quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Armazém

Puxa vida... Sem textos novos.


Mas coloco um velhinho que gosto muito, já publicado nos Bolonistas:

http://osbolonistas.zip.net/arch2008-03-01_2008-03-31.html#2008_03-19_17_50_23-2402205-25

Gosto muito dos sabores e cheiros deste texto. Dá fome.

Espero que gostem.

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Das outras....


Bolonistas em tempos de dérbi...


Sincera e honestamente, nunca tinha reparado naquela pequena loja de secos e molhados que fica na esquina de minha rua. Talvez a pressa do dia a dia. Ou, quem sabe, o fato de normalmente estar de carro. É difícil se andar a pé na cidade grande. Muito difícil. O que é uma pena, concluí.

A loja até que era simpática. Um balcão de madeira bem trabalhado, daqueles antigos. A madeira parecia ser carvalho. Não conheço madeira suficientemente para atestar fé, entretanto. No balcão, uma porção de recipientes de vidro com diversos acepipes de encher a boca d'água: Amendoim, castanha de caju, castanha do Pará, figos secos, azeitonas em conserva, das pretas e das verdes, sardela, pão de lingüiça, maçã desidratada e uma porção de outras coisas visualmente atraentes.

Entrei na loja por acaso, é verdade. Parei só para perguntar se sabiam onde era a Rua tal e qual. Mas o aconchego e o cheiro dos salgados, doces e da madeira me detiveram. E uma enorme bandeira da Ponte Preta ornava o local, atrás do balcão. Inevitável puxar assunto.

O dono do armazém era um senhor de longas suíças, barrigudo e com cara de boa gente. Proseador. Foi logo contando a história do boteco. Abriu uma garrafa de cerveja enquanto preparou uma pequena travessa com as sementes. No tomate seco despejou azeite e me ofereceu guardanapo.

O nome da peça rara era Varela de Vieira. Varela, em homenagem ao carrasco Obdulio, da seleção uruguaia de 50. Nascido no Uruguai, o pai dele era um português que trabalhava no consulado luso em Montevidéu quando o pequeno nasceu. Era a justa homenagem para o povo que o acolhera, me explicou sobre as razões do pai.

E contou que criança foram deslocados para o Consulado em São Paulo. E que o pai ficou viúvo e, desencantado, resolveu largar a carreira diplomática. Acabou em Campinas, dando aulas de direito. Lá conheceu Isadora, e logo vi o retrato da bela mulher, no lado oposto ao da bandeira da Ponte Preta. Isadora era sem dúvida a mulher mais bonita do mundo. A fotografia não deixava dúvidas. O velho retrato destacava um rosto de mulher com aquele sorriso de parar o tempo e os olhos negros de querer a noite. E ela com uma camisa verde, inacreditavelmente verde: Guarani.

Durante anos o velho tentou se aproximar de Isadora, em vão. Ela não notava aquele viúvo, pai do menino Varela. E jurou o bonachão, enquanto descontraidamente abria nova garrafa de cerveja, desta feita de outra marca e mais gelada, que o velho ficou até doente. A outra paixão do velho era o Benfica, me disse. Mas em nome da nova paixão começou a freqüentar os jogos do Guarani, saber a escalação e até vestir a camiseta verde. Pela simples razão da moçoila ser torcedora fanática do Bugre. Vestia o manto nos dias de folga, cantava o hino nas horas vagas e desfilava impropérios nas arquibancadas do Brinco de Ouro da Princesa.

Mas nada. Isadora nunca dera um olhar sequer ao velho pai do Varela. Abriu um sorriso largo, destampou o vidro do alicce, encharcou um naco de pão e sem que eu dissesse nada encheu outro copo para mim: “Até que um dia o meu pai desistiu daquilo tudo sem sentido e começou a andar com a camisa da Ponte Preta, só para demonstrar profunda irritação.”

E um dia de domingo, no tempo em que ir ao estádio era programa de domingo, dia de clássico na cidade, a moça fitou o moço que levava o filho ao Moisés Lucarelli: “Varelinha, que camisa mais feia!!!”. “Vem cá... quem é este senhor, que você nunca me apresentou?”. “Professora, este é meu pai...”. Dois meses depois, casaram.


08.março, 19.

2 comentários:

ex-amnésico disse...

A o futebol, esse destruidor de corações...!

(suspiro de corintiana dor no coração)

ana marconato disse...

coisa fina esse texto! dá vontade de ir ao estádio, de petiscar, de ouvir mais causos. saudações tricolores.