A primeira vez que te
li, confesso, quis te despir. Palavra por palavra, desvelando,
jogando aos cantos os pedaços de frase, as ideias, as rimas, o
colóquio, o devaneio, a firmeza, brinca, doçura, bronca. Esmiuçando. Nuas,
todo e toda.
E arrumar uma
desculpa furtiva para no meio da tarde, e as tardes são sempre as
melhores praias para sonhos de paixão, crime de adultério,
voyerismo e observações de corpos, corpo e textos, correr para te
ler, em forma de poema, conto, tolice, crônica, paisagem, fofoca,
opinião, carinho, delírio, olfato, tato e paladar.
Sim, tudo isso é
pura platonice. Tem uma distância de fios, conexões, ondas, curtas,
médias, longas. Sim, também é conspiração para sair da rotina,
escapulir das linhas habituais, correr fogo das faturas, libelos,
construções de cimento e só. Mas é assim mesmo, platonice. Há
quem diga que a alma se alimenta assim. Não duvido.
Das coisas que ando
a aprender, na minha intensa resistência ao pós, a pós, ao caos, é
que tudo nestas modernidades tem lá seus lados de profunda
destruição mas de intensa construção. Não é só a disputa, não
é fim, nem meio, mas creio caminho. São noites de insônia,
dias de calor, cobertores de orelha, são calabocas, calabouços,
porões. E são doce de leite, jornal da manhã, bolacha com café, pé com pé, remédio para fígado, soco no estômago, máquina de escrever e fotografar. Mas não parem de escrever, aparecer, tocar. A primeira vez
que te li, confesso, sem pudores, despudoradamente, quis te despir.
Letra a letra, peça a peça, misturar frase com crase, arroz com
feijão, nexo com rima.
Vão dizer que tais
observações e declarações assim podem causar ciúmes, posses, dores, dissabores. Aos
que dizem, é caso de pensar na tecla “delete”. Deleite, assim,
tem que ser. Despir, assim, nunca pode ser pecado.
Posso continuar
tirando tuas roupas?
2013. novembro, 14.