Acordou totalmente empapado, suor. É verdade que lá fora fazia um calor de matar guarda, mas era verão, ou quase, e o calor da cidade já era mais comum do que nota de dois reais naquela época do ano. E que a janela estava tão escancarada que a luz do sol, lá pela hora do relógio, deu bom dia, boa tarde e quase antecipou o boa noite. Mas aquele suor todo era novidade.
Naquele levantar
trôpego caminhou lentamente para o banheiro. Pensando na vida, desde
cedo. Na conta do cartão de crédito, no crédito imobiliário, na
chance de pegar um coletivo menos cheio. Mas aquela camisa molhada
lembrava era da noite, do sono, trazia perguntas outras. Quem diria
que esse calor ia fazer suar tanto?
No fim, escovado os
dentes, água na cara, ainda deu tempo de voltar ao quarto e tentar
esticar um pouco mais o sono. Aqueles cinco ou dez minutinhos que
fazem toda a diferença, que noticia como será o dia: de fastio ou
de intuição. Deitou...
Ela era linda,
naqueles olhos que dialogavam com a boca, no sorriso que perfumava o
busto, nos seios que alegravam o mundo, no doce meneio. Nem sequer se
lembrava de conhecê-la direito, de nenhuma tarde de praia, de pouca
conversa. Mas se gostavam, empatia e aquela coisa que faz querer bem
um outro. Nada de flerte, rosa, poesia, pé de ouvido, no máximo um
“Ebony Eyes” nalgum bailinho de colégio, na adolescência. E,
sim, teve aquele dia em que se encontraram sem querer no meio da rua,
tomaram um café e cambiaram confidências, daquelas confidências de
folhetim: pouco mais que uma conversa de elevador, mas bem menos que novela. Neste dia, lembra, pensou com os botões em convidá-la para
um chope.
Toda vez que um
vestido aparece, qualquer vestido, há sempre uma chance real do
mundo virar um lugar realmente fantástico. De uns tempos para cá,
inclusive, até pensou em encontrar um sarongue ou mesmo um desses
escoceses. Porque se nas mulheres é aquela lindeza toda, quem
sabe... Mas os floridos, ah... os floridos. Qualquer encantamento,
arrebatamento, apartamento, só para fazer rima. E ela, num florido,
notou. E o despertador.
Correria. Aqueles
dez minutos viraram quinze, viraram até sonho. E a pressa, que nunca
é virtude, toma conta do ânimo. A velha história do exagero: o
soninho de dez minutos, restaura. O de quinze, fustiga. Fustigado,
foi ao banho, tomou café em pé, correu para o ponto e teve certeza
que teria um dia complexo. No ponto, ao lado da banca, o jornal dava
conta das notícias de sempre. É notável como os jornais se
aprimoraram, com o passar do tempo, a dar as mesmas notícias todos
os santos dias...
No ônibus cheio se
lembrou do sonho... dela... do vestido... E teve uma vontade varrida de doida de descer correndo no primeiro ponto, procurar se tinha o
telefone dela na memória do celular e mandar um oi. Achou que o tal
sonho era algum pressentimento, loteria, morte, vestibular ou saia
rodada: sabe-se lá os meandros da mente e da alma humanas....
Na mesa do
escritório, o calendário: 20 de dezembro. “Puta que o pariu!!!! O
mundo acaba amanhã!!!” Riu, farto. Aquela história de calendário
maia, de fim de mundo e cousa então. Ao menos valia a brincadeira,
valia assoviar Assis Valente no “E o mundo não se acabou”...
“beijei na boca de quem não devia”... “peguei na mão de quem
não conhecia...”. Outro café.
E ainda sorrindo com
o fim do mundo foi dando aquela agonia, aquela dor inexplicável
entre o ânimo e o queixo, aquela vontade súbita de gritar algum
palavrão escabroso. Aquela apatia de querer logo que a profecia
estivesse corretíssima e que fosse antecipadíssima.
“É isso!!!!” E
saiu correndo só parando na primeira florista que encontrou. No
girassol mais bonito que encontrou mandou bilhete: “Dizem que o
mundo acaba amanhã.”
12. novembro, 05.
Obs.: para ler e depois ouvir Assis Valente, na versão mais famosa, na voz da Carmem Miranda: http://www.youtube.com/watch?v=abVNWgeonOY
2 comentários:
A-DO-REI... é disso que estou falando... sutilezas, delicadeza e uma boa dose de beleza... Lindo.
Um brinde ao começo, então! Querido, o texto tá lindo... Beijo!
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