Tenho uma amiga, não muito linda, mas muito camarada - as vezes. Ela me fala verdades, me diz que tem cousa errada nas cousas que faço, faz planos comigo. Mas me tira a plenitude das manhãs, a safada.
É a Insônia, esta amiga.
Pois bem, temos eu e ela o defeito de assistirmos as sessões do "Como era gostoso meu cinema", do Canal Brasil. As pornochanchadas nacionais, do último quarto do século passado...
Sou de uma geração que aguardava as sextas feiras, fazendo planos mirabolantes, torcendo para que mãe, pai, vó, vô, dessem uma bobeira e a gente pudesse cansar de ver a "Sala Especial" da TV Record, antes desta emissora de tv adoecer e virar virgem e missa...
Bom.... lembrei de um texto antigo que fiz para o blogue "Os Bolonistas", uma confraria da qual faço parte, que fala sobre futebois e nostalgias... Anda meio parado, é verdade, mas há textos que gosto muito. Velhas quinquilharias.
Este tem uma nostalgia, uma saudade, um gosto de descobertas e ironias sobre a grande mudança da vida da gente na "puberdade". E do desencanto... sempre ele - é a parte que minha amiga mais confabula nos colóquios da madrugada...
Trago ele para cá, então...
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Matilde, Adele, Aldine, Hansen e Brondi; Maria Lúcia, Vera e Maitê; Nicole, Helena e Zezé *.
Bolonistas na espreita da sessão proibida das noites de sexta feira...
Inevitável.
A edição de aniversário da revista trazia na capa ela, sim,
simplesmente ela. Xuxa Meneguel. A namorada do Pelé. E curvas
absurdamente impróprias para menores. Era uma coqueluche, a menina.
Brasileira toda. Cara, bunda, peito. Cheinha, rechonchuda. Na medida.
Eram os dias mais felizes daqueles anos. Que começavam nos minutos antes
de entrar na sala de aula, com um futebol descompromissado jogado com
latinhas de refrigerante amassadas. Depois, ainda antes de entrar na
classe, ainda que já dispostos nas carteiras escolares, um breve trocar
de figurinhas do álbum da copa: “Troco o Pantelic pelo Rocheteau”.
As
aulas eram boas. Eram sobre a crase, a revolução praieira, o cloreto de
sódio, Pitágoras e talvez um pouco de solfejos, na aula de música.
Flauta doce. E nesse ritual, o recreio. O lanche. As meninas. Sim, as
meninas. E por causa delas era que alguns já não sabiam mais se era o
Perivaldo ou o Edvaldo o lateral reserva do Leandro. Em outros tempos
esta incerteza poderia carregar o incauto para a forca.
E
das meninas, às mulheres. As peripécias para surrupiar a edição de luxo
da revista da coelhinha. A sorte de ter a vizinha ingênua que deixava a
janela aberta. O vestiário e aquela entrada secreta, que ninguém
conhecia de fato, mas todos reconheciam os detalhes. Os mais sórdidos,
para aquelas mentes de “prestobarba”. Para as mãos, evidentemente.
No
fim, porém, o assunto corriqueiro voltava, triunfante. Eram Artur
Nunes, Paulo Roberto, Antônio Oliveira, Roberto, Sérgio Bernardino, José
Sérgio Presti, Sócrates Brasileiro. Era Telê. Era o falso ponta. O
volante cabeção e o volante bom de jogo. Era a goleada no Morumbi, a
sova na Vila, a desfeita no Mário Filho. O Grenal. A seleção da Itália e
o esquema tático da Holanda. Era a seleção brasileira de futebol,
orgulho, sonho, samba e razão de tudo. Ou quase tudo.
Sem
contar um ou outro, que numa pausa ao monotema e às meninas, ainda
achava um tempo para falar da Campanha das Diretas, da cor amarela na
janela, na moratória da dívida externa pornográfica. Lembro de um
defendendo uma tal auditoria nas contas, para ver onde de fato foi parar
a dinheirama toda. Outro falava de greves. De votar para presidente. E
todos, ao fim, gargalhavam solenemente: “Eu votaria na Xuxa”.
Ta
aí. A nossa Deusa virou pó. Esquálida, sem sal, sem traços, sem
abundâncias. Uma tez tão límpida quanto intocável. A seleção nacional
virou seleção de nada ou de empresa de material esportivo. Já não
queremos mais auditorias, moratórias e nem roupas amarelas vestimos
mais. Nem vermelhas. Somos todos uns chatos e pragmáticos. Talvez, até,
mesquinhos.
Assim,
ainda nos restam as meninas. Todas elas. As que ainda queremos
enamorar, paquerar, desfrutar, admirar. E todas elas que nossas
namoradas, amantes, confidentes, amigas, todas bonitas na essência. As
meninas. E este diário se recusa a delas esquecer. Porque é perder mais
um pouco da gente, mais um pedaço. Talvez o mais caro, depois, é óbvio,
da memória daquele gol do Pita na União Soviética, num amistoso no
Morumbi.
21.08.2008
* Obs: Matilde Mastrangi, Adele Fátima, Aldine Muller, Kate Hansen e Lídia Brondi; Maria Lúcia Dahl, Vera Fisher e Maitê Proença, Nicoli Puzzi, Helena Ramos e Zezé Mota. Um belíssimo time, sem dúvida. Acrescentaria que a técnica era a Selma Egrei.
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