terça-feira, 26 de julho de 2011

Dos mais bonitos goles de placa...

Há tempos que não coloco aqui nesta mercearia as melhores histórias, as "Crônicas da Paternidade".

Hoje fui pesquisar lá nos "Os Bolonistas" textos antigos que ainda não publiquei aqui. A idéia inicial era encontrar algum dos textos em que mencionei o Mestre Telê, como forma de lembrar da data de aniversário deste mineiro de Itabirito. Telê Santana em 82, e depois como técnico do São Paulo Futebol Clube, é uma espécie de oráculo, de super herói, devoção.

Acabei encontrando, e escolhendo, este texto. Trata-se de mais uma narrativa da paternidade e de como os mestres, em especial o mestre Telê, nos ensinam....

Ao Telê, meus sinceros agradecimentos. Por todos os sorrisos. E pelas lágrimas também.

E espero que gostem do texto. Vamos ao causos...

Publicado originalmente aqui: http://osbolonistas.zip.net/arch2007-07-01_2007-07-31.html#2007_07-13_14_06_26-2402205-25

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Bolonistas de chuveiro...





Faz tempo que o debate sobre “futebol-arte” e “futebol de resultados” inunda as páginas dos periódicos, das circulares, dos colóquios, dos botecos e do mundo. Há argumentos, senhores. E muitos. Este tipo de debate, porém, esquece muitos meandros. Muitas particularidades. Ambigüidades.


Tem jogo que nós queremos vencer. E neste tipo de jogo não há como evitar torcer e jogar com o único objetivo de ganhar os três pontos. Neste tipo de contenda não há meio termo. O gol saiu sem querer? Mas saiu, nos convencemos.


Mas há jogos que queremos nos divertir, deliciar. São os melhores jogos, definitivamente. Sem traumas pelos outros jogos, mas nos jogos em que o objetivo é a mais pura diversão estamos próximos das nossas memórias mais gostosas, pequenas relíquias que demarcam nossa existência.


Profundo? Filosófico? Não sei bem. Mas sei, também, que o ápice é o jogo em que nos divertimos e que ao cabo, ganhamos. Uma sensação de leveza, de gosto, sabor e cheiro. Nesses jogos, meus caros, não há vírgula. Há o melhor de tudo. Da vida.


Escrevo este preâmbulo para descrever mais um jogo dos meus campeonatos. E que campeonato!!! Marco Antônio e Leonel, os dois craques da minha vida, são duas figuraças. Todo dia tem encanto, tem jogo. Tem vômito, é verdade. Dor de barriga. Choro. Mas tem risos, tem “papai”, tem brincar de carro pelo chão da sala. Tem abraço. Tem conversas em línguas que nós criamos. Tem futebol. Bola, caneta e chaves. Descobrimos que um pedaço de caixa de papelão pode ser brinquedo e marcamos goles e mais goles. E cada golaço que vou contar...


Um dos campeonatos mais interessantes, desde os primórdios, é o banho. Todos reconhecem a dramaticidade de dar banho em pequenos seres que acabam de começar a jogar e a torcer. Banho quente, escalda. E chora. Banho frio, tiritar. E choro, muito choro. Eles crescem e é pior. A banheira não serve mais. E o choro acaba sendo cada vez mais sombrio e irritante.


Marco Antônio começou a tomar banho em pé, no chuveiro. E odiava lavar a cabeça. Chorava. Pranteava. Transformava todo o ritual num drama mexicano, dos bons. Mas o que importava, no jogo, era acabar a tarefa. Banho tomado e o paizão sabia que mais uma partida acabara. Mas ficava aquele gostinho de querer o “futebol-arte”. O grande tinha até medo da sentença: “Banho com o papai.” Respondia, na lata: “Mas o papai lava o cabelo muito forte!!!”. Convenhamos, para a estima não era lá uma coisa muito boa de ouvir.


Enfim os jogos iam. Até um santo dia, quando Telê Santana cochichou ao meu ouvido: “Porque você não deixa ele passar o xampu no cabelo? Ele vai se sentir o mais importante, fazendo tarefa de adulto. E você, como quem não quer nada, ajuda, força aqui e ali.” Batata. Espeto. Golaço. O grande ficou tão feliz de lavar o cabelo “sozinho” que enxaguou a espuma, numa boa. Senti-me heróico, me senti um Cruiff, um Sócrates. Um Raí. E os jogos passaram a ser pura diversão, sempre com três pontos.


Mas e o pequeno? Leonel, que todos saibam, tem um temperamento “argentino”. É um milongueiro. E tem pulmões saudáveis. Quando chora acorda até as formigas que infestam a cozinha. Num átimo estão todas as formigas zanzando desnorteadas pela casa. Os jogos com ele e o pai, no banho, eram jogos árduos. Pelejas difíceis. Imaginem o quanto de lida, de disputa, de calor. Lembro de jogos em que eu fiquei ensopado, de suor, tentando domar o artilheiro. Mas, enfim, os três pontos vinham. Com muita choradeira, mas vinham.


Mas lá no fundo ainda queria um “banho-arte”. Bolonistas do mundo, relato: Foi espetacular. Simples e objetivo. Fazia tempo o Cilinho tinha me dado dica: “Põe ele para tomar banho em pé, no chuveiro.”. E num dia desses, cansado, querendo o mundo parar, a tarefa foi dada: “Banho no Leonel.” Lá fui, com ânimo, mas ressabiado. Entrei no chuveiro e resolvi: “Hoje, de pé”. Sentei no chão do box, abri a água e ele lá. Chorando, evidentemente. E uma luz, Cilinho, Telê e Autuori, juntos: “Marco Antônio, vem cá. Vamos tomar banho junto com o Lelê.” O grande chegou todo pimpão, brincando, chamando o irmão. “Não chora. Molha aqui, molha ali.” Trouxe brinquedos. O pequeno parou de chorar. Tomou um tombo, o chão escorregava. E riu. Passei o xampu e o coloquei embaixo da água. Um doce sorriso.


Soube, e foi muito bom, mas bom até o infinito, como se sentiu o Van Basten depois daquele gol contra a União Soviética...


07. julho, 13.


Vejam o banho, ou o gol de Van Basten: http://www.youtube.com/watch?v=uKq4LETMATA