quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pequena Declaração de Contravenções Luxuriosas de Um Leitor Assíduo





A primeira vez que te li, confesso, quis te despir. Palavra por palavra, desvelando, jogando aos cantos os pedaços de frase, as ideias, as rimas, o colóquio, o devaneio, a firmeza, brinca, doçura, bronca. Esmiuçando. Nuas, todo e toda.


E arrumar uma desculpa furtiva para no meio da tarde, e as tardes são sempre as melhores praias para sonhos de paixão, crime de adultério, voyerismo e observações de corpos, corpo e textos, correr para te ler, em forma de poema, conto, tolice, crônica, paisagem, fofoca, opinião, carinho, delírio, olfato, tato e paladar.


Sim, tudo isso é pura platonice. Tem uma distância de fios, conexões, ondas, curtas, médias, longas. Sim, também é conspiração para sair da rotina, escapulir das linhas habituais, correr fogo das faturas, libelos, construções de cimento e só. Mas é assim mesmo, platonice. Há quem diga que a alma se alimenta assim. Não duvido.


Das coisas que ando a aprender, na minha intensa resistência ao pós, a pós, ao caos, é que tudo nestas modernidades tem lá seus lados de profunda destruição mas de intensa construção. Não é só a disputa, não é fim, nem meio, mas creio caminho. São noites de insônia, dias de calor, cobertores de orelha, são calabocas, calabouços, porões. E são doce de leite, jornal da manhã, bolacha com café, pé com pé, remédio para fígado, soco no estômago, máquina de escrever e fotografar. Mas não parem de escrever, aparecer, tocar. A primeira vez que te li, confesso, sem pudores, despudoradamente, quis te despir. Letra a letra, peça a peça, misturar frase com crase, arroz com feijão, nexo com rima.


Vão dizer que tais observações e declarações assim podem causar ciúmes, posses, dores, dissabores. Aos que dizem, é caso de pensar na tecla “delete”. Deleite, assim, tem que ser. Despir, assim, nunca pode ser pecado. 

Posso continuar tirando tuas roupas? 


2013. novembro, 14.