sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Em SP, para virar a página



O último texto sobre as eleições deste ano...

Para quem tiver saco e paciência.

Obrigadão.

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Para virar a página


O ano? 1988. Era ano de eleição para prefeito. A sucessão de Jânio da Silva Quadros. Poucas vezes a maluquice de São Paulo foi tão categórica: Jânio era um zelador caricato de costumes, uma personagem, um triste retrato desbotado. Não tínhamos dois turnos e acabou vencendo a eleição Luiza Erundina de Souza, do PT. Oito de cada dez moradores de São Paulo, hoje, admite: poucos governos em São Paulo foram tão bons quanto o de Erundina. Na época, é verdade, teve todo tipo de preconceito para enfrentar e foi infernizada por todo mundo que detinha alguma rotativa industrial.

Mas quero chamar a atenção não para a vitória de Erundina. Nem traçar um paralelo com o atual cenário, tendo em vista que ocupa o cargo de prefeito outro desses zeladores de costumes, muito menos carismático que o retrato desbotado. Quero chamar a atenção para... o PSDB.

Naquela eleição o candidato à prefeito pelos tucanos foi José Serra. Sim, este aí. Na verdade, aquele era outro, embora sendo o mesmo. Duas personagens. Era a primeira eleição do PSDB, que acabara de ser fundado em razão de rusgas internas no PMDB do governo Sarney e, sobretudo na sucursal paulista da legenda, com o governador Orestes Quércia. Naquela eleição foram eleitos vereadores pelo PSDB. Cito alguns de memória e sem recorrer ao gúgol: Marcos Mendonça, Paulo Kobaiashi, Arnaldo Madeira. Era um partido que tinha um discurso do “novo”, da preocupação programática para se distanciar do quercismo e já um discurso de “mais ético” em contrapartida ao desmazelos repetitivos que marcaram a gestão peemedebista nos governos federal e estadual.

Mas a questão da “ética” e da “moralidade” eram coadjuvantes. Importava mais a visão de descentralização de poder, presença marcante nos discursos do ex governador Franco Montoro, e a experiência da gestão Mário Covas como prefeito biônico na cidade, que, de fato, foi diferenciada: vivíamos o fim institucional da ditadura e Covas foi prefeito depois de figurinhas como Maluf, Colassuono e Reinaldo de Barros – cousa nada elegante – o que significou para além de novos ares, nova forma de fazer política.

Passados os anos, o candidato do PSDB ainda é José Serra. Mas não há mais descentralização de poder e a gestão Mário Covas é algo que soa tão antigo como CMTC, bonde ou “passeio público”. Entre os vereadores mais bem votados do PSDB estão um ex coronel da ROTA, que se vangloria de ter matado mais de trinta pessoas, “banditos”. E um ex secretário com nome de conde que se vangloria de ter colocado grades em prédios públicos para que mendigos não aporrinhassem o saco de transeuntes dignos no centro da cidade. Não é pouca coisa esta degeneração do PSDB. Só quem acredita na barbárie pode comemorar que um adversário político tenha chegado neste ponto... Até outro dia também não havia programa de governo. Até outro dia, também, não havia nada de proposta que não fosse apostar no erro alheio, exaustivamente como fumaça para o próprio desterro.

São Paulo pode ser chamada de conservadora. Não combina muito com as diversas esquinas da cidade, mas, sim, pode ser chamada de conservadora. Mas a total ausência de um mínimo de preocupação com o discurso (notem, uso a palavra discurso e não a palavra “prática”) humanista, a utilização de um preconceito como instrumental de campanha (ora, chamar o material pedagógico contra a homofobia de “kit gay” é de uma indelicadeza atroz, espalha – esparrama, na verdade – preconceito como baba), a consagração do valentão discurso e prática do “bandido bom é bandido morto” (e inevitável lembrar de um jingle malufista de eleições pretéritas - “gente boa é na rua”) não pode ser chamado de uma política “conservadora”. É mais que isso. Muito mais: é reacionarismo, para dizer o mínimo.

Sim, os puristas vão me “policiar” dizendo que estou defendendo o velho PSDB, em que meu pai e minha mãe votaram naquela distante eleição de 88, e que isso não combina com meu esquerdismo juvenil. Outros irão lembrar que eu mesmo comecei votando no PSDB de Covas, nas eleições presidenciáveis de 1989, meu primeiro voto, para fazer algum tipo de troça. Não ligo. Minhas posições políticas foram sendo contruídas e, sim, a gente pode mudar, se transformar, lutar. O que me entristece é quando percebo o retrocesso, a regressão.

Votar em José Serra é isso: regredir. E, pior, dar sobrevida a um político que, por seus méritos e muitos deméritos, tem feito de seu capricho em querer ser presidente o único mote, o único discurso, o único tapete. Não querer votar no Haddad, no PT, no outro – e muitos que tem conversado comigo tem dito isso – pode até ser um posicionamento. Mas que não se faça disto a justificativa para votar no Serra. Anule. Venha ser oposição, não dói e a gente aprende pra caramba quando a oposição é feita com critério, com esmero, com paciência, com diálogo. Seja oposição. Mas não seja situação de algo que você não é.

Digo, por fim, que votarei no Haddad. Muito por ele, muito por amigos que gostam dele, muito por ele ter sido participado em alguns bons livros da coleção “Zero a Esquerda” da Editora Vozes – em especial o “Desorganizando o consenso”, que era uma coletânea de entrevistas feitas pelo Fernando Haddad, muito por ele ter participado do Centro Acadêmico XI de Agôsto (uma razão que, reconheço, meramente sentimental) e muito por ter um programa de governo que, embora não o dos sonhos, foi de alguma forma discutido e gestado por gente séria, preocupada e inovadora. Mas, na oposição. E para quem acha contradição pregar o voto com a frase “não seja situação de algo que você não é”, digo que ser oposição ao Serra não é tarefa salutar, porque, infelizmente, não pressupõe mais o diálogo.

Para virar a página, não vote em José Serra. É isso.