terça-feira, 29 de julho de 2008

Pudim de Leite

.



Coisa boa assim é andar descalço

Na areia fina, úmida ainda.

É comer pastel com garapa, sem pressa.

E ter água em pote de barro, fresca e de madrugada.

É a lua cheia brindando a janela

E o sol quente sem arder, no céu azul bem azul.

Coisa boa assim é escrever no guardanapo do bar

Poemas de amor ou de bom viver, como o nhoque

Ao molho bolonhesa e da sorte, com vinho tinto.

E saber ouvir o riso de crianças e sorrir também

E retribuir com olhar maroto os olhares marotos de outro alguém.

Coisa boa assim é ler Machado, Leminsky ou qualquer coisa

Boa e ler quadrinho do Calvin e respirar com a Mafalda

Viajar por aí com chorinho rasgado e cantarolar um samba do bom

Coisa boa assim é respirar um pouco de mato

E dali a pouco um outro pouco do cheiro de pão quente

Assoviar um tango e acordar sem relógio

E ver no espelho a olheira e fazer piada

É poder de vez em quando pensar no nada.

Como é bom coisa boa nesses passos da lida

Coisa boa, enfim, é assim.


08.julho

quarta-feira, 23 de julho de 2008

E o palhaço o que é???

Mais um texto da série já publicada nos Bolonistas. Já escrevi antes: xodó. Gosto muito de escrever e reler essas pequenas historietas...

Publicado originalmente aqui:

http://osbolonistas.zip.net/arch2007-10-01_2007-10-31.html#2007_10-18_15_45_30-2402205-25

_________________________________________

Bolonistas Saudosos das Outras Histórias...



O fusquinha azul subia e descia as ladeiras da cidade. Rodava, passeava, cantarolava. Munido de um estridente aparelho de som, com chiados, quase inaudíveis as frases ditas, de forma rápida. Mas elegantes. “Hoje tem marmelada? Tem sim senhor. Hoje tem goiabada? Tem sim senhor.” Era o anúncio, do circo. O circo e a cidade. As crianças todas vivendo euforia. A tenda colorida. O fusquinha.


Os olhos curiosos e pretos do pequeno Leônidas cintilavam. Camisa do Alecrim, sempre. Inseparáveis. E a bola de meia. O pai, seu Arthur, ainda inconformado com a opção do menino, vestia a camisa do ABC. Coisas de família. Simples, mas teimosos na vida.


O pai, nome Arthur por causa do genial boleiro Friedreinch, já tinha escolhido o nome do menino. Leônidas. O craque que inventara bicicleta. Que jogava para dentro da baliza a pelota com as pernas no ar. O Diamante Negro. E tinha outros planos para o filho: Ser doutor e torcedor do ABC. Assim como o avô, o pai e os tios. Nasceu num Alecrim e América, entretanto.


Desde pequeno Leônidas escolheu o Alecrim. Amor desses que não tem muita razão nem explicação. Talvez o verde da camisa. Talvez o hino. Mas foi assim. E o menino ganhou de um vizinho a camiseta cinco, inseparável. E quando o pai lhe provocava, “sarreando” a opção, respondia, de pronto: “É o único time do Brasil que teve um Presidente da República!!!”. E era. Café Filho jogou nos potiguares da vida.


O fato é que o menino não dormiu mais depois das notícias dadas pelo fusquinha. Imaginava o circo. E na volta da escola fazia questão de errar o caminho e olhar para a tenda colorida. Os animais. Os gritos. As cantorias. As bicicletas num canto. Sonhou com aquilo tudo. Uma, duas, três noites. E sábado nunca chegava.


Chegou. E foi como o Alecrim. Inimaginável alguma razão para tirar o menino do campo de terra da matriz, antes do escurecer. Mas naquele sábado o menino já estava de banho feito, antes da novena. O pai encantado levou o menino e os irmãos.


Espetáculo. Os olhos, as mãos, os pés. O corpo. O menino não imaginava aquilo. E teve o fogo, dos cuspidores. Os trapézios. Os domadores. As canções. E os palhaços. Na primeira risada estava dado o destino. O pai percebeu, por instinto. “Nem ABC, nem Doutor.”. O menino chorou ao fim do ato. E decidiu ser palhaço. O “Galante Alecrim”. Faceiro, inteligente, alegre, Chaplin. O melhor dos Carlitos. Já com quinze anos conhecia o Rio de Janeiro e a Cidade do México. Aos vinte, Lisboa. O palhaço mais feliz do mundo.


Nos festivais internacionais, convites não faltavam, foi conhecer o mundo e outros circos. Outros times. Sempre levava a inseparável camiseta cinco. E trocava com franceses, ingleses, camaroneses, poloneses, por camisetas de outros times. O “Galante Alecrim” fez fama. E seu Arthur repetia, com um imenso sorriso no rosto: “Nem Doutor, nem ABC. Mas também nunca foi América!!!”


“Uma pirueta, duas piruetas.” E num desses foi parar em Moçambique, Maputo. Circos que alegravam aquele país pobre e triste, mas de imensa alma. O sorriso das crianças todas. E um sorriso especial, que nunca mais pode esquecer. Ela vestia branco, um lindo colar e escondia a longa cabeleira no uniforme colado ao corpo. A trapezista e o palhaço. A história foi assim. Como o Alecrim.


2007.outubro

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Inquietas divagações


Estás inquieta?

Teu olhar me espreita, castanho e intenso.

Escrever poemas, discorrer dilemas.

E se entre versos, compassos, letras e sonhos

Descobrir tua pele perfumada, arrepiada e meu olhar

Detido nas trilhas percorridas

No corpo inteiro da cama toda.

E se entre tudo e mais um pouco

Ainda assim, teu gosto ficar na boca

Ressecada, entre palavras, sussurros e teu beijo

E se a cada linha percorrida, palmo a palmo te reconhecer

Gosto de beijo, saliva e teu cheiro

E nas linhas descritas teus traços, curvas e minha euforia.

Será que este dilema não se resolvia?

E este poema para tua inquietude oferecia...


.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Demônios Sutis

Comiserações de Uma Mente Aparvalhada


Dias e noites e noites e dias. A velha e boa amiga, não tão boa, é verdade, insônia reverberava nas idéias confusas e complexas. Havia um cansaço físico, um esgotamento muscular, um sono petrificante consumindo as outras horas do dia. A vontade era de abrir a primeira caixa de remédios e uma dose cavalar para trazer o sono. Uma idéia idiota, reconhecia a razão. O problema era outro.


Afinal, já não conseguia esconder para o próprio consciente o que o inconsciente já havia reconhecido, talvez em algum ano perdido da década anterior. Era chato repisar a infelicidade crônica, da qual ele não mais conseguia fugir. Tentou algum entorpecer. E ao acordar a dor foi maior. E mais aguda. Pontiaguda.


Naquela noite decidiu que era preciso se reinventar. Recriar. Renascer. Percebeu, em lenta ruína, e entre impropérios desferidos pela acidez estomacal, que este era um discurso tolo, ingênuo, tosco e frágil. Tão frágil quanto a louça despedaçada no café da manhã. Sentiu piedade e logo em seguida, ódio. Era a constatação febril e irremediável do beco sem saída.


Caminhava exausto pela casa, sabedor da companhia indelicada do sono difícil e do transpirar em excessos. Sentia, agora, o mundo inteiro. Neste processo de flagelação quase despercebida, de depressão aterrada e de teimosia infantil resolveu mais uma vez que era hora de reagir.


E naquela noite não ligou a televisão, não abriu o pacote de batata frita, não devorou o pote de sorvete e não dormitou ouvindo os salmos de salvação e alguma benção ou as fofocas de ocasião que preenchem as programações noturnas infernais do aparelho de tevê. Foi escovar os dentes. Um pijama. E pensou em andar de bicicleta no parque. Não era nada, sabia. E não era o fim, tinha certeza.


07. setembro.