Alguns textos surgem literalmente do nada...
E depois é difícil se desvencilhar deles.
Vou colocar um deles aqui, para ver se alguém explica.
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Sinuosas reflexões sobre a reforma no prédio
O andaime levava ao nada do andar de cima, em reforma. E como o nada em nada acrescentasse aos riscos do dia a dia resolveu subir. É engraçado como a alma trilha o caminho do nada quando tanta coisa ainda tem que acontecer, mudar, transformar, rever, costurar: Dizer e desdizer. Enfim, andaimes estão por aí para nos levar para algum lugar. A alma reconhece. E sobe.
O nada é sempre aconchegante, no primeiro tato e contato. Como é o nada, de prima o nada muda a nossa ansiedade doentia. O nada aplaca a fúria do inconformismo e sossega os estribilhos de nossos cancioneiros de protesto. E também colabora para amenizar a fadiga, alimentada sempre que a alma sabe que para outro lugar deve ir. Ou agir.
Mas depois o nada cansa. Cansa mais do que a fadiga anterior e, pior, depois do anestésico o nada contagia o cansaço e é impossível não querer dormir. Se jogar na cama e nunca mais acordar antes de saber exatamente o porvir. Ou, pelo menos, qual a nova trilha ou caminho que devemos seguir.
O bom do andaime, neste caso, é que é sempre uma aventura boa. Há uma vertigem que as escadas não dão. E é nesta vertigem que a alma emudece e se pega pensando de fato na vida e nas coisas da alma. A lua então aparece, como que para avisar que no dia seguinte tem sol. Basta abrir a janela. E é bonito perceber que no andar em reforma tem aquela varanda enorme e se não é nada, pode ser uma bela panorâmica. A alma irrequieta começa a desejar que o nada se desfaça entre uma rede e um copo de água.
Enfim resolveu que ia descer do andaime e procurar a porta de saída. Ou a de entrada. Para o novo. Tinha medo de tudo, tremia e tinha sede. Mas descobrira o perigo fatal dos andaimes.
08. novembro.
6 comentários:
É isso aí: que o nada se desfaça, e que o sol brilhe na sua janela!
Gostei deste texto com um tom de esperança...fazia tempo que algo assim não aparecia por aqui.
Do equilibrista no fio da navalha para o trapezista dos andaimes impossíveis: espero que me perdoe a batelada de comentários atropelados e fora de ocasião, mas não pude resistir! Estava me fazendo falta aspirar esse cheiro de cantina/empório, de alimento para o corpo e para a alma...
Grande abraço! (de um freguês relapso que está de volta à lida)
Andaimes são nosso eu, conosco mesmo. Podemos subir ao nada, ou podemos apenas guiá-los e olhar.
Muito bom.
Ao invés de fingir que entendi sua resposta, vou agradecer por você ter respondido a altura.
Uma grata surpresa no meu blog bolorento!
De volta...
Isso de certos textos (idéias, amores, etc...) ficarem nos perseguindo...
Seria muita pretensão dizer que certas coisas, em certos momentos, tem de ser ditas/feitas/sentidas, etc...?
Mesmo que a gente não saiba porquê?
Obs: Não, eu não sou judeu (pelo menos que eu saiba); apenas tenho esse costume de responder uma pergunta com outra pergunta...
:P
Olha, Fê, não dá para não escrever.
Comecei a ler o blog ontem, em noite de insônia.
Seus textos são geniais.
Não houve uma leitura sem um certo "desestabilizar" interno.
Palavra em sedução.
Ponto. Final.
Vanessa
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