Mais uma crônica publicada n'Os Bolonistas, sobre torcedoras, torcedores e paixões.
Gosto deste texto e ele cai bem com condimentos encontrados nesta mercearia.
Descobri, vasculhando velhas prateleiras, que o Quodores fez dois anos!
E que já são quase cem textos!!!
Poxa... são muitos víveres por aqui. Espero outros cem, duzentos, trezentos.
E o que para mim é mantimento, possa ser um cadinho para vocês também.
Originalmente, publicado aqui:
http://bit.ly/b8VEMo
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Bolonistas, uma daquelas histórias que gosto...
Ela tinha um grave e melancólico defeito. Torcia, desesperada e doentiamente, um exaspero e com todas as vísceras pelo Vitória. Sim, rubro negro. Era terrível ver aquele corpo escultural, aquela gênese mulata de bunda, peito, coxas e pés desenhados por Deuses, vestida pelo capeta. Lembraria sempre daquela tarde em Itacaré, a primeira vez que a viu de biquíni, e aquele par de chinelos do Vitória. Teve um horror similar ao pânico de elevador cheio, um gosto de vatapá vencido, uma sensação de morte profunda. Namoraram, mesmo assim, umas duas semanas depois da triste descoberta.
Ela tinha perfeições outras que quase a salvavam. Mas o Vitória? Nem purgatório resolvia. Ela gostava de prato, cerveja, praia, mar e odiava axé. Foi este ódio ao ritmo que os aproximou, numa tarde de janeiro. Num bar onde os tímpanos sofriam com os batuques eles se encontram no lado de fora, para respirar. Papo vai e papo indo, acordaram na casa dela. Foi tão bom que somente se separam no domingo, depois do café. Ela disse que tinha que visitar a mãe. E era ótimo, pois o Bahia ia enfrentar o Internacional de Porto Alegre, na Fonte Nova.
Brigaram feio durante um BaVi. Feio, mesmo. Combinaram de assistir juntos ao jogo, mas em território neutro. Viajaram para Triunfo, no interior de Pernambuco. Um chalé. E compraram por pacote o tal jogo. Durante o final de semana inteiro se amaram, beijaram, brincaram. Considerou, com todo o coração, a possibilidade daquilo dar certo, daquele defeito certeiro dela se transformar só em um detalhe, uma pequena rusga, uma coceira.
Da Guia era o cara mais simpático do mundo. Abençoado. Todos o tinham como cara calmo, sereno e boa praça. Tinha uma paixão desmesurada pelo Bahia, herdada da mãe. O nome quem colocou foi o pai, encantado com aquele time verde de 1969. Costumava dizer que o Tricolor era o que lhe fazia sorrir. Se bem que sorria muito, era de bem. Ela? Eram águas passadas.
Conheceu a outra numa saída de estádio. Chorava, copiosamente. A dor do rebaixamento ficou até um pouco mais tênue ao confortar a moça, muito bonita, embora com um corpo mais para modelo do que para o que ele gostava. Mas era Bahia fanática. De sangue. Ficaram andando pela praia após o jogo, se conheceram, trocaram telefones, ela fazia academia perto da casa dele. E marcaram encontro e saíram e tudo mais. Tinham uma combinação explosiva, quente e passavam quase todo o tempo possível juntos, quase sempre sem roupas.
Faziam planos para acompanhar o Tricolor nos jogos da Série C, na cama dela. E, repentinamente, aquela fome absurda. “Vamos ao mercado?”. “Engraçado, nunca fomos juntos...”
Na fila, ele desconsolado acompanhava as compras. Um queijo branco light, umas fatias de peito de peru, um pão integral. E iogurte. O estômago roncava. Os olhos quase marejados. Ela de camisa tricolor, linda. Na gôndola ao lado reconheceu de pronto a eletricidade, o comichão e o cheiro: Com a camisa do Vitória, um sorriso de quarteirão, linguiça defumada, parmesão italiano, pão de torresmo e umas tantas latinhas de cerveja. A mulher da vida dele, não teve dúvida.
08. Novembro, 04.
Um comentário:
Parabéns pelo segundo ano de vida! Torço pra que muitos outros venham, pra eu me deliciar por aqui.
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