Alguém
já observou alguém andando por aí com a alma despedaçada? Sim,
alma. Não, não estou a falar de algo esotérico, sobrenatural,
religioso, palco, confete, pudim de leite ou pão. É alma. Aquilo
que nos dá, a todos, um cadinho de sustância. Que dá a vida um
sentido próprio e não mero adjetivo.
As
almas estão por aí, a preencher, a recuperar, a comer, a amar,
enamorar, chorar, gritar, dor, prazer, gozo, choro, vexame, coragem,
medo, raspa de açúcar, limão na pinga, gelo, verbo. Quem não as
tem, vaga. Vazio. E os que as têm despedaçadas parecemos trôpegos,
vacilantes, macambúzios, diminutos, vesgos nos trilhos.
Sabe-se
lá por quais razões, a alma. E ela está nas gentes mas está nos
discos, nos copos, nas mesas de boteco, nos brinquedos de criança.
Sem ela tudo fica um pouco propaganda de lanchonete de fast food
americana de palhaço: “amo muito tudo isso”, como que amor fosse
algo prensado, insosso, mastigável somente, médio, meridiano, tombo
e até o palhaço causa fobia.
Todos
nós conhecemos estes fatos, estes devaneios. Podemos, cultos,
impolutos, inteligentes, dar outros nomes... chamar psicólogos,
terapeutas, linguistas, engenheiros, médicos e até os advogados
para dar tratos à bola e definir esta verdade universal, talvez a
única, de que há a alma, sustância, firmamento, essência, razão
de.
Pois
bem, o São Paulo havia perdido a sua. Sim, o time. Que o assunto
todo desta prosódia é mesmo o futebol, o ludopédio, a pelota, a
bola, a gorduchinha, ripa, chulipa, driblou, apontou, guardou,
balançou a roseira, tá no placar, é rede, oxítonas, paroxítonas,
proparoxítonas. E até os azulejos do paço reconhecem que um time
sem alma é um vagar eterno pelo purgatório, um velar de bicho, uma
escuridão sem destino. Nalgum canto desses campeonatos por aí,
bastidores, eleição, reforma de estatuto, arrogância, soberanos,
que tais, queixumes, fomos esvaziando, tirando pedaços, esvaindo,
consumindo. E o tricolor, o Clube da Fé, parecia um corcunda triste,
mas que não chorava.
Isso
tudo foi até a noite de ontem, senhouras, senhoures, confrades.
Desde o primeiro gol chileno fomos enchendo de volta, como bico de
bicicleta, recuperando. Aloísio, finta e gol. Em passe de Maicon. E
Rogério, impossível: uma, duas, três vezes. E outro gol chileno e
a calibração, o pulso, o coração. E Ganso, açúcar, Aloísio,
dribla o goleiro e gol. E Rogéeeeerio, mais uma, duas, três vezes.
Aloísio, bola para Ademílson, bola mansa, toquinho, gol. E outro
gol chileno. Mas aí tínhamos outra vez nossa cidadela, nas mãos do
goleiro infinito. Na garra de Aloísio. No toque sutil de Ganso. E a
tabela Ganso, Maicon, Wellinton. E o olhar de Muricy, lá da botica,
aviando receitas, conjurando demônios, santos, deuses e deusas.
O
correto não seria o pleno pulmão gritar o estandarte do “campeão
voltou” ou “time de guerreiro”. Ontem foi muito mais que isso.
Simples, assim mesmo.
13. outubro, 24.