quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Trio de Ferro

Os que passeiam por aqui, sabem: futebol cá é cousa séria, de paixão.

A mercearia tem time, sim. Aqui nesta casa de víveres, somos tricolores, sãopaulinos. Nas estantes e pendurados pelas paredes, temos os times, as histórias, as fotos desta paixão. Aqui o Zé Sérgio, o grande José Sérgio Presti, o melhor ponteiro esquerdo de todos os tempos, nunca vai precisar pagar conta.

Mas nem por isso. O Corínthians e o Palmeiras, nossos inimigos figadais, tem lá seus pequenos recortes. Depois a casa oferece um boldo, fiquem tranquilos.

Escrevi para o blogue de futebol que mantemos, eu e mais dez camaradas, dois textos para os aniversários do Palestra e do Timão. E gostei dos textos. São textos da série "Bolonistas e outras histórias", em que tenho tentado mostrar historietas de torcedores e de suas paixões pela bola jogada com os pés.

Trago os dois textos para cá, então.

Espero que gostem... Podem se "aprochegar".


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Nunca morre, nunca da silva!


Era Neco. Não era diminutivo, apelido, nome de guerra. Era assim, de batismo. Nascera Neco. Nenhum outro nome seria possível, descobriram depois. Da vida, levara tudo muito a sério. Tanto é que o coração parou de funcionar duas vezes, em 77 e em 90, e ainda assim, sobreviveu. “São prolapsos”, dizia para horror dos amigos, esposas e filhos, “mas eu sou forte, sou protegido por santo”. E ria, fazendo uma imitação tosca de alguém cravando uma lança num animal feroz, estilo dragão ou cousa que o valha.



Neco acordava cedo, quase todos os dias. Só aos sábados se permitia algum luxo. Algo como nove da manhã, no máximo. E todos os dias mantinha rotinas: escova, mão esquerda, e o dentifrício, mão direita. Quando o esculhambavam dizendo que era um “homem de manias” reagia com calma, mas com a firmeza dos convictos: “são fidelidades, meu caro, fidelidades.”



Trabalhava feito cão. E mesmo depois da aposentadoria, e dos ataques cardíacos, manteve-se laborando e laborando. Depois que se aposentou das máquinas, foi dar aulas num curso técnico. E depois, ainda, foi do sindicato, militou clandestinamente contra o governo militar, participou de movimento contra o preço dos alimentos, contra a tarifa de ônibus e era sempre o primeiro a votar. O Neco levava a colinha e quase sempre contagiava alguém a votar nos candidatos dele, até quando se desencantou da política.



E tinha uma conta no bar, que nunca deixou de pagar. Mesmo quando desempregado por causa daquela greve. Jogava dominó nas manhãs de domingo e quase sempre jogava conversa fora com qualquer um. Só não gostava de gente que não olhava nos olhos dele enquanto conversavam. E sempre, todas às vezes, dizia bom dia ao chegar e boa tarde, ao ir embora.



E foi lá no boteco de sempre, num domingo que o Neco não apareceu, que soube que ele tinha morrido. Quem contou foi o neto, o Basílio. E todo mundo concordou que o Neco nunca ia de morrer, ia ficar com a gente, sempre. Erguemos nossos americanos e o brinde foi daqueles, com lágrimas e limão no dedos: “O Neco foi sempre fiel. Por quais diabos vai deixar a gente agora?”. E na televisão ligada, com bombril na antena, ia começar o jogo...



2011. setembro, 01.


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A casa na vila já tem 97 anos...







Noutro dia passei pela vila. E é engraçado, os barulhos são quase sempre os mesmos, uma nostalgia daquelas. Ouvia-se, evidentemente, o jogo de domingo, radião colocado no muro, num baita volume...





Naquela casa era assim: gente falando alto, gente gesticulando para falar, gente falando pelos cotovelos, gente, gentes. Aquele cheiro de alho refogado, que perfumava a casa toda, a vila toda, a vida toda. Era de lá que vinham os melhores cheiros de comida e a molecada da rua saía no tapa, aos domingos, para poder receber um convite do Ademir para almoçar na casa dele. A razão? Domingo tinha o macarrão, molho bolonhesa e salve se quem puder.





Era uma casa grande. Todo mundo católico, todo mundo rezava. Mas ninguém negava por lá que todo mundo pecava, um dia. E era lá na casa da mãe da Chinesinha, que apesar de italiana até a medula tinha este apelido, que as pessoas iam procuram conforto: e contavam as pequenas traições, os pequenos delitos, os pequenos deslizes. E sabe a razão? Por que lá tinha sempre um vermute para depois do choro e até das broncas. A mãe do Dudu e do Ademar era gente bona, boníssima. E tinha lindos cabelos negros e uma cara de Sophia Loren que fazia a molecada morrer, em pecado muitas vezes.





E tudo lá parecia ser mais apaixonado. A mãe amava o pai, apesar de gritar com ele algumas vezes e todo mundo gargalhar escondido. Amava os meninos e a menina, abraçava de deixar a gurizada toda envergonhada. Fofocavam, sim. Mas depois riam e esqueciam de tudo. Normalmente por causa de um molho vermelho, que deixava a rua da vila daqueles jeitos que eu já contei.





Noutro dia passei pela vila e aquela Sophia Loren já é vó. E continua alegrona, sabe? Feliz da vida que os meninos dela, e a menina, viraram tudo uns moços. E ri feliz da vida. E me chamou num canto outro dia, me convidando para almoçar no domingo: “Ragatzo, vem almoçar aqui no domingo. Mas antes do jogo, né? Não quero saber de confusão! Já te contei que vou ter um neto? Um bambino!!! O nome dele vai ser Marcos.” E me deu uma piscadela, que quase soou uma bela duma tarantela.


2011. agosto, 26.








Um comentário:

Anônimo disse...

sempre que o vejo, tenho muito a dizer e nada. o abraço faz o mundo girar no por dentro, no em volta. desde a vez em que eu soube que você me via, queria outras vidas, para dar tempo do tudo que eu nunca teria a dizer. um beijo.