronel, dono de um mundão, como ele mesmo dizia, de hectares de terra, na Paraíba e em Pernambuco. "Até quando esses malditos vão continuar molestando minhas terras?" A voz do coronel repetia uma pergunta antiga. O padre Saulo não se intimidara com os acontecimentos. "Eu em que avisei!"

Padre Saulo, moço idealista. Diziam pelo sertão e pelo agreste que ele era comunista. A comunidade de São Francisco das Graças o tinha como protetor, um homem que lutava contra as agonias da seca e a desgraça da fome. "Até quando, Senhor?" A trêmula voz do padre parecia uma sina. Padre Saulo está se despedindo da aldeia, o bispo o nomeou para uma paróquia do sul do país. "Tenham fé!"

"O bispo representa um papel importante nessa relação que sustenta a estrutura social e política nordestina. Se por um lado, a influência, até carismática, de alguns padres contribuía para o questionamento da realidade da seca, a Igreja sempre auxiliou na manutenção de um esquema de poder no país." A aula de história do professor Carlos era assistida sob os olhinhos excitados de Paulo e Fernanda. Carlos falava com entusiasmo, mas falava de um Brasil não tão conhecido pelos alunos da classe média paulistana, matriculados naquela escola. "É preciso botar alguma coisa na cabecinha desses meninos, que os façam refletir sobre a realidade na qual nós vivemos."

Paulo chegou em casa e comenta na mesa do jantar que o professor Carlos fora demitido, seu pai dá de ombros, não gostava muito dos métodos do professor.

"Eu desconfiava que isso ia acontecer".

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Silêncios...



Poema muito antigo... Já estava na faculdade. Gosto. E desgosto. Sei lá...


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viagem na revolução dos homens



I.

o grito é surdo, é dor
inaudível o grito doí, corrói
arde o íntimo, destrói
o gosto é amargo, mau sabor
o paladar desgosta, é ruim
e o homem amedrontado vê o final. Vê o fim
ódio ao que vê, repúdio ao seu odor.


hipocrisia invade as narinas
o cheiro fétido desorienta
homem desmaia, desiste
há coragem em ruínas
pálido o corpo se apresenta
e a hipocrisia manda, insiste
destruição...
corrosão...corrupção.

o frio é intenso, as roupas não o são
esperança hemorrágica
a fome é farta, a comida não
ácida, a desilusão queima
o saber é fácil, e as escolas ...
imoral, perplexidade metafórica
o homem é humano, suas atitudes é que duvidam.

doença fetal, fatal, final.
o credo é limpo. E as igrejas são ?
coisas, objetos e como mensurar a farsa que somos nós?
o sonho é belo. E o acordar ?
intocável moral. vazia e amoral
destruído, corroído, corrompido






II.

o grito não é surdo, distante
homens nus quebram espelhos
a falsa imagem arde, reflexos que mentem
revolucionários entendem o grito
a moral apodrece suas instituições dementes

VOZES ESPLENDOROSAS, VIVA O INAUDITO!


doente impassível, inaudível
finge ter suas posses
imprestável imagem, irreparável
revolucionários e suas vozes
passos fortes, decididos por um caminho favorável
revolução caminha, incontestável
sem traumas ou credos. Simples e Memorável!



III.

cuidado com o insano, com os homens
o dono do hospital não atenderá o doente
impassível
inaudível, inassistível
o dono da fábrica fabricará seu ácido
desilusão neutralizada voltará a queimar
revolução passará, gritará
doente surdo, mudo, cego não vai perceber, ou entender


Aos revolucionários restarão as rosas
o horrível cheiro da hipocrisia
a insanidade na desilusão
o amargo gosto
decepção


Aos gritos prevalecerá a surdez
um resto de esperança hemorrágica
pequeno florescer de rosas


A primavera e talvez um dia de vitória


1991.janeiro.07

terça-feira, 1 de abril de 2008

Dias quentes de verão




Confissões VIII – Olfato....



As pequenas descobertas são as melhores. Ainda mais se percebemos que as pequenas são sempre grandes descobertas. Percebemos nas pequenas a imensidão de possibilidades destinadas aos grandes eventos.


Na correria da paternidade descobrimos pequenas, e deliciosas, coisas. Meus primeiros dias foram muito agitados. Uma agitação eufórica. A mãe precisa de muitos cuidados nos primeiros dias. Precisa de carinhos e de afagos. O pequeno vai descobrindo na mãe pequenas coisas importantes para a vida dele. E o pai vai descobrindo, com a mãe, que há muitas tarefas no dia a dia de uma casa.


Cheguei em casa depois de uma dessas correrias. O pequeno chorava e era evidente que precisava de colo. E que coisa é este pequeno.....
No colo ele começa a grunhir. Vira o rosto para um lado e para o outro. E faz cara feia. E cerra os olhos. E grunhi... e vira o rosto novamente. E remexe o corpo, evidentemente, um estranhamento. Seria o pai um ser absolutamente estranho? Seria o colo do pai, que momentos antes servira de cama, um colo absurdo? Meu cérebro quase entra em pane. “Meu filho não me quer mais!!!!”


O fato é que o moço não parava quieto e desandou a chorar. O que estava acontecendo?


Agora, imaginemos o calor de fevereiro. Imaginemos, também, este calor e um supermercado. Imaginemos os esforços para carregar pacotes, carregar pilhas de coisas compradas e imaginemos os esforços empreendidos em tal jornada. O calor, as coisas, o esforço físico. Suor. Transpiração. E uma camiseta inexoravelmente fadada ao mau odor. Ou um odor esquisito. Eureca!!!!


Deixei o prantear do menino com a mãe, que estava atônita, sai correndo pelos cômodos do apartamento e coloquei uma camisa nova. Supimpa... vestimenta nova e o colo do pai voltou a ser um bom local, um porto seguro. E o menino dormiu, gostosamente, no colo paterno. Para a tranqüilidade da mãe e felicidade total do pai.


Mas o pai escondeu a historieta toda, escondeu as conclusões quanto ao odor e escondeu as reflexões que levaram a tais conclusões, temendo uma reprimenda materna: “Mas você não trocou de roupa????”


Alguns dias depois, muitas camisetas depois.... uma noitada de choro. Altos volumes e o menino incapaz de dizer o que estava sentindo. Era fome, pelo menos era o horário da fome. Madrugada. Mas a mãe não conseguia fazer o menino acalmar e, muito menos, amamentar. Retorcendo o corpo, vermelho como uma pequena bola de fogo, o pequeno resmungava e chorava.


Imaginemos um casal em uma grande cidade brasileira, numa madrugada quente de fevereiro. Imaginemos um casal novato em sua prole. Imaginemos, agora, que, até aquela madrugada, todas as vezes que fora instado a amamentar o nenê desse verdadeiras e vorazes demonstrações de apetite. A madrugada, a novidade e o chorar. Ainda mais fevereiro e o calor intenso. Calor, as coisas, o esforço físico. Eureca.....


“Mãe, porquê você não deixa ele aqui comigo e vai tomar um banhinho para acalmar....?”


Sugeri, um pouco assustado, tal medida, observando que a face da mãe estava assustada.


Batata! No retorno da mãe, banho tomado, o pequeno sugou, sugou e até cansou. Parou de chorar, dormiu e voltamos ao lar das maravilhas. Incrédula, a mãe me pergunta: “O que te deu na cabeça para pedir pra que eu tomasse banho?”. “O calor, mãe. O calor.... esse menino é muito exigente.”


Pequenas descobertas, grandes possibilidades.

2004.