Não teria a mais pálida dúvida, caso
me questionassem o que mais me faz falta nesta quarentena. Enquanto pego as
abobrinhas na geladeira. Quatro, bonitas, formosas, naquele verde e branco da
casca. Penso nos abraços. Em dar e receber. Lembro de minha mãe. Ela, ali, na
casa dela. Sozinha, com meu pai. Ela que sempre gostou, estimulou, quer e dá
abraços. E faz uma lasanha de abobrinha que maravilhas.
Não sei porque tive medo de cozinhar,
por muito tempo. A gente pode chamar de preguiça, a gente pode dar nome de
inexperiência ou falta de conhecimento. Mas, no fundo, é medo. Medo de se
queimar, medo de não acabar bem a receita, de chamuscar, de ficar cru, de ficar
com gosto ruim. Medo, talvez, das comparações. Perguntei para ela, a receita.
Me espantei que a abobrinha não era refogada nesta receita. "Não precisa
refogar?". Desde que comecei a cozinhar com alguma regularidade, sem muito
medo, e muito muito muitíssimo por causa dos meninos, adoro a arte do refogar: não há no mundo aroma comparável ao alho, à
cebola, ao azeite, ao tomate "burburando" numa panela. E tem aquele segredo da
minha mãe, de comprar a abobrinha já fatiada... Bem que tentei, mas não tinham
as fatiadas. Cortei, de grosso modo, o único que conheço. "Deixe com as
cascas", ela me avisou. Sim, com as cascas.
Minha mãe tem a mania do abraço. Acho
que herdei dela. Acho? Herdei, né. A terapia faz a gente reconhecer certos
traços e laços. Essa coisa de cortar legumes, cebola, alho, sempre me assusta.
Tem uma expertise fantástica, em que as fatias são finas, por igual, quase
desenhadas. Os meus cortes são caóticos, são gumes tortos, talos, taludes, desmanches.
Mas já adotei a expressão "corte grosseiro" quando explico as
receitas. A única regra, desconfio, para a lasanha, é cortar no sentido
horizontal, para que as fatias sejam longas, como filetes. Minha mãe não disse,
mas eu passei um pouco de azeite na travessa que ia ao forno, antes de fazer a
primeira camada de abobrinhas fatiadas.
Os meninos gostam de me pedir
"abraços quebra costela". Assim como meu afilhado, saudade de abraçar meu afilhado. Minha mãe gosta
daqueles abraços mais demorados. Eu também, eu também. E de dormir nos braços,
do meu pai, como fazia quando menino. A primeira camada ficou bonita. Embora irregular. As fatias,
disformes. Passei um fiozinho de azeite sobre elas e um pouco de sal. A Renata,
minha companheira, mãe da menina, tinha feito um molho estupendo a bolonhesa
para um macarrão no domingo. E tinha feito em grande quantidade, para que
pudéssemos usar noutros dias nesta quarentena. Abri a geladeira, o pote de
sorvete com o molho estava lá. Experimentei. Que bonito. Abracei, mas daqueles
abraços mais sacanas. Aliás, os abraços tem estas qualidades, né? Conforto,
saudade, amizade, bem querer, mas também, outras vezes, sacana, provocação,
porto, despedida, parto.
Desfilei uma primeira camada do molho
sobre as abobrinhas. Com um colher, espalhei. Este espalhar... Depois, uma
camada de muzzarela, outra de presunto, outra camada de abobrinhas por cima.
Mais um fiozinho de azeite, mais um cadinho de sal. Mais muzzarela - o que
sobrou, mais presunto - o que sobrou. E aí não vestiu por completo as fatias.
Sobras, aqui e ali, de abobrinhas nuas. Mais molho, o restante do bolonhesa.
Distribuído para cobrir tudo. Queijo ralado. E papel alumínio, do lado que
brilha para a comida. Afinal, ela é a estrela.
Forno, já meio aquecido, travessa
nele. Mais de 180, menos de 200. Um abraço aquece. Abraços aquecem. Depois de
meia hora, o cheiro pela cozinha, esses aromas de vida, e aquele borbulhar da
travessa. Tira o papel alumínio, deixa mais um pouco. Espera aquele queijo
ralado que vai por cima dar uma espécie de gratinada no lance. Um lance. A
comida é um lance com a gente mesmo, penso. Lance, romance, transa, papo,
acolhe. Escolho um disco, ponho para tocar no celular.
E um abraço. Ficou divina, confesso.
4 comentários:
Aqui se comenta? Também sinto saudades de abraços. E do prazer de cozinhar.
Que bom você aqui!!!!
Uma mistura de Palmirinha e Ronnie Vohn. Uma colher, das de sopa, bem cheia de beijos, Amaral.
depois vai e devora.
que delícia ler aqui.
uso o fatiador de queijo para cortar as abobrinhas.
beijos.
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