sábado, 31 de dezembro de 2011

E que venham os próximos!

Sinceramente, não sei.


Que começa um ano novo, reconheço o calendário.


Mas esse papo de tudo de bom, novo, recomeço, nova chance, oportunidades e eteceteras, não sei.

Saúde, que é assim que devemos começar qualquer desejo de gostar.

Mas que a saúde também não nos seja tão cara, custosa, paga. Porque, afinal, cansamos de sermos idiotas.

Cansamos? É... não sei. Tenho cá dúvidas infindas. Algumas cruéis, sobre nossa idiotia.

Mas desejo, sim, saúde: E principalmente daquela que nos faz querer acordar de manhã.

O melhor dos desejos é este: querer acordar de manhã. E ter porquês.

Fé? Sim, fé que as pessoas possam ser realmente gente. Iluminadas, irresignadas, famintas por vida e não por sucesso, desejosas de paixão e não de conveniências, querentes por gostar e não por posses. E, sobretudo, fé que a luta vale cada dia. E sonho.


Sinceramente, é isso. E muito mais: Amor, paixão, sexo, saúde, vinho e um pouco de sorriso farto, lágrimas e pudim de leite.


Que o nosso time seja campeão. Que o abraço seja nossa moeda. Que as nossas crianças joguem bola descalços, no parque e, sobretudo, na nossa alma. Que cada sonho.... Bom, que cada sonho tenha seu tempo, gosto, sabor, aroma e cor. E que se forem para serem reais, que sejam.


Vou lá, então.


Sinceramente, não sei. Mas, então, que valha a pena.





quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Diálogos e um só

Outro da série "Cotovelos".



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Acorda. Já está tarde. O despertador já tocou. Não vai dar tempo de fazer a barba. Acorda. Levanta.


Sim, acabou. Ela não está. Provavelmente não haverá o café a te esperar na cozinha. Nem café nem nada: pia, louça, área de serviço, sala, quarto, banheiro, sabonete novo. Acorda, levanta, vai. Que ela não aguentava mais e se foi. Mas você tem que ir trabalhar, tem contas para pagar, tem que passar no supermercado e comprar água, ao menos, água. Não. Ela não ficou de fazer isso antes de ir. Ela esta absolutamente cansada, esgotada, moída e derrotada. Levanta, acorda, vai, sai da cama. Ninguém vai te ver chorar. Fique tranquilo, ela também não. Mas ela chorou. Chorou até não poder mais e se foi. Acorda, já está tarde, levanta, sai da cama, vai.... vai....



Não adianta não atender ao telefone. Deve ser alguém do trabalho. Afinal, você não está só atrasado. Você está aí, nesta cama, prostrado, cheirando azedo e com cara de quem brigou na rua. Deve ser alguém querendo saber o que aconteceu para você ter faltado. Pode, sim, ser o seu amigo do trabalho. Amigo, colega, sei lá. Acorda. Atende. O telefone irá tocar até você atender. Ou se não atender, vão ligar de novo. Se for ela? Evidentemente que se for ela ia ser patético você atender assim, com esta voz de caverna, a esta hora da manhã, sem almoço e pedindo pena, dó, piedade. Sim, eu também tenho nojo. Acorda, já está tarde, levanta, sai da cama, vai... vai... ao menos um banho. Um só... vai...



Sim. Não é errado. É que já é noite. E você ficou aí o dia todo. Infesta. Ela, meu caro, não tem mais a chave. Jogou na sua cara, ontem, depois daquela sua súplica ridícula de que queria tentar outra vez, ser igualzinho o cara por quem ela se apaixonou, cuidar dela, ter carinho, escovar os dentes, arrumar a casa, tratar da hipoteca, arrumar os sapatos e dizer te amo. Levanta, sai da cama, o dia já foi, tudo se foi. Se foi. Foi.


E, de fato, antes de ir ela lhe tinha aprumado um último cuidado, ou carinho, ou saudade ou a última das discussões: o sabonete, ainda na caixa.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Dos remédios amargos...


E seguem os textos da série "Cotovelos".

Este, evidentemente, coletado de impressões da rotina de finais de caso que acabam num escritório de advocacia (sim, além deste mercadinho, na vida lá fora sou "advogado"). Escrito como se fosse ela. Mas cabível, absolutamente cabível, se fosse ele.


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Te odeio por mexer nas tuas cousas e encontrar o telefone dela.


Te odeio por futucar teus papéis e encontrar os poemas que eram dela e não meus.


Te odeio com ódio de tudo por checar seu celular e encontrar o telefone dela, ali e mil ligações.


Te odeio, mesmo, por não dizer que era um engano, que era uma aventura, que era uma coisa a toa.


Te odeio por tudo isso. E por odiar este ódio todo, te odeio.


Mas te odeio ainda mais por ela ser especial para você.


E esse ódio vai aumentando a cada certeza que ela te faz feliz e que ela sorri para você.


E o ódio nas vísceras todas vai me dizimando ao perceber que ela não sabe que eu existo.


E te odeio por isso, nem isso, que nem isso eu tenho dela.


Me prometa uma única coisa: Diga para ela que eu existo e faça ela sentir ódio de mim.


E se ela dar de ombros... essas odiosas moças equilibradas, diga que eu te odeio em cada vírgula.


E se ainda assim eu te odiar ao ponto de te odiar mais um pouco, me tenha ódio. Ao menos isso.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Das mentiras que preciso ouvir

Como disse no texto anterior à este, espalhados em algumas anotações estão notas sobre "dores de cotovelo". Vou tentar, aos poucos, publicar.


O texto fica febril, arde. A paixão vira ódio, em segundos poucos. Escrever sobre as pequenas tragédias, os nossos "fim de mundo", costumam render boas cousas, creio. Mesmo que o cotovelo esteja são.

Aqui, então o "Cotovelos, II".


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Vim ensaiando discurso. Palavra por palavra, gestos, jeito de falar e todos os eteceteras e tais.


Mas, porra, cacete, putaquepariu. Hoje, não! Hoje eu não quero verdades. Deixe que o tempo desvele o que eu já sei. Não diga o dia, a hora, o minuto, o local, a gravata que eu vestia quando, de súbito, tudo acabou.
Não me diga sobre nosso sexo ter deixado de ser diversão, encantamento, descobrimento para ser rotina, jogo para cumprir tabela e cartão de ponto. Não me diga dos ciúmes, das reciprocidades magoadas, das incongruências de discurso, prática e das plantas que deixei, deixou, deixamos de regar. Aliás, odeio essa comparação entre regar plantas e regar sexos, ou paixões, sei lá.


Hoje não quero verdades. Não quero espetáculos, também. Se tens outro, não diga nem que sim e muito menos que não. Tente evitar comiserações mas não faça deste pé na bunda um retumbante “eu não gosto mais de você”. Se me amou, e desconfio que sim, não diga que desamou ou que “ainda ama, mas não dá mais”. Diga, apenas. Para que eu saiba e que, embora na dúvida, não fique embriagado de verdades. As verdades, estas que a gente pede sempre, são boas da boca pra fora, da boca pra dentro, da boca para a boca. Mas quando são assim, são só melancolias ríspidas e azedas, antecipações daquilo que o tempo, e só ele, pode reconhecer, reconduzir, refazer, rever e uma outra porção de verbos todos de fim e de começo.


Que a paixão acabou, até eu, que não quero verdades, sei. Não insista. Mas ao menos lembre que foi bom, foi do caralho, foi o que foi, fomos, fui, foste. Mas faça isso sem deixar esperanças. Estas devem morrer, antes das verdades.


Minta. Mas não se omita. Hoje eu não quero verdades. Só quero que acabe logo. Só isso.



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Cotovelos

Este é um dos primeiros textos de uma série: Cotovelos.

Tem alguns espalhados nos caderninhos de anotações, divagações, contas penduradas e afins. Aos poucos, os recupero.

Uma polida aqui e outra ali.

Devia ter uma canção ao fundo, que ainda não escolhi.

Mas cá está, já exposta no balcão desta mercearia.

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E ela?


Bom, ela se foi. Acordou, fez a mochila e se foi.


Tinha calcinha, sutiã, calça, camiseta e um vestidinho de alça, tão lindo.


E foi tudo, na mala.


Levou também meus possessivos todos: minha, nossa, teu.


E ela? Bom, ela se foi. E quando acordei, só o travesseiro.


E aquele perfume. E aquele pijama que eu lhe emprestei.


E ele?


Bom, ele está a olhar para o teto. Acordou, entendeu e está lá.


Olhar ao nada. Olhar ao lado vazio. Olhar para dentro. Olhar, de olhos fechados.


Tinha raiva, lembrança, saudade e umas memórias, algumas tão lindas...


Daquilo, tudo ficou. Só os possessivos ficaram indefinidos.


Aquele perfume? Não sabe.


Mas o pijama... outra usará.


sem data. no caderno, o azul.



domingo, 4 de dezembro de 2011

Ao Doutor


"Faço uma promessa: Se a emenda das Diretas passar, não vou para a Itália e fico jogando no Brasil."



Puta dia triste. No meu Estrelão, sempre um espaço para gastar nostalgias, saudades, tristezas, alegrias, memórias, criancices, narrar jogos sozinho, gritar euforias de time, ser torcida e arquibancada, um refletor desligou. E um baita refletor. Daqueles que só de lembrar, da luz, da cor, da felicidade, dói tudo nas entranhas. O melhor do futebol é aquilo que guardamos de criança. E é sempre ruim, muito ruim, quando um pedaço deste infante se vai. Já não existe Papai Noel, já não existe mundo colorido, já não há andar descalço... e agora acabou-se 1982, acabou a única copa do mundo de futebol que, de fato, existiu.


Sócrates era corintiano. Era brasileiro. Era uma sumidade. Mas era palpável, próximo, do caderno de anotações. Era incongruente como nós, falava de política com os mesmos desatinos, acertos, erros miseráveis, sonhos e a doce utopia, a única que nos faz realmente gente, de querer um mundo diferente, menos macambúzio, menos marquetinque, menos comércio, mais papo de bar, mesa de ferro, futebol de botão. Sócrates não se acomodava na política do possível e por isso Sócrates nunca engoliu 94. Porque 94 é vitória, conquista, maravilha. Mas é a política do possível, é o governo sem reforma agrária, a inexpugnável vitória da real politik, da arena multiuso, da arquibancada com cadeirinha de espuma para a bunda.


1982 acabou. Zoff não vai mais me acordar durante o pesadelo. A cabeçada de Oscar no final do jogo nunca mais vai passar a linha. José Silvério nunca mais gritará “é campeão”. Zico nunca mais terá a chance de cobrar a penalidade que Gentile fez, a camisa do galinho nunca mais será remendada. Serginho não dará uns safanões naqueles italianos de ternos armani. Paolo Rossi não será alvejado por uma bazuca quântica de oito mil polegadas. Mestre Telê nunca mais fará a coletiva ao lado da taça FIFA, talvez a taça que mais bonita ficasse na sua coleção. 1982 ficará naquele gol espetacular, mágico, inenarrável, estupidamente soberbo do Doutor contra o maldito Dino Zoff, onde a pelota foi entrar cantinho da meta, no único lugar do mundo que deus pode ajudar.


Que os Deuses, na peleja de hoje a tarde, coloquem o Sócrates no time dos sonhos. É dele a braçadeira. É nossa a saudade. Que o Corínthians de hoje jogue por ele, menos pelo título, menos pelo campeonato, que o time do povo, sem demagogia alguma, possa, ao menos hoje, ser o time do povo. Sem o possível. De coisas possíveis estamos todos com o saco repleto, absolutamente farto.


Sócrates, peço benção Doutor. Te cuida.

11. dezembro, 04.

Texto também publicado n'OsBolonistas:

http://osbolonistas.zip.net/arch2011-12-01_2011-12-31.html#2011_12-04_13_18_42-2402205-25

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Trio de Ferro

Os que passeiam por aqui, sabem: futebol cá é cousa séria, de paixão.

A mercearia tem time, sim. Aqui nesta casa de víveres, somos tricolores, sãopaulinos. Nas estantes e pendurados pelas paredes, temos os times, as histórias, as fotos desta paixão. Aqui o Zé Sérgio, o grande José Sérgio Presti, o melhor ponteiro esquerdo de todos os tempos, nunca vai precisar pagar conta.

Mas nem por isso. O Corínthians e o Palmeiras, nossos inimigos figadais, tem lá seus pequenos recortes. Depois a casa oferece um boldo, fiquem tranquilos.

Escrevi para o blogue de futebol que mantemos, eu e mais dez camaradas, dois textos para os aniversários do Palestra e do Timão. E gostei dos textos. São textos da série "Bolonistas e outras histórias", em que tenho tentado mostrar historietas de torcedores e de suas paixões pela bola jogada com os pés.

Trago os dois textos para cá, então.

Espero que gostem... Podem se "aprochegar".


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Nunca morre, nunca da silva!


Era Neco. Não era diminutivo, apelido, nome de guerra. Era assim, de batismo. Nascera Neco. Nenhum outro nome seria possível, descobriram depois. Da vida, levara tudo muito a sério. Tanto é que o coração parou de funcionar duas vezes, em 77 e em 90, e ainda assim, sobreviveu. “São prolapsos”, dizia para horror dos amigos, esposas e filhos, “mas eu sou forte, sou protegido por santo”. E ria, fazendo uma imitação tosca de alguém cravando uma lança num animal feroz, estilo dragão ou cousa que o valha.



Neco acordava cedo, quase todos os dias. Só aos sábados se permitia algum luxo. Algo como nove da manhã, no máximo. E todos os dias mantinha rotinas: escova, mão esquerda, e o dentifrício, mão direita. Quando o esculhambavam dizendo que era um “homem de manias” reagia com calma, mas com a firmeza dos convictos: “são fidelidades, meu caro, fidelidades.”



Trabalhava feito cão. E mesmo depois da aposentadoria, e dos ataques cardíacos, manteve-se laborando e laborando. Depois que se aposentou das máquinas, foi dar aulas num curso técnico. E depois, ainda, foi do sindicato, militou clandestinamente contra o governo militar, participou de movimento contra o preço dos alimentos, contra a tarifa de ônibus e era sempre o primeiro a votar. O Neco levava a colinha e quase sempre contagiava alguém a votar nos candidatos dele, até quando se desencantou da política.



E tinha uma conta no bar, que nunca deixou de pagar. Mesmo quando desempregado por causa daquela greve. Jogava dominó nas manhãs de domingo e quase sempre jogava conversa fora com qualquer um. Só não gostava de gente que não olhava nos olhos dele enquanto conversavam. E sempre, todas às vezes, dizia bom dia ao chegar e boa tarde, ao ir embora.



E foi lá no boteco de sempre, num domingo que o Neco não apareceu, que soube que ele tinha morrido. Quem contou foi o neto, o Basílio. E todo mundo concordou que o Neco nunca ia de morrer, ia ficar com a gente, sempre. Erguemos nossos americanos e o brinde foi daqueles, com lágrimas e limão no dedos: “O Neco foi sempre fiel. Por quais diabos vai deixar a gente agora?”. E na televisão ligada, com bombril na antena, ia começar o jogo...



2011. setembro, 01.


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A casa na vila já tem 97 anos...







Noutro dia passei pela vila. E é engraçado, os barulhos são quase sempre os mesmos, uma nostalgia daquelas. Ouvia-se, evidentemente, o jogo de domingo, radião colocado no muro, num baita volume...





Naquela casa era assim: gente falando alto, gente gesticulando para falar, gente falando pelos cotovelos, gente, gentes. Aquele cheiro de alho refogado, que perfumava a casa toda, a vila toda, a vida toda. Era de lá que vinham os melhores cheiros de comida e a molecada da rua saía no tapa, aos domingos, para poder receber um convite do Ademir para almoçar na casa dele. A razão? Domingo tinha o macarrão, molho bolonhesa e salve se quem puder.





Era uma casa grande. Todo mundo católico, todo mundo rezava. Mas ninguém negava por lá que todo mundo pecava, um dia. E era lá na casa da mãe da Chinesinha, que apesar de italiana até a medula tinha este apelido, que as pessoas iam procuram conforto: e contavam as pequenas traições, os pequenos delitos, os pequenos deslizes. E sabe a razão? Por que lá tinha sempre um vermute para depois do choro e até das broncas. A mãe do Dudu e do Ademar era gente bona, boníssima. E tinha lindos cabelos negros e uma cara de Sophia Loren que fazia a molecada morrer, em pecado muitas vezes.





E tudo lá parecia ser mais apaixonado. A mãe amava o pai, apesar de gritar com ele algumas vezes e todo mundo gargalhar escondido. Amava os meninos e a menina, abraçava de deixar a gurizada toda envergonhada. Fofocavam, sim. Mas depois riam e esqueciam de tudo. Normalmente por causa de um molho vermelho, que deixava a rua da vila daqueles jeitos que eu já contei.





Noutro dia passei pela vila e aquela Sophia Loren já é vó. E continua alegrona, sabe? Feliz da vida que os meninos dela, e a menina, viraram tudo uns moços. E ri feliz da vida. E me chamou num canto outro dia, me convidando para almoçar no domingo: “Ragatzo, vem almoçar aqui no domingo. Mas antes do jogo, né? Não quero saber de confusão! Já te contei que vou ter um neto? Um bambino!!! O nome dele vai ser Marcos.” E me deu uma piscadela, que quase soou uma bela duma tarantela.


2011. agosto, 26.








terça-feira, 26 de julho de 2011

Dos mais bonitos goles de placa...

Há tempos que não coloco aqui nesta mercearia as melhores histórias, as "Crônicas da Paternidade".

Hoje fui pesquisar lá nos "Os Bolonistas" textos antigos que ainda não publiquei aqui. A idéia inicial era encontrar algum dos textos em que mencionei o Mestre Telê, como forma de lembrar da data de aniversário deste mineiro de Itabirito. Telê Santana em 82, e depois como técnico do São Paulo Futebol Clube, é uma espécie de oráculo, de super herói, devoção.

Acabei encontrando, e escolhendo, este texto. Trata-se de mais uma narrativa da paternidade e de como os mestres, em especial o mestre Telê, nos ensinam....

Ao Telê, meus sinceros agradecimentos. Por todos os sorrisos. E pelas lágrimas também.

E espero que gostem do texto. Vamos ao causos...

Publicado originalmente aqui: http://osbolonistas.zip.net/arch2007-07-01_2007-07-31.html#2007_07-13_14_06_26-2402205-25

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Bolonistas de chuveiro...





Faz tempo que o debate sobre “futebol-arte” e “futebol de resultados” inunda as páginas dos periódicos, das circulares, dos colóquios, dos botecos e do mundo. Há argumentos, senhores. E muitos. Este tipo de debate, porém, esquece muitos meandros. Muitas particularidades. Ambigüidades.


Tem jogo que nós queremos vencer. E neste tipo de jogo não há como evitar torcer e jogar com o único objetivo de ganhar os três pontos. Neste tipo de contenda não há meio termo. O gol saiu sem querer? Mas saiu, nos convencemos.


Mas há jogos que queremos nos divertir, deliciar. São os melhores jogos, definitivamente. Sem traumas pelos outros jogos, mas nos jogos em que o objetivo é a mais pura diversão estamos próximos das nossas memórias mais gostosas, pequenas relíquias que demarcam nossa existência.


Profundo? Filosófico? Não sei bem. Mas sei, também, que o ápice é o jogo em que nos divertimos e que ao cabo, ganhamos. Uma sensação de leveza, de gosto, sabor e cheiro. Nesses jogos, meus caros, não há vírgula. Há o melhor de tudo. Da vida.


Escrevo este preâmbulo para descrever mais um jogo dos meus campeonatos. E que campeonato!!! Marco Antônio e Leonel, os dois craques da minha vida, são duas figuraças. Todo dia tem encanto, tem jogo. Tem vômito, é verdade. Dor de barriga. Choro. Mas tem risos, tem “papai”, tem brincar de carro pelo chão da sala. Tem abraço. Tem conversas em línguas que nós criamos. Tem futebol. Bola, caneta e chaves. Descobrimos que um pedaço de caixa de papelão pode ser brinquedo e marcamos goles e mais goles. E cada golaço que vou contar...


Um dos campeonatos mais interessantes, desde os primórdios, é o banho. Todos reconhecem a dramaticidade de dar banho em pequenos seres que acabam de começar a jogar e a torcer. Banho quente, escalda. E chora. Banho frio, tiritar. E choro, muito choro. Eles crescem e é pior. A banheira não serve mais. E o choro acaba sendo cada vez mais sombrio e irritante.


Marco Antônio começou a tomar banho em pé, no chuveiro. E odiava lavar a cabeça. Chorava. Pranteava. Transformava todo o ritual num drama mexicano, dos bons. Mas o que importava, no jogo, era acabar a tarefa. Banho tomado e o paizão sabia que mais uma partida acabara. Mas ficava aquele gostinho de querer o “futebol-arte”. O grande tinha até medo da sentença: “Banho com o papai.” Respondia, na lata: “Mas o papai lava o cabelo muito forte!!!”. Convenhamos, para a estima não era lá uma coisa muito boa de ouvir.


Enfim os jogos iam. Até um santo dia, quando Telê Santana cochichou ao meu ouvido: “Porque você não deixa ele passar o xampu no cabelo? Ele vai se sentir o mais importante, fazendo tarefa de adulto. E você, como quem não quer nada, ajuda, força aqui e ali.” Batata. Espeto. Golaço. O grande ficou tão feliz de lavar o cabelo “sozinho” que enxaguou a espuma, numa boa. Senti-me heróico, me senti um Cruiff, um Sócrates. Um Raí. E os jogos passaram a ser pura diversão, sempre com três pontos.


Mas e o pequeno? Leonel, que todos saibam, tem um temperamento “argentino”. É um milongueiro. E tem pulmões saudáveis. Quando chora acorda até as formigas que infestam a cozinha. Num átimo estão todas as formigas zanzando desnorteadas pela casa. Os jogos com ele e o pai, no banho, eram jogos árduos. Pelejas difíceis. Imaginem o quanto de lida, de disputa, de calor. Lembro de jogos em que eu fiquei ensopado, de suor, tentando domar o artilheiro. Mas, enfim, os três pontos vinham. Com muita choradeira, mas vinham.


Mas lá no fundo ainda queria um “banho-arte”. Bolonistas do mundo, relato: Foi espetacular. Simples e objetivo. Fazia tempo o Cilinho tinha me dado dica: “Põe ele para tomar banho em pé, no chuveiro.”. E num dia desses, cansado, querendo o mundo parar, a tarefa foi dada: “Banho no Leonel.” Lá fui, com ânimo, mas ressabiado. Entrei no chuveiro e resolvi: “Hoje, de pé”. Sentei no chão do box, abri a água e ele lá. Chorando, evidentemente. E uma luz, Cilinho, Telê e Autuori, juntos: “Marco Antônio, vem cá. Vamos tomar banho junto com o Lelê.” O grande chegou todo pimpão, brincando, chamando o irmão. “Não chora. Molha aqui, molha ali.” Trouxe brinquedos. O pequeno parou de chorar. Tomou um tombo, o chão escorregava. E riu. Passei o xampu e o coloquei embaixo da água. Um doce sorriso.


Soube, e foi muito bom, mas bom até o infinito, como se sentiu o Van Basten depois daquele gol contra a União Soviética...


07. julho, 13.


Vejam o banho, ou o gol de Van Basten: http://www.youtube.com/watch?v=uKq4LETMATA

sábado, 19 de março de 2011

Amarrações para o Amor: Pagamento mediante resultado

Enfim, texto novo.


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Um verdadeiro fuzuê, coletivo de fuzarca. Helicópteros da polícia e das redes de televisão e rádio sobrevoavam o pequeno sobrado na rua apinhada de gente: curiosos, policiais, jornalistas, urubus e toda sorte de traficantes, ladrões e criminosos variados, estes últimos à paisana. Dentro da casinha e de seus dois andares, o mundo de Gabriel, que muitos chamavam de anjo - outros o alcunharam de capeta.


Gabriel nasceu Frederico, mas virou Gabriel quando começou o roubar coisas maiores e mais valiosas que confeitos de supermercado ou frutas de Dona Iolanda, a dona da quitanda e amiga de infância de Nora, a mãe de Frederico. Gabriel, para ser anjo. Frederico era nome de batismo e virara Fred, Fredinho, Derico, Frê antes de vestir a carapuça de santo: "Para ser ladrão não posso aceitar diminutivos", disse para o pai quando foi preso pela primeira vez, com dezesseis anos, oito meses e vinte e três dias.


De criança, guardava boas memórias. A bicicleta, a bola, os amigos inseperáveis João e Darismar, de ir ao jogos do São Paulo, de caminhar nas pracinhas do bairro, do escorregador, do sorvete de massa que a Tia Gula fazia. Da escola, da professora de ciências, das pernas da professora de ciências, de olhar o vestiário das meninas, de cantar Roberto Carlos, José Augusto, Benito de Paula e "Feelings" do Morris Albert. E muitos lembravam com carinho do rapazola forte, educado, bom de papo, riso fácil, o afeto dos irmãos, companheiro do pai nas rodas de dominó e que carregava as sacolas de feira de Dona Nora. Do catecismo, da devoção ao pai nosso e ao espírito santo. Das amoras e jaboticabas furtadas em jogos infantis do jardim da escola. "Rapaz de bem", concordavam o Padre Valter e o Demerval Oliva, o eterno diretor da escola estadual do bairro.


E Frederico era assim. Mas Gabriel, não. Gabriel era da pá virada. Começou flertando com um chocolate aqui, outro ali, pequenos furtos inconsequentes das gôndolas do mercado chique da avenida. E eram chocolates para dar de presente para Gaia, a filha de Dona Iolanda, tão acostumada a ver o menino sair sem pagar pelas maçãs, cebolas - sim, ele comia cebolas cruas - e outras frutas da quitandinha da família. Mas Gaia era tão linda que o mundo parava para ela voar. Desde o primeiro dia que ele colocou os olhos na menina, uma quarta feira chuvosa, uma carambola.


Depois dos chocolates, flores. O danado passou a furtar - ressaltando sempre que ainda não tinha escopeta ou a "Rita", tão famosas - flores para galantear a pequena, a pequena musa da sua vida. Mas a paixão por Gaia era uma maluqice na vida dele porque ela não queria nada com Frederico. Nadinha de nada. Muito embora, secretamente, ela gostasse de Gabriel. Muito, enlouquecidamente, perdidamente.


Gabriel ganhou o mundo. Não mais por causa de Gaia. Por causa, sim, dos casacos de grife, dos tênis descolados, da TV gigante, do rádio maravilhoso, da lanterna de dois tempos com luzes coloridas que se acendiam pelo calor do tato, dos vinhos frisantes, dos charutos, da casona para a mãe, do carrão para o pai, do papai noel da vila, das férias no Rio, das férias em Buenos Aires, das férias em Miami, das férias em... Gabriel virou o cão, o demônio, o maior ladrão do mundo. Naquele mundo era o Anjo Gabriel e todos esperavam sua benção. Ou seu ódio. Nestes casos era difícil se manter inteiro ou vivo. Gabriel não prestava.


Naquele dia tocou o telefone do Anjo. "Frederico?" "Não conheço ninguém com este nome." "Frederico, fique quieto e me escute. É Dona Iolanda. A menina vai casar e a gente não quer confusão, ok? Pelos bons tempos, por Nora, sua mãe.". Ele enlouqueceu após o telefone desligar. Pegou o revólver, a "Rita" e saiu dizendo para todo mundo que quisesse ouvir, amedontrando os demais, que tinha "algo a resolver". E saiu, apressado, aparentando fúria e desencanto.


E foi assim. Transtornado, entrou na salinha cheia de gente do sobradinho da antiga rua de infância. Era lá que Maria Santa lia cartas e fazia mapas astrais, desde o tempo em que ele andava descalço a caçar ratos pelados. Entrou e foi gritando, numa verdadeira bagunça de mesas viradas, cadeiras jogadas aos cantos: "Saiam todos!!!! Hoje sou eu que tenho que ser atendido!" E disparou para o alto, todos correndo numa algazarra genuína. Alguém chamou a polícia: "Sim. É ele. E está sozinho. E louco."


"Maria Santa, lê esse trem aí e me diz o que devo fazer! Por tudo que é mais sagrado, me diz aí o que devo fazer!!!" A santinha puxou a primeira carta, sem medo: "Frederico, senta e te acalma." A história acabou ali mesmo, como tinha que ser. E Gaia se casou, sem confusão - sem amor, mas sem culpa - dois dias depois do previsto, pois a família resolveu esperar pelas formalidades de estilo.


11. março, 19.


sábado, 5 de fevereiro de 2011

Onde ele está?




Outra vez a Niara de Oliveira, uma "tuitocamarada", propôs uma "blogagem coletiva".

Da primeira vez a proposta foi escrever algo para a campanha pelo fim da violência contra a mulher, como forma de contribuir na tuitosfera e na blogosfera para as ações do dia 25 de novembro. O resultado foi que esta quitanda aqui pode, ainda que discretamente, contribuir para um processo generoso, solidário e de reflexão, sobre um tema muito importante. Não se muda o mundo só com letras. Mas não se muda o mundo sem elas.


Desta vez a proposta é escrever algo sobre a campanha pela abertura dos arquivos da ditadura militar no Brasil. E este tema me é, particularmente, muito caro. Quando fui gestão no Centro Acadêmico XI de Agosto do Largo São Francisco, na primeira gestão do grupo "Rasgando o Verbo", das cousas que mais me orgulho na vida, em 1994, a ditadura completava 30 anos e nós resolvemos organizar uma semana de debates e intervenções que chamamos de "64 Nunca Mais". Na imprensa da época era comum os "democratas" de plantão dizerem que era importante contar os "dois lados" da história, reconhecendo os "avanços" na economia e etc. Para nós este discurso era uma ofensa. Ainda é. A ditadura e seus mecanismos sórdidos de manutenção já tinham contado sua versão do perigo vermelho e do "ame ou deixe-o". Era fundamental conhecer e dar voz ao outro lado, o lado dos que se opuseram, resistiram e lutaram.

Foi durante aquela semana de debates que conheci Amelinha Telles e Criméia. A Criméia foi entrevistada pela Niara e foi esta entrevista que deu origem a esta blogagem coletiva. A Amelinha, a Criméia, a Janaína, o César, o Ivan Seixas, todos familiares de desaparecidos políticos, me ensinaram que nunca este país vai poder ser soberano, independente, altivo, sem contar para todos a sua história. Sem reconhecer que o que houve no Brasil na ditadura militar não foi uma "guerra". O que ocorreu foi massacre, execução, assassinatos. A tortura é inaceitável. A tortura como método de estado é intolerável. A tortura é execrável, em qualquer situação. Levar alguém aos porões do estado, ao subterrâneo, ao lodo, não é enfrentar o "inimigo". Isto é perversão.

O texto que saiu foi este aqui. Este blogue é um local para crônicas, contos, poemas e algumas outras reflexões. Assim é que resolvi dar minha contribuição. É ficcional, antes que me perguntem quem é Mané. Mané somos todos nós.

Por fim, um grande beijo na Amelinha, na Criméia, no César, na Janaína, na Teresa Lajolo, na Mariluce Moura, na Elisa e na Tessa, no Ivan Seixas e em vários outros e outras camaradas. Foi uma das mais belas lições de vida que eu já tive. Obrigado.

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Onde ele está?



Desde aquela noite, fatídica e maldita noite, trinta de outubro de mil novecentos e setenta e um, vinte e três horas e vinte minutos, não há mais dia, nem tarde, nem dia, nem tarde. E a noite que dura, não tem lua, não tem fim. Levaram o Mané. Arrebentaram a porra da porta, chutaram tudo, derrubaram tudo, bateram em tudo. E levaram Mané.


Não era um carro de polícia. Era uma kombi. Nunca mais pude ver kombis. Nunca mais pude sentir o cheiro de colônia barata daquele filha da puta que esmurrou o João, antes de levarem o Mané. O canalha, o calhorda, o “machão”, desceu a porrada, mas tinha mais uns quatro gorilas com ele. Filha da Puta. E ria, ria nojentamente, escrotamente, despudoradamente. E o jeito que me olhou, o canalha podre...


Levaram o Mané e nunca me disseram para onde. Nunca mais vi Mané. Nunca mais soube dele. Minto, alguns depoimentos diziam que Mané esteve naquele prédio ali na General Osório. E que gritava muito. Mas só. Só este relato e nada mais. Incontáveis audiências, périplos de delegacia em delegacia, quartel em quartel. Audiências na Justiça Militar. Inquéritos, advogados, tapinhas nas costas, “vamos encontrá-lo” e nada. Levaram o Mané. E foi assim.


Mané era, sim, guerrilheiro. Tinha sonhos, defeitos, virtudes, cabelos pretos e olhos castanhos. Não tinha diploma, não tinha mais cédula de identidade válida. Comunista, amigo, solidário e tinha medo de voar. Por isso, ficou. Mas nem isso me deixam saber. Levaram Mané e daquela noite só guardo a tampa do refrigerante de limão que ele bebeu, na última refeição do pão com mortadela barata.


Me diziam, depois que era inevitável concluir que Mané não voltaria mais para mim, nem para lugar algum, que aquilo era uma guerra. Sempre achei que na guerra se trocassem tiros, os corpos eram recolhidos durante uma breve pausa, os corpos sepultados, para depois recomeçarem os tiros e as escaramuças. Sempre soube que em guerras há mortes, feridos e até corpos dilacerados, nunca mais recompostos. Mas de Mané, não sei nada. Até hoje ainda sonho, ele barbado, magro, sujo, mas entrando pela porta de casa. A mesma casa, porque de lá só me mudo quando Mané chegar, ainda que em letras miúdas de um papel amarelado, mofado, com traças.


Depois me diziam que era preciso mudar as coisas. E que mudando “as coisas” eles abririam os arquivos para que as famílias pudessem encontrar ossos, corpos, cinzas ou nada além da data certa, do fato inexorável e do ponto final. Mas as “coisas” mudaram, mudaram de novo e ainda assim aquela maldita noite não acaba, não há lua, nem janela, nem vento, nem nada. Levaram Mané.


Agora me dizem que Mané pode ter denunciado alguém, que torturado, machucado, violentado, pode ter dedurado algum colega. Ou, pior, que o João, que também apanhou naquele e em outros dias, foi quem tinha dado a informação dos paradeiros de Mané nos tempos em que Mané era Duílio. Como se fosse possível torturar outra vez, prolongar o choque, o pau de arara, o arame, as sevícias. Mas eu só quero Mané. Eu só quero acertar os ponteiros do relógio vermelho, ainda pendurado na parede da cozinha, para que meus outubros voltem a ter trinta e um dias... Só....

11. fevereiro, 05.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Desses jogos que não queríamos nunca ter que jogar...

Pensei muito se deveria ou não publicar este texto. É que os demônios da gente ficam zanzando, cutucando, demolindo.

Mas escrever é o único jeito que sei usar para falar de mim. E, as vezes, de me expor. Não gosto das perguntas, não gosto do falar.

Mas tem cousas que se a gente guarda só com a gente, não aguenta.

Enfim....

Obrigado a quem visita.

PS1 (pós postagem) - E um puta obrigado a quem está por aqui, e que tem aguentado os demônios também: Rêre, Du, Pi, Marisa, Dani e os meninos.

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Tá certo. É hora de escrever para exorcizar um pouco os fantasmas, literalmente. Afinal, já é fevereiro. Mas algum lugar da alma parou lá em dezembro, mais especificamente no dia 18 de dezembro.

Era um dia esquisito. Dos mais esquisitos destes anos todos. Minha mãe teve diagnosticado um câncer. E ia operar para extirpar o tumor. “Tudo relativamente simples” diziam os médicos. E, conversando com amigos aqui e ali, vários relatavam episódios similares e boas resoluções. Mas minha mãe estava assustada, com razão. E este assustado nos deixava apreensivos. Ela fez de tudo para que antes da operação lavrássemos uma procuração em nosso nome, para “eventualidade”. Confesso que sempre temo por estes rompantes de organização numa família que sempre foi mais para o macarrão de domingo na hora que der.


Pois bem, a operação se deu. “Tiramos tudo”. Se por um lado o relato do médico nos deixava confiantes, por outro, a perspectiva era de que seriam necessários “radio e quimioterapia”. É sempre um cacete ouvir estas coisas e manter o “otimismo” ou o “tá tudo bem”. Mas dentro do possível, era isso mesmo: O barco que navega.


A mãe teve uma estada no hospital, no pós-operatório, tumultuada. Para os filhos, tão acostumados com a mãe, era estranho vê-la tão frágil. Não que ela não estivesse frágil desde o
AVC do meu pai, em 2006. E ela cuida dele como não cuida dela, preocupada, atenta e, por vezes, monotematicamente. E exatamente por reconhecermos que ela estava cansada, extremamente triste e inconformada com que aconteceu e acontece com o meu pai, estávamos muito preocupados.


O fato é que ela saiu do hospital, a tempo de passar o ano novo conosco. Foi uma festa de Natal das mais tristes no ano que passou. A mãe no hospital e os filhos sem saber muito que fazer... Mas o tal “reveillon” estávamos todos juntos. Mas algo estava errado: Dona Maria Helena sentia dores e um mal estar, cansada e deprê, daquela depressão que nos consome, que nos tira força, o viço, à vontade.


O inevitável, ela voltou ao hospital. Em janeiro, dia 14. Diagnosticaram que era necessário puncionar excessos de líquidos no organismo. E o melhor nesses casos era uma internação na UTI.


Enfim, Maria Helena está lá desde então. Lutando. Talvez pela saúde debilitada, talvez pelo excesso de tristeza, talvez por tudo isso e mais um pouco, o fato é que se conspirou para um agravamento da situação: insuficiência pulmonar, coração sobrecarregado, infecções. E o quadro é grave.


Escrevo estas coisas, sem metáforas tão comuns em outros textos, porque este trem está a me embrutecer e a criar demônios, estes seres inquietos que nos nublam as idéias e as vontades.


Queria que minha mãe soubesse que toda a tristeza acumulada nesses anos todos não nos passou despercebida. E que nossa impotência está exatamente em reconhecer as razões do machucado e não ter idéia de onde começar a tratar. Mas que a Baixinha, a Moleca, a nossa mãe pudesse lutar mais um pouco e ganhar mais um jogo, para que tivéssemos a chance de enfrentar juntos esta tristeza, por mais que esta esteja treinada, preparada e atue no ataque. Nós temos algo, mãe, que a tal tristeza não tem. E, sobretudo temos tua valentia.


Vai lá, Baixinha, ganha essa.


Beijo, te amamos.