quarta-feira, 24 de março de 2010

Panela de Sorte

Adoro botecos. Mas mais que botecos, gosto das histórias que colhemos nestas quimeras.

Para escrever este texto tive como base uma dessas histórias, ouvidas numa beberagem com alguns Bolonistas aqui em SP...

Espero que gostem. E que os "contadores" da história não me recriminem pela "adaptação" livre.


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Com que roupa?




Havia naqueles dois algo de inusitado, parecendo doce de batata doce em dia de festa junina. Na fogueira de São João, com a filha de João, algo assim. Mas o fato é que os dois se encontraram na máquina de lavar roupa do décimo andar, máquina comunitária desses prédios modernosos, onde tudo tem tudo e mais um pouco, inclusive no valor do condomínio.


Conversaram muito. Ela era um anjo. Sorriso de quarteirão, meiga, cabelos longos e bem cuidados. Bonita, dengosa, menina. Ele era o bonitão da firma, o boa praça, o cavalheiro, algo tímido, papo bom de quem quer mais, inteligente sem ser chato, cativante. E papo foi que trocaram os telefones, os endereços eletrônicos, os lugares que gostavam e um convite para um cinema, sexta feira, comédia romântica.


Ela não reparou que ele deixou toda a roupa ainda na máquina, tão distraído que estava com os jeitos dela. Mas ele sonhou com aquele bilhete onde ela anotara dados e companhias, com uma caligrafia de jornalista antiga. Diria que ela gostou dele, com certeza. Esperou pelo cinema como quem espera pelo capítulo final da série premiada de televisão.


Depois, pouco depois, estavam de mãos dadas e trocaram os primeiros beijos. Virou namoro.


Namoro é bom e todos sabem. É a conquista, o flerte, a descoberta. E foram nestas etapas que decidiram dividir colchão e pudim. Casaram, felizes.


Numa noite especial, alguma comemoração, ou da primeira comédia romântica, ou alguma boda de alguma cousa, ele a surpreendeu, com jantar romântico. Coisa fina.


Iria preparar um daqueles pratos no “rechault” que ela tanto gostava. Cortou ingredientes com esmero e calma. Eram os pratos, na teoria, verdadeiras pinturas. Nada poderia dar errado, nada.


Enquanto conversavam, do dia, piadas, sorrisos, ele percebeu a velha vocação para a distração. Esquecera do álcool para alimentar a chama do fogareiro. E fez a proposta mais estúpida que alguém poderia fazer: “Vamos no carro pegar um pouco de álcool?”. “O combustível?”, ela desconfiada. “Sim, vai ser bom e o fogo dura mais tempo”. Ela topou, mas no fundo sempre desconfiou que era uma idéia de jaca. A cena absolutamente cinema sessão da tarde: Jovens, com roupas de ficar em casa, chinelos, abraços e uma garrafa plástica. “Dá a partida, bem. Eu já coloquei a mangueira aqui no tanque”. E foi assim conseguiram o trem para manter o “fogo” aceso.


E mais carinhos, mimos. “Amor, você tem certeza que isso vai dar certo? Não é melhor tirar isso de perto do fogão?”. Mas neste momento ele era um chefe de cozinha, famoso, orgulhoso, campeão. Era um risoto e com risoto todo o cuidado é pouco para não desandar. E era a hora fatal de colocar mais água no arroz. Tarefa que exigia concentração total, sem distrações mundanas.


BUM!!!!!!!!!!!!!!!!!!! O cidadão colocou foi o álcool do carro na panela. Primeiro veio aquele cheiro de cachaça estragada e depois um estouro daqueles de arrepiar cauda de fantasma. Ele tinha razão, o fogo durou um tempão e ninguém teve coragem de tentar apagar o bichinho. Desligaram rede de gás, depois acalmaram o síndico, o zelador e o vizinho do setenta e dois. Ficaram sentados, abraçados, com as roupas um pouco sujas de fuligem, olhando o crepitar do “ex risoto”.


Amor, vamos pedir pizza? E ... você esqueceu de novo as roupas na lavanderia?”.


10. março, 24.

5 comentários:

Thelma Torrecilha disse...

Muito bom! Gostoso de ler...
A história é saborosa, mas, sendo baseada em fatos reais, não dá pra deixar de comentar: quem mais no mundo teria tido a idéia de buscar álcool no tanque do carro?! Bom, talvez o álcool estivesse, mesmo, é na cabeça do ouvinte e autor.

Denise Carceroni disse...

Excelente, como sempre!
Beijinhos

Renata disse...

O cabeçalho deveria ser: DESTILADOS - SÉRIE 2
Nem tudo está perdido.

Apesar da idéia explosiva, final feliz é mostra de que tudo acaba bem.
Adorei!

Marianna disse...

Liiiindooo o texto!!!! Fiquei emocionada!! Vou virar leitora disso aqui e não é só porque sou protagonista desse texto. Vou guardar pra sempre. Obrigada por esse presente tão doce! Mari

Eliana Klas disse...

Envolvente. Cômico.
Fiquei rindo sozinha...sozinha não pois o texto é uma ótima companhia pra uma tarde pesada.

Excelente.