sexta-feira, 6 de junho de 2008

Das cousas que não se mensuram pela distância



Releituras


Olhava fixa e intensamente para a janela. Ouvia os pingos finos da chuva fria encontrarem-se com o vidro. Gostava daquele barulho. Acho, que no fundo da alma, todos gostamos. Não percebera o passar do tempo. Alguns minutos, talvez. Ou hora. No colo, outro bom livro de Machado. Nos pensamentos distantes, nem a chuva nem os olhos de ressaca.



Pensava naqueles dias de outono, das flores vermelhas e do pouco frio, mas o suficiente para a boa coberta, o bom vinho, a boa preguiça e o bom cafuné. Era ela que desfilava pela casa, ainda com as roupas dele, arrumando o jornal, colocando a mesa em ordem e preparando o café, entendendo pouco a pouco que ele gostava mais de café do que de leite, mais de manteiga do que do requeijão, mais água e sal do que bolo de chocolate. E descobria assim sem perguntar, desses jeitos que não invadem, nem perturbam. Era com esses pensamentos que ele se divertia.


Arrumou a coberta e o livro. O frio parecia aumentar, lá fora. Assim como a chuva. Absorto, a encontrou outra vez. A memória naquele mesmo sofá, cabelos soltos, ares de moça, quereres de adolescentes, sabores de fruta e chocolate, perfume de corpos. Estranhou aquela riqueza de texturas, sorriu. Apertou as mãos ao livro. Puxou a coberta, queria mais calor. E com esses pensamentos foi o tempo, anoitecendo tudo: janela, sala, livro, cheiros. Com esses pensamentos todos, experimentou o último gole do copo, o mais longo e saboroso, o malte quase sem o gosto do gelo.


A chuva parara. A luz da lua, viva, intensa, branca, invade a sala. Quase um convite para outra dança, entrelaçar pernas, outros encantos. Um frio que já era calor. Ao toque de um controle remoto, a música continuava. Percebeu, então, que era saudade.


Nem foi preciso olhar para o lado, ela acordara e lhe fazia outro chamego, ainda com as roupas dele, já espalhadas pelo chão.


Junho.08

7 comentários:

ex-amnésico disse...

Após uma releitura lírica como essa, chega a ser um crime não ter mais ninguém que use as minhas roupas!

E que os computadores deixem os telhados para os gatos e a luz da lua...


p.s.:Bienal? O que o seu pc vai fazer lá?

Rivas disse...

Lindo texto, ótimo pra ler no final de uma segunda feira, faz lembrar um dia preguiçoso com a guria q tu gostas.

abs!

Auréola Branca disse...

Poderia tentar?

...Bom, ele com ares de quem teme seu passado, encontra com ela, nua, despida, sensual, convidativa a uma dança. Dançam.

Ele olha-a, mas não há ninguém, somente sombras de algumas luzes denunciando que não há mais dia.

E ele sente tua presença. Clara e envolvente como uma doce lembrança...

Desculpe, não costumo interferir em contos dos outros. Mas, queria que entendesse o quanto senti suas palavras.

E o quanto dancei contigo na melodia dessa saudade.

Abraços...

Anônimo disse...

Saudade.
Sentimos a saudade em cada linha.
Leitura que nos faz sentir saudades tbém...Mesmo quem nem se saiba de quê...mesmo que nem se tenha de quê.

Abraços.

Vanessa disse...

A velha camiseta dele. A mesma dança de corpus nus. Dias de outono. Tudo igual.

Vanessa disse...

Culpa do latim, corpos, e não corpUs...

Sofia Maria disse...

Quanta saudade de passear por aqui. Vc valseia com as palavras de forma tão leve! Gosto muito. E tb gostei muito do teu poema comentário em laço desfeito.