Segundo o Houaiss, Quodore é uma pequena porção de vinho, uma pequena porção de alimento. Também é uma bebida ordinária, um café ralo, algo para o desjejum. Aqui, são fragmentos, ideias, pensamentos tolos, outros tipos de pensamento. Enfim, um cadinho de alimento...
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Opressões
E para começar 2012 aqui nesta confeitaria, um desses sonhos.
Antes, e para acalmar Dona Maria Helena, minha mãe, leitora assídua e secreta deste espaço, um tranquilizante: "Mãe, o que vai para o blogue são os escritos, os rascunhos, as idéias. A vida real, só as vezes. E muito vez em quando... Beijo, mãe!"
Última observação: ... muito embora um pouco, ou muito - talvez, da angústia do texto já tenha saboreado. As insônias também são opressoras, indubitavelmente.
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Ando com tanto, mas tanto, mas tanto sono que sei que isso é irreal. Durmo em frente à tela do computador e não sei se escrevo tintas, lamúrias, consignações, desejos, virtudes, lampejos. Só sei que estou aqui, dormindo. O que equivale a dizer que nem sei onde estou. Não é simples não saber onde, nem como, nem por onde começar. Alguns dizem que pelas gavetas. Eu desconfio que seria pela cama, logo cedo, ou ontem à noite, na hora de se deitar. Dormir mais cedo. Dormir melhor. Ou vir direto, deixar isso para quando tiver vontade. Ou, ainda, soçobrado de vez, internado nalgum hospício de estrada ou na mesa de um botequim barato onde a cerveja caiba no bolso e uma dose de fernet, para arruinar o fígado que pede um pouco de paz.
Aos escombros é difícil encontrar paredes, âncoras, ânforas, cousas práticas para nos segurar ou nos manter em pé. Ouço vozes descompassadas, ordens imperiosas, gritos, alguém pedindo socorro. Desconfio que seja a minha própria voz, embora possa ser a do colega de trabalho, do motorista de ônibus, do atendente do café, dos ascensoristas, dos vigias de rua, dos bêbados, do homem de gravata. Só peço, ainda que sem vontade, que não seja a florista a me chamar, que ela é linda e seria um desperdício. Nem aquela moça de saia florida, que nem sei morena, ruiva, negra... só guardei foi o vestido.
Nem sei onde estou. Se estou no escritório, numa sala de aula embaçada pelo olhar míope, na escadaria da Sé, nos fundos da boate, num quarto escuro, num salão de baile. Baile? Não... não sinto cheiro de lança-perfume, nem de remédio broncodilatador. Bom, deve ser certo que ainda não estou num pronto socorro, num hospital, num velório. Nem o meu. Seria cínico afirmar que a vista está turva, que estou sonhando, que há elefantes na lama ou macacos no sótão. Seria cínico porque estou com tanto sono que nem me lembro mais. Só que o travesseiro cheira a amônia, de suor talvez.
Será que estou na rua, vivendo em caixas de papel ou cachimbos da paz e por isso não sei mais de nada? Talvez sejam os quarenta anos, os planos fracassados, os clamores não atendidos, os deuses dos outros ou algo que comi e me faz mal. Nem tanto o estômago, mas mais o fígado, o intestino, a lombriga, a lordose, a hérnia de hiato. Um bocejo seria um sinal, que não vem. Mas coça. Felizes, infelizes, modestos, imodestos, glória, vaidade, cabelo despenteado, nariz escorrendo. Quem será que está do outro lado? Eu? Não, eu não sei... tanto sono... Talvez devesse pegar um papel, uma caneta e anotar o desvario. Ou ao menos esquecer.
2012. janeiro.
sábado, 31 de dezembro de 2011
E que venham os próximos!
Sinceramente, não sei.
Que começa um ano novo, reconheço o calendário.
Mas esse papo de tudo de bom, novo, recomeço, nova chance, oportunidades e eteceteras, não sei.
Saúde, que é assim que devemos começar qualquer desejo de gostar.
Mas que a saúde também não nos seja tão cara, custosa, paga. Porque, afinal, cansamos de sermos idiotas.
Cansamos? É... não sei. Tenho cá dúvidas infindas. Algumas cruéis, sobre nossa idiotia.
Mas desejo, sim, saúde: E principalmente daquela que nos faz querer acordar de manhã.
O melhor dos desejos é este: querer acordar de manhã. E ter porquês.
Fé? Sim, fé que as pessoas possam ser realmente gente. Iluminadas, irresignadas, famintas por vida e não por sucesso, desejosas de paixão e não de conveniências, querentes por gostar e não por posses. E, sobretudo, fé que a luta vale cada dia. E sonho.
Sinceramente, é isso. E muito mais: Amor, paixão, sexo, saúde, vinho e um pouco de sorriso farto, lágrimas e pudim de leite.
Que o nosso time seja campeão. Que o abraço seja nossa moeda. Que as nossas crianças joguem bola descalços, no parque e, sobretudo, na nossa alma. Que cada sonho.... Bom, que cada sonho tenha seu tempo, gosto, sabor, aroma e cor. E que se forem para serem reais, que sejam.
Vou lá, então.
Sinceramente, não sei. Mas, então, que valha a pena.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Diálogos e um só
Outro da série "Cotovelos".
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Acorda. Já está tarde. O despertador já tocou. Não vai dar tempo de fazer a barba. Acorda. Levanta.
Sim, acabou. Ela não está. Provavelmente não haverá o café a te esperar na cozinha. Nem café nem nada: pia, louça, área de serviço, sala, quarto, banheiro, sabonete novo. Acorda, levanta, vai. Que ela não aguentava mais e se foi. Mas você tem que ir trabalhar, tem contas para pagar, tem que passar no supermercado e comprar água, ao menos, água. Não. Ela não ficou de fazer isso antes de ir. Ela esta absolutamente cansada, esgotada, moída e derrotada. Levanta, acorda, vai, sai da cama. Ninguém vai te ver chorar. Fique tranquilo, ela também não. Mas ela chorou. Chorou até não poder mais e se foi. Acorda, já está tarde, levanta, sai da cama, vai.... vai....
Não adianta não atender ao telefone. Deve ser alguém do trabalho. Afinal, você não está só atrasado. Você está aí, nesta cama, prostrado, cheirando azedo e com cara de quem brigou na rua. Deve ser alguém querendo saber o que aconteceu para você ter faltado. Pode, sim, ser o seu amigo do trabalho. Amigo, colega, sei lá. Acorda. Atende. O telefone irá tocar até você atender. Ou se não atender, vão ligar de novo. Se for ela? Evidentemente que se for ela ia ser patético você atender assim, com esta voz de caverna, a esta hora da manhã, sem almoço e pedindo pena, dó, piedade. Sim, eu também tenho nojo. Acorda, já está tarde, levanta, sai da cama, vai... vai... ao menos um banho. Um só... vai...
Sim. Não é errado. É que já é noite. E você ficou aí o dia todo. Infesta. Ela, meu caro, não tem mais a chave. Jogou na sua cara, ontem, depois daquela sua súplica ridícula de que queria tentar outra vez, ser igualzinho o cara por quem ela se apaixonou, cuidar dela, ter carinho, escovar os dentes, arrumar a casa, tratar da hipoteca, arrumar os sapatos e dizer te amo. Levanta, sai da cama, o dia já foi, tudo se foi. Se foi. Foi.
E, de fato, antes de ir ela lhe tinha aprumado um último cuidado, ou carinho, ou saudade ou a última das discussões: o sabonete, ainda na caixa.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Dos remédios amargos...
E seguem os textos da série "Cotovelos".
Este, evidentemente, coletado de impressões da rotina de finais de caso que acabam num escritório de advocacia (sim, além deste mercadinho, na vida lá fora sou "advogado"). Escrito como se fosse ela. Mas cabível, absolutamente cabível, se fosse ele.
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Te odeio por mexer nas tuas cousas e encontrar o telefone dela.
Te odeio por futucar teus papéis e encontrar os poemas que eram dela e não meus.
Te odeio com ódio de tudo por checar seu celular e encontrar o telefone dela, ali e mil ligações.
Te odeio, mesmo, por não dizer que era um engano, que era uma aventura, que era uma coisa a toa.
Te odeio por tudo isso. E por odiar este ódio todo, te odeio.
Mas te odeio ainda mais por ela ser especial para você.
E esse ódio vai aumentando a cada certeza que ela te faz feliz e que ela sorri para você.
E o ódio nas vísceras todas vai me dizimando ao perceber que ela não sabe que eu existo.
E te odeio por isso, nem isso, que nem isso eu tenho dela.
Me prometa uma única coisa: Diga para ela que eu existo e faça ela sentir ódio de mim.
E se ela dar de ombros... essas odiosas moças equilibradas, diga que eu te odeio em cada vírgula.
E se ainda assim eu te odiar ao ponto de te odiar mais um pouco, me tenha ódio. Ao menos isso.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Das mentiras que preciso ouvir
O texto fica febril, arde. A paixão vira ódio, em segundos poucos. Escrever sobre as pequenas tragédias, os nossos "fim de mundo", costumam render boas cousas, creio. Mesmo que o cotovelo esteja são.
Aqui, então o "Cotovelos, II".
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Vim ensaiando discurso. Palavra por palavra, gestos, jeito de falar e todos os eteceteras e tais.
Mas, porra, cacete, putaquepariu. Hoje, não! Hoje eu não quero verdades. Deixe que o tempo desvele o que eu já sei. Não diga o dia, a hora, o minuto, o local, a gravata que eu vestia quando, de súbito, tudo acabou. Não me diga sobre nosso sexo ter deixado de ser diversão, encantamento, descobrimento para ser rotina, jogo para cumprir tabela e cartão de ponto. Não me diga dos ciúmes, das reciprocidades magoadas, das incongruências de discurso, prática e das plantas que deixei, deixou, deixamos de regar. Aliás, odeio essa comparação entre regar plantas e regar sexos, ou paixões, sei lá.
Hoje não quero verdades. Não quero espetáculos, também. Se tens outro, não diga nem que sim e muito menos que não. Tente evitar comiserações mas não faça deste pé na bunda um retumbante “eu não gosto mais de você”. Se me amou, e desconfio que sim, não diga que desamou ou que “ainda ama, mas não dá mais”. Diga, apenas. Para que eu saiba e que, embora na dúvida, não fique embriagado de verdades. As verdades, estas que a gente pede sempre, são boas da boca pra fora, da boca pra dentro, da boca para a boca. Mas quando são assim, são só melancolias ríspidas e azedas, antecipações daquilo que o tempo, e só ele, pode reconhecer, reconduzir, refazer, rever e uma outra porção de verbos todos de fim e de começo.
Que a paixão acabou, até eu, que não quero verdades, sei. Não insista. Mas ao menos lembre que foi bom, foi do caralho, foi o que foi, fomos, fui, foste. Mas faça isso sem deixar esperanças. Estas devem morrer, antes das verdades.
Minta. Mas não se omita. Hoje eu não quero verdades. Só quero que acabe logo. Só isso.