Todo mundo que tem
lá seus quarenta anos, um pouco mais ou pouco menos, assistiu ao
filme “Footloose”, na versão original com o Kevin Bacon. Deve,
aliás, ser o primeiro filme que vem a cabeça naquela brincadeira do
“Seis passos para Kevin Bacon”... O filme é fraquinho, mas tem
seus momentos, uma cena de dança memorável e um dos personagens
mais importantes para se entender o “homem moderno” de
Neandertal: o pai da “mocinha rebelde” do filme, interpretado
pelo John Lithgow (o hilário ET pai na série “3rd rock from the
sun”).
O pai da mocinha é
o pastor da cidade, uma espécime de zelador dos bons costumes e da
moral. É ele a autoridade moral que impede a realização de um
baile, por achar pecaminoso, cabeça vazia morada do diabo. As
justificativas morais e religiosas do pastor são todas rasas, mas
baseadas na suposta autoridade e nas “boas intenções” em se
proteger o rebanho. Um cidadão autoritário, que se impõe por causa
de aparências e que teme que um simples baile possa contaminar toda
esta equação que mantém a paz e a tranquilidade na pacata
cidadezinha americana de classe média do filme. Não importa que a
vida seja uma merdinha, levanta cedo, trabalha, pausa para o almoço,
trabalho, volta para casa, jantar feito pela esposa, televisão, boa
noite, escovar os dentes, pantufa e dormir.
Mas o tal pai
sintetiza o pensamento médio, meridiano, merdinha de boa parte da
cidadela do filme. A importância da personagem mora neste quesito: E
de boa parte da sociedade fora do filme. Sim, a vidinha de merda,
desde que mantidas a televisão e o jantarzinho feito pela esposa,
pode variar aqui e ali, um cereal no café, um radicalismo no uso de
chinelas ao invés de pantufas – os mais radicais até ousam andar
pela casa descalços, mas no fundo este é o ideal de vida. E preces,
com loas, para as virtudes todas que esta cena transborda, aviva,
transcende.
Enquanto o país
assiste ao coro do deputado falastrão na comissão de direitos
humanos, percebemos que boa parte da rusga é em razão do tal
deputado ser um boquirroto, um boca aberta, como se ele não tivesse
medo de defender a merdinha, sem pudores, sem escusas, sem falsas
máscaras. Ele é o pai de “Footloose”, mas caricato. Essa
caricatura machuca, porque nos obriga a olhar para nossos
conceitos... E como são conceitos de merda, os nossos. Sim, há
pessoas que estão de fato indignadas, emputecidas, com nojo da
situação. Mas, sincera e honestamente, quando os jornais afirmam
categoricamente que o “tal deputado tem declarações polêmicas
que poderiam supor homofobia, racismo e intolerância” estão
a proteger o pai do filme fugindo da óbvia constatação de que o
que foi dito não é nem polêmico, nem suposto: é fato, é ódio, é
racismo, é homofobia. E ponto.
Assim, surge o mais
deletério dos políticos nacionais, por sua obtusidade militante,
seu conservadorismo de pai da mocinha do filme radical, sua aparência
anódina (aparência, evidente que só aparência), sua insipidez
crônica que lhe valeu, inclusive, o apelido de “picolé de
chuchu”, a aparecer no conselho da cidade, impoluto, a dizer sobre
a necessidade de mexer na legislação para punir com mais rigor
menores infratores quando a violência assusta, maltrata e vilipendia
a cidade. Esquece da qualidade precária das escolas públicas,
“desconhece” a qualidade precária dos transportes públicos que
fazem de gente, gado, esquece das responsabilidades do Estado para
com saúde e cultura, com diversão, lazer, com demonstrações de
que também pode ser cidadão aquele que não consome bens de última
geração. E trata a consequência - nefasta, violenta, abrupta,
chocante - como causa. Mas o conselho da cidade aplaude... afinal, o
rebanho quer é se sentir protegido.
Sim, é necessária
a discussão sobre as razões que motivam a violência e o porque
jovens tendem a ser cruéis, bárbaros, desumanos. Mas, alto lá,
deixemos de hipocrisia e do consenso raso. O conselho da cidade pode
– e deve - mais. O filme, até agora, tem sido bem ruim.
13. abril, 12.