segunda-feira, 24 de maio de 2021

“No fundo do gol!”

Nunca sabemos, nem os mais sábios, nem os mais clarividentes, como desenterrar um sapo, depois que este foi enterrado num gramado de futebol. Esta é uma verdade inexorável, talvez.


Porque nunca se sabe onde, exatamente, se colocou o batráquio, com bilhete na boca amarrada. Muitos acham que na geografia do campo, o lugar é perto das balizas, entre a linha da meta e o infinito. Mas este lugar, de tão óbvio, já foi ocupado por outras mandingas, normalmente as protetoras. Então.... onde está o sapo?


Quando a pelota foi defenestrada da área por algum defensor palmeirense, depois da disputa com nosso atacante, Pablo, ela estava enfeitiçada pelo sapo. Note que ela viaja no tempo e no espaço desengonçada, atrapalhada, girando parecendo pião sem freio na linha tênue do meio fio da esperança. Foi ali que tudo se deu...


Crespo, nosso argentino, treinador, na coletiva pós jogo, disse algo sobre a maravilha do futebol, sobre as possibilidades e a mágica do jogo. Disse da grandeza do time, reconhecendo algo que andava negligenciado nestes últimos anos, que um time de futebol é, sobretudo, sua história. Mas a senha para entender o desfecho da bola no gol foi noutra passagem: “haviam meninos que nunca tinham visto o time campeão”.


Futebol é infância, sabemos. E a rememoração daquele lugar mágico, onde os destinos podem ser sonhados. Na trajetória da bola até Luan ela não se ofereceu, não se aninhou naquela matada no peito, entre lasciva e luxuriosa. Ela veio meio como bola de meia em brincadeira de quintal, bola de copo de refrigerante em intervalo de escola, meio troncha. Luan, menino, volante do time desde menino, volante, consegue dar um jeito de trazer a bola para o chão e desfere o chute, um chute que tinha as imensas pretensões de um gol, mas que sai maroto, escorregadio, zunindo, mascado. Não era um chute na veia ou na cara da bola. Era um chute de esperanças.


E a bola, chutada pelo menino volante, um gigante ali no meio durante todo o campeonato, motor, tanque, esteio, coração, pulmão - nestes tempos de pandemia, o pulmão é mais que pulmão - vai encontrar o morrinho do sapo, bate no jogador adversário, justamente no mais valentão, o funesto da turma de lá, que noutra ocasião havia chamado o nosso time de inimigo, mais que adversário, inimigo. E nesse bater desenterra sapo, batráquio, mau olhado, maldizer. Engana o arqueiro de seleção e repousa, a bola, no fundo da rede: dá para ouvir o barulho da danada no fundo da meta. Gol. Gol? Caneco, o resto é baile e história.


E a camiseta do time volta a ser pijama. Para melhor sonhar, inclusive.


Este texto vai como bola careca - daquelas que a gente brinca e que perde gomo, fica murcha, vira lembrança - para os três, Marco Antônio, Leonel e Cecília. Que puderam perder a voz gritando campeão, dormir com a camiseta do time, brincar e sonhar. 





Um comentário:

Marcos Bonilha disse...

Saudades de um texto de blog raiz, de qualidade, simples e que emociona. Sdds, meu amigo.