Opa.... depois de um bom tempo em que as histórias ficavam na estante sem ir para o papel, ou para a tela, saiu esta aqui...
Gostei.
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“Nossa, tá quente hoje, né?”
Depois de inúmeras recomendações, resolveu enfrentar aquele velho preconceito cosmético: comprar um hidratante de pele para enfrentar a secura do tempo na cidade louca.
Comprou qualquer um, de marca. Nem tão caro, nem tão barato. E também não se preocupou em comprar algo específico para o “sexo masculino”. Já que ia romper o preconceito, que fosse um rompante sem medidas. Na hora de pagar quase se arrependeu. Mas foi em frente.
Usar hidratante depois do banho foi uma das maiores revoluções estética e cultural promovida ao longo de mais de trinta anos de existência. Comparável, talvez, ao uso de alpercatas na adolescência para irritar o pai. Era uma dessas ações que diferenciam o discurso da prática. Tascou o hidratante no corpo, principalmente naquelas áreas atingidas pela magnífica coceira da pele seca. Reparou que nunca antes tinha tratado sua panturrilha com tanto esmero. Riu, de si mesmo. Farto, em ambos os sentidos.
Ficou aquele cheiro do hidratante na mão. No começo se irritou. O cheiro não saía. Mesmo lavando a mão com o velho sabonete da pia, líquido. Aliás, o sabonete líquido já tinha sido considerado por alguns anos a maior concessão de sua vida.
Mas o perfume do creme ficou no ar. Como tatuagem. Sem querer lembrou que conhecia aquele aroma, aquele cheiro, quase um gosto. Caraminholas pela cabeça, tentou encontrar a lembrança, captar, prender para se libertar daquele pensamento, que se tornava lentamente em obsessão. “De onde vem este cheiro?”.
Passou o dia com aquela indagação. Não curou. Piorou. Pirou, procurando o creme antes de dormir. Sonhou com o cheiro. “Quem é ela?”. Aquela constatação definitiva o fez sair da razão, se é que esta existe em algum lugar. O cheiro era uma mulher. Mas qual?
No meio da madrugada procurou fotos. Deitou sobre a agenda de telefone de colégio, tentando encontrar alguma lembrança da infância ou da adolescência que justificasse aquela... aquela... paixão. Sim, era paixão. Devorante, insinuante, monotemática. Precisava encontrá-la, desesperadamente.
Tudo, entretanto, era fragmento. Conseguia sentir a pele macia, o odor da pele. Via a cor, a textura, sonhava. Delirava, era ela. Mas quem era ela? O engraçado era que sabia tudo sobre ela: o prato predileto, o filme, a música, o parque. Pegou no sono, ridiculamente abraçado ao frasco do hidratante.
Dia seguinte, vida que segue. Todos os apaixonados ficam eufóricos para entrar na mais profunda desilusão no segundo seguinte. Uma ciclotimia maluca, ora inebriante ora enauseante. Não arriscou passar novamente no próprio corpo o tal do creme, como se fosse possível esquecê-la. Os apaixonados, por vezes, insistem nos esforços inúteis.
Vida que seguia. Rotina, mesurada, calculada. Relógio. Ônibus nem cheio nem vazio, o de sempre. Atrasado para o trabalho. Tempo seco. A coceira. “Devia ter passado, saco!”. Os mesmos rostos. “Oi, bom dia.”. Era a mesma moça que todos os dias descia no último ponto antes da Avenida Paulista...
10. setembro, 16.
9 comentários:
Ótima crônica! Adorei, mas sou suspeita, já que sou fã declarada do blog!
Serei um tanto repetitiva? Talvez... Quanta delicadeza em sua escrita!
Adorei!!!
Vc não existe.
Gostei disso.... tire mais coisas da estante kk
bjs
Senti o cheiro daqui...
Beijos,
Lu.
Ah, os cheiros... A memória olfativa é geralmente a mais intensa. Fotos, músicas, tudo desperta sentimentos. Mas os perfumes estrapolam. Os cheiros provocam sensações. Enganam o cérebro com uma presença quase física. Inebriante.
Adorei seu texto, adorei o blog. Vou estar sempre por aqui.
=)
Oi Fernando, eu não conhecia e também fiquei gostando daqui. Coisa boa ver a Avenida Paulista pelos olhos de outrém! :)
Fê,
Cheiros e hidratantes, duas coisas muito presentes na minha vida. Melhor dizendo hidratantes com cheiro, de preferência de frutas!
Ótimo texto!
Bjk
Dê
E não lembrou mesmo, né? Sei bem como é isso, rs.
Feliz volta (votos e constatação).
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