O último texto sobre as eleições deste ano...
Para quem tiver saco e paciência.
Obrigadão.
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Para virar a página
O ano? 1988. Era ano
de eleição para prefeito. A sucessão de Jânio da Silva Quadros.
Poucas vezes a maluquice de São Paulo foi tão categórica: Jânio
era um zelador caricato de costumes, uma personagem, um triste
retrato desbotado. Não tínhamos dois turnos e acabou vencendo a
eleição Luiza Erundina de Souza, do PT. Oito de cada dez moradores
de São Paulo, hoje, admite: poucos governos em São Paulo foram tão
bons quanto o de Erundina. Na época, é verdade, teve todo tipo de
preconceito para enfrentar e foi infernizada por todo mundo que
detinha alguma rotativa industrial.
Mas quero chamar a
atenção não para a vitória de Erundina. Nem traçar um paralelo
com o atual cenário, tendo em vista que ocupa o cargo de prefeito
outro desses zeladores de costumes, muito menos carismático que o
retrato desbotado. Quero chamar a atenção para... o PSDB.
Naquela eleição o
candidato à prefeito pelos tucanos foi José Serra. Sim, este aí.
Na verdade, aquele era outro, embora sendo o mesmo. Duas personagens.
Era a primeira eleição do PSDB, que acabara de ser fundado em razão
de rusgas internas no PMDB do governo Sarney e, sobretudo na sucursal
paulista da legenda, com o governador Orestes Quércia. Naquela
eleição foram eleitos vereadores pelo PSDB. Cito alguns de memória
e sem recorrer ao gúgol: Marcos Mendonça, Paulo Kobaiashi, Arnaldo
Madeira. Era um partido que tinha um discurso do “novo”, da
preocupação programática para se distanciar do quercismo e já um
discurso de “mais ético” em contrapartida ao desmazelos
repetitivos que marcaram a gestão peemedebista nos governos federal
e estadual.
Mas a questão da
“ética” e da “moralidade” eram coadjuvantes. Importava mais
a visão de descentralização de poder, presença marcante nos
discursos do ex governador Franco Montoro, e a experiência da gestão
Mário Covas como prefeito biônico na cidade, que, de fato, foi
diferenciada: vivíamos o fim institucional da ditadura e Covas foi
prefeito depois de figurinhas como Maluf, Colassuono e Reinaldo de
Barros – cousa nada elegante – o que significou para além de
novos ares, nova forma de fazer política.
Passados os anos, o
candidato do PSDB ainda é José Serra. Mas não há mais
descentralização de poder e a gestão Mário Covas é algo que soa
tão antigo como CMTC, bonde ou “passeio público”. Entre os
vereadores mais bem votados do PSDB estão um ex coronel da ROTA, que
se vangloria de ter matado mais de trinta pessoas, “banditos”. E
um ex secretário com nome de conde que se vangloria de ter colocado
grades em prédios públicos para que mendigos não aporrinhassem o
saco de transeuntes dignos no centro da cidade. Não é pouca coisa
esta degeneração do PSDB. Só quem acredita na barbárie pode
comemorar que um adversário político tenha chegado neste ponto...
Até outro dia também não havia programa de governo. Até outro
dia, também, não havia nada de proposta que não fosse apostar no
erro alheio, exaustivamente como fumaça para o próprio desterro.
São Paulo pode ser
chamada de conservadora. Não combina muito com as diversas esquinas
da cidade, mas, sim, pode ser chamada de conservadora. Mas a total
ausência de um mínimo de preocupação com o discurso (notem, uso a
palavra discurso e não a palavra “prática”) humanista, a
utilização de um preconceito como instrumental de campanha (ora,
chamar o material pedagógico contra a homofobia de “kit gay” é
de uma indelicadeza atroz, espalha – esparrama, na verdade –
preconceito como baba), a consagração do valentão discurso e
prática do “bandido bom é bandido morto” (e inevitável lembrar
de um jingle malufista de eleições pretéritas - “gente boa é na
rua”) não pode ser chamado de uma política “conservadora”. É
mais que isso. Muito mais: é reacionarismo, para dizer o mínimo.
Sim, os puristas vão
me “policiar” dizendo que estou defendendo o velho PSDB, em que
meu pai e minha mãe votaram naquela distante eleição de 88, e que
isso não combina com meu esquerdismo juvenil. Outros irão lembrar
que eu mesmo comecei votando no PSDB de Covas, nas eleições
presidenciáveis de 1989, meu primeiro voto, para fazer algum tipo de
troça. Não ligo. Minhas posições políticas foram sendo
contruídas e, sim, a gente pode mudar, se transformar, lutar. O que
me entristece é quando percebo o retrocesso, a regressão.
Votar em José Serra
é isso: regredir. E, pior, dar sobrevida a um político que, por
seus méritos e muitos deméritos, tem feito de seu capricho em
querer ser presidente o único mote, o único discurso, o único
tapete. Não querer votar no Haddad, no PT, no outro – e muitos que
tem conversado comigo tem dito isso – pode até ser um
posicionamento. Mas que não se faça disto a justificativa para
votar no Serra. Anule. Venha ser oposição, não dói e a gente
aprende pra caramba quando a oposição é feita com critério, com
esmero, com paciência, com diálogo. Seja oposição. Mas não seja
situação de algo que você não é.
Digo, por fim, que
votarei no Haddad. Muito por ele, muito por amigos que gostam dele,
muito por ele ter sido participado em alguns bons livros da coleção
“Zero a Esquerda” da Editora Vozes – em especial o
“Desorganizando o consenso”, que era uma coletânea de
entrevistas feitas pelo Fernando Haddad, muito por ele ter
participado do Centro Acadêmico XI de Agôsto (uma razão que,
reconheço, meramente sentimental) e muito por ter um programa de
governo que, embora não o dos sonhos, foi de alguma forma discutido
e gestado por gente séria, preocupada e inovadora. Mas, na oposição.
E para quem acha contradição pregar o voto com a frase “não seja
situação de algo que você não é”, digo que ser oposição ao
Serra não é tarefa salutar, porque, infelizmente, não pressupõe
mais o diálogo.
Para virar a página,
não vote em José Serra. É isso.
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