quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Camisa Listrada




Um plano infalível. Combinaram tudo. Todos os pontos. Fulano entraria por uma porta no beco. Beco escuro, deserto, solitário. Beltrano esperaria no carro. Ciclano levaria a sacola. Tudo acertado, ensaiado e em exatos trinta minutos tudo estaria resolvido. Joalheria furtada e os três bem mais ricos e tranqüilos.

O grande dia. Evidente, uma ansiedade atroz os acompanhou. Um deles gaguejou ferozmente no almoço, tomado de um alvoroço na alma. Tinham planos: Aruba. E passagens compradas no cartão de crédito. A ante sala da felicidade, aqueles minutos que antecediam a ação.

Caminhando para a furgoneta, especialmente locada em nome de um quarto desavisado que ficaria com toda a culpa, em caso de meleca, um deles cravou os olhos nos jornais pendurados na banca de jornal. Pânico. A loja ficava nas cercanias do Municipal...

Era a final do torneio local. Um contingente absurdo de pessoas se locomovendo para o estádio. As ruas todas tomadas de carros enfileirados, estacionados em fila dupla. O plano infalível tinha um defeito. A data escolhida era a final do campeonato mais disputado dos últimos treze anos.

Tudo ruiu. Um castelo de cartas. Uma roda de dominós. No beco, carros estacionados e vendedores de sanduíches de pernil. Na frente da portinhola da loja de jóias um vendedor de camisetas utilizava a tramela como ponta de um varal, que servia de mostruário.

Beltrano sentira um ódio terrível. Várias temeridades passaram por sua mente insana e desqualificada. Fulano chorava lágrimas espessas, pensando na fatura do cartão de crédito. E Ciclano, ninguém nunca mais viu. Sumiu na multidão que subia pelo portão principal. Dizem, mas eu não acredito, que na comemoração do título se esbaldou e acordou com ressaca, na casa de uma viúva que era dona de uma loja de jóias. 

08. Janeiro, 31.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Driblou um, driblou dois, apontooou: Abraço!!!



Opa! 

Esse texto aí saiu do forno como encomenda para festa. 

E é, também, um quitute feito para alguns amigos.

Ao Celão, com quem dividi arquibancada comendo um sanduba de mortadela, o que hoje, infelizmente, é impensável. E ao Érico e o Seu Francisco, que fazem a cada jogo do Tricolor uma imensa mesa redonda, repleta de cousas que estão no texto.

Ao Ademar, meu camarada das antigas e parceiro de estádios deste antanho.

Ao Deco, ao Ogro, ao Yuri, ao Boldarini, ao Jubas, ao Rubens, a Alê, a Eva, ao Jorge, ao Bonilha: com eles faço uma imensa mesa redonda virtual sempre que posso durante os jogos do Tricolor.

Ao Marco e ao Leonel, sempre.

Ao meu pai, Seu Nilton, por aquele São Paulo e Juventus...

E a minha mãe, Dona Maria Helena, que se "sãopaulina" não era, ficou.

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Há tempos - e escrevendo, principalmente - descobri que as memórias não são meras anotações exatas, fotografias de cousas acontecidas na exatidão de uma linha reta. Há curvas. As memórias são antes de tudo narrações ficcionais com base em “acontecimentos acontecidos”, filmes que ao contar histórias reais reinventam o enredo, criam novas teias, afeto, sentimentos. As memórias são quase sempre retratos daquilo que ocorreu, com nuâncias do querer ou do não querer. O primeiro azedo não é só o sumo do limão. Nem o doce, que é sempre um pudim de leite furadinho nas memórias.



Esse intróito, breve licença, explica um pouco o que narro nestas linhas. Ontem, 23 de janeiro de 2013, memorável. Não tem sido um ano fácil... nem bem começou e um monte de cousa tem que ser resolvida, revolvida, reparada, restaurada, recomeçada. Muita preguiça, cansaço e até desânimo frente ao novo, que na verdade pode ser tanto o velho com uma roupinha contemporânea como pode, e aí incluímos desejo – e por isso a refrega com o ânimo é tão fundamental - ser uma pisada na Lua, uma viagem ao infinito, um gol de placa. Entre preocupações, diletantes ou não, surge a ideia: Libertadores da América.



Todos sabem que este é o único torneio de futebol de todo o universo que realmente importa, depois daqueles do Estrelão. Até mesmo os pássaros. E o São Paulo quer voltar ao trem, que descarrilhou duns tempos remotos para cá. E era jogo, quarta-feira, ainda férias dos meninos. Naquele horário belzebu das dez da noite. Comprei três ingressos: O pai, o Grande e o Pequeno.



“O que vocês acham de irmos ao jogo do São Paulo?”. A pergunta desencadeou comentários. “Pai, é a Libertadores, não é?”. “Pai, quero. É amanhã cedo?”. E por aí foram. Desde a Sulamericana que eles me pediam para ir ao jogo da “Libertadores”, porque apesar de ter prometido e de ter comprado ingressos para eles naquela ocasião uma sinusite monstruosa, agregada a febres e a recomendação expressa da pediatra, o que ocorreu foi que não ocorreu.



Na final da Sula foi uma muvuca do cão a entrada no estádio. Naquela confusão injustificável para entrar no Cícero até que me resignei em não ter levado os meninos. Foi um caos. E por isso, nesta empreitada nova, fiz planos de chegar bem cedo. Eram sete e quarenta da noite, ainda Sol, quando chegamos. O jogo? Só as dez...



Daqui há alguns anos estas cousas que escrevo, algumas, irão se perder. Outras não. Algumas eles, o Grande e o Pequeno, vão ler. Ah... meninos... foi uma noite belíssima. Sim, o jogo foi cinco a zero para o São Paulo. Jogamos bem, embora o outro time fosse fraco. E teve gol do capitão, o goleiro mais espetacular que já colocou os pés neste Planeta, chamado São Paulo Futebol Clube. Sim, meninos, a coincidência de termos ido a vários jogos no estádio, e no mundo de vocês estes vários não chegam a cinco, contra times que vestem azul e de nunca termos perdido estes jogos. Mas o que ficará na película das memórias do pai serão outras cousas...



O futebol é, antes de tudo, afeto. Quem não torce para algum time não sabe o que é isso e assim como desconhecer o amor, a manga que meleca a mão, o andar descalço na areia da praia, o torresmo, o sorriso, isso faz que a vida da gente seja um tantim menos. No meu caso seria um tantão, mas cada caso, já diriam os teóricos do Direito, é um caso. É antes de tudo a conversa de boteco, a azia quando o time perde, a tiração de sarro, a comédia, as simpatias, os abraços. São os comentários, a mesa redonda, os palavrões, a tristeza de um gol perdido e a certeza que somos o melhor time, independente de posição na tabela, porque ele é nosso.



“Pai, o time precisa de mais jogo aéreo”, frase do Grande quando o jogo estava dois a zero, dita com seriedade. E o Pequeno, que sem pestanejar, depois do gol, saiu a abraçar desconhecidos, gritando, eufórico, pulmão pleno. “Pai, vou ficar é rouco e é legal.”.



Na volta, mais de meia noite, três Amaral andando pela Jorge João Saad, mãos dadas, tagarelando cousas desconexas como os gols em profusão e o nervosismo do Luís Fabiano, o Lúcio que parecia um cavalo de tanto correr, o Rogério, as gentes, os cantos: O campeão, voltou.

13. janeiro, 24.