quarta-feira, 8 de abril de 2020

Acalento


O que causa enorme desalento - e, poucas vezes uma palavra pôde definir tanto - é acordar para frear desejos: o do abraço, o do café na esquina, o do beijo, o da caminhada, o do flerte, o oi cuspido. Mas é muito mais pensar naquilo que poderíamos e não seremos. A derrota é a da empatia, da solidariedade, da razão e da fé, no ser humano - essencialmente.

As ruas estão se enchendo. Os “isolamentos” estão se afrouxando. Mas notem, o que se afrouxa é para dar resposta a alguma questão individual, egoísta ou de sobrevivência, manipulada por um discurso doente que separa a sociedade, que lhe tira o viço e lhe coloca a focinheira do medo.

Todos estamos com medo. Um dos conceitos mais importantes na psicanálise é o do desamparo. Das caraminholas que inventamos e criamos para dar tratos ao desamparo, uma sensação de desconforto, de temor, de solidão e das questões todas que brotam quando em desalinho. Talvez não tenhamos tantos subsídios, entretanto, para enfrentar o desalento.

Ninguém que está indo para a rua, rompendo a política de isolamento social, está fugindo de suas solidões, assim, no plural mesmo. Se vai para a rua sozinho, solitário, em solidão e com medo, uma falsa coragem. É interessante este paradoxo: hoje, para combater a solidão, é preciso estar só. O isolamento é, no frigir do ovo, uma política que tenta adiar a solidão, evitar o contágio de um vírus que promete não só a letalidade, mas, sobretudo, a velocidade dos dias atuais, da modernidade, do capital, do tudo para ontem.

Daí, o desalento. Sim, tem desamparo. Mas quando se elabora o desamparo, quando se acessa os instrumentos para encarar este desafio que nasce quando a gente nasce, temos a sensação fria e cortante da rua repleta de gente, sozinha, solitária, egoísta - no sentido mais do perverso do que do narcísico.

É o desalento.

Enquanto deveríamos estar gestando, pensando, sonhando formas possíveis de novos tecidos sociais, de vida, de trabalho, de solidariedade, de enfrentar as fomes diversas, estamos sendo jogados e tragados pela patologização do normal, tentando manter uma normalidade tóxica, que exige de nós a solidão da sobrevivência.

Todo mundo tem que seguir adiante. Pode ser, mas não deixa de ser desalentador este acelerar inexorável do tempo, que transforma o tempo em objeto para consumo imediato. Logo o tempo, esse estado que podia ser dos desejos, das delicadezas, daquilo que nos faz gente.






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