quarta-feira, 1 de agosto de 2012

"O tal julgamento do século"


Bom.... tem um monte de conto começado... alguns poemas largados...

Mas a cabeça as vezes precisa ajudar o fígado...

Então, escrevo neste boteco sobre um tema que me deixa emputecido. Mas enfrentar fantasmas é um bom mecanismo para derrotá-los.

Segue lá...

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A partir de amanhã voltaremos aos monocórdios...

O julgamento do tal crime do século, o "mensalão", tomará conta do noticiário. Será a luta do bem contra o mal, o trololó do "só acontece no Brasil" e cousas do gênero.

Odeio o "mensalão". Por inúmeras razões o considero um dos mais execráveis exemplos de como estamos perdendo nossa capacidade de crítica e de reflexão em nome de uma estúpida – repito, estúpida - guerra de torcidas.

O episódio é, sim, um divisor de águas importante. Uma parcela do PT ruiu com o episódio. Entretanto, não foi a ocorrência ou não do valerioduto a responsável pela saída, pelo distanciamento, pela ojeriza. Houve um processo de degeneração em que o mensalão pode ser considerado a cereja do bolo, o broche que puiu o vestido. É este processo que deveria ser enfrentado por todos, com coragem, que fizeram e fazem parte do PT e que fizeram e fazem parte da esquerda no país.

O "mensalão" como mesada para parlamentares no Congresso Nacional parece que não existiu. Não há provas da mesada. Não há ligações das votações no congresso e os recebimentos de numerários por parlamentares. Ademais, muitos parlamentares agraciados eram do partido do governo o que dá a tese da mesada um status de carochinha. Bom, mas, porém, contudo, entretanto, é tão evidente quanto à luz do sol que o episódio não se restringiu a um "mero" caixa dois de campanha, de "financiamento ilegal de campanhas políticas". Este é o maior equívoco do PT: tapar a luz do sol. Circularam recursos provenientes de diversas fontes para abastecer cofres de partidos e de políticos e houve, sim, enriquecimento de alguns. Ora, o enriquecimento se prova pela alteração de "status" social, pela mudança de hábitos, pelo aumento do "consumo". E houve, sim, a utilização desses recursos como forma de pressionar e criar uma "maioria" parlamentar - do tipo, "olha lá como vota porque do contrário àquela sua dívida de campanha não será quitada..." - e uma folgada maioria partidária, interna - do tipo “olha lá como vota porque do contrário àquela sua dívida de campanha não será quitada”.

Mas o mais nojento do episódio é a demonstração da "nossa indignação seletiva". O movimento de combate à corrupção passa a ser na grande mídia (paremos com esta bazófia de PIG, esta bobagem inventada para justificar o injustificável) um movimento de desgaste do PT e do Lula, somente. Não se fazem matérias sobre a compra de votos no processo que alterou a Constituição da República para conferir à FHC a possibilidade da reeleição. Não repercutiram as denúncias sobre as falcatruas generalizadas, amplas e irrestritas dos processos de privatização. Não se fala da Alstom e das obras do metropolitano em São Paulo. Nunca mais se falou da inspeção veicular na cidade de São Paulo.

Agora chegou a hora do julgamento no STF. O que é outra excrescência, em razão do julgamento só ocorrer na Corte Constitucional em razão da insensatez do "foro privilegiado". Mas, na regra do jogo, que o julgamento seja o que deve ser. Que dentro do que está comprovado nos autos, seja a mesada, seja a cooptação, seja o caixa dois, seja o diacho a quatro, punidos e com o rigor que a lei exige. Que nos casos onde a prova foi impossível, que a regra do direito valha acima das regras de conveniências da "opinião pública".

Mas, sobretudo, que tenhamos coragem de sair deste episódio com menos cinismo. Que comecemos a exigir o financiamento público de campanha e mandar para o ostracismo aqueles que convenientemente deixam este debate ao relento, tanto nos partidos como no Congresso Nacional. Que comecemos a entender que as regras do processo eleitoral devem ser rígidas, mas devem ser de fácil interpretação, que não dependam de interpretações de gente iluminada. Que comecemos a enfrentar, de fato, a questão da democratização dos meios de comunicação, com o intuito de estimular a pluralidade de opiniões e diminuir espaços para calúnias, difamações, falatórios, fofocas nos meios de informação e formação de opinião. Que discutamos as razões da publicidade oficial, afinal o "valerioduto" - o tucano de Minas e o petista - nasceram da utilização de uma "agência de publicidade" como "intermediária" das operações, ser tão custosa, tão cara e tão desregulamentada (o princípio da impessoalidade é ofendido em grassa maioria das propagandas chamadas institucionais).

E que o PT saia da letargia, deixe de colocar a culpa em outrem, e entenda que não dá para fugir deste debate em nome de uma "pseudo" superioridade programática. Há que se reconhecer que no mínimo houve um grotesco, um gigante, um monumental erro político. Que este erro custou muito caro ao partido. E, porque não, custou muito caro à nossa história.

Por fim, o texto é repleto de ironias. Ter que explicar ironia mostra que o texto está é malfeito. Neste caso, este palpiteiro pede perdão. É o fígado que escreve. Odeio o “mensalão”.

agosto, 01. 2012.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

As cinzas de uma cidade

Escrevi estas linhas no tal do feicebuqui. Mas é que tem coisa que deixa a gente triste. É preciso escrever, um exercício para desopilar o fígado.

São Paulo, a cidade, o estado: O que estamos fazendo com a gente? Cinzamente.

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São Paulo está uma cidade feia. Que enfeia a cada dia. Que fica cinza asfalto, cinza vida, cinza hipócrita.

Fecharam o Bar do Binho...
http://marcelinofreire.wordpress.com/2012/06/01/binho-moinho-pinheirinho-2/


Quem não conhece o "Sarau do Binho" desconhece talvez uma das mais interessantes manifestações culturais que acontecem na parte bela de São Paulo: Os saraus. É o Cooperifa, organizado poeta Sergio Vaz (
http://www.colecionadordepedras1.blogspot.com.br/), é o Sarau do Fundão, é o Sarau do Binho, e são outros entre outros.

Nesses lugares afastados da Berrini, da Vila Olímpia, dos Pinheiros, da Paulista, da descolada Vila Madá, pessoas se encontram para declamar, contar, cantar, vivenciar.
Pois bem, o Binho não conseguiu “regularizar” sua situação com a Prefeitura, a despeito de uma luta inglória contra a burocracia. A Sub Prefeitura do Campo Limpo foi lá e prum: mandou fechar.

http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2012/05/kassab-fecha-bar-do-sarau-do-binho

Tudo pela lei! Ora, a lei...

Ora, pelotas! Recentemente um empreendimento imobiliário recebeu “carta branca” do prefeito, mesmo descumprindo as contrapartidas que legislação municipal exige dos chamados “polos geradores de tráfego” (não confundir com tráfico, de influência). Separei algumas matérias do Estadão que contam a novela do “shopping JK” para formular um singelo convite aos que tiverem paciência de ler este desabafo figadal:

1) Em razão da fiscalização da prefeitura e do Ministério Público, o shopping JK não tem licença de funcionamento. A matéria tece loas ao empreendimento e menciona os “prejuízos” e a “decepção dos investidores estrangeiros”

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-so-na--minha--esquina-que-tem-transito-,863165,0.htm

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,multa-diaria-de-r-500-mil-sera-anulada-,874933,0.htm

2) O Prefeito recua, muda de ideia e dá “sinal verde” para a abertura do shopping...
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,prefeito-autoriza-abertura-do-shopping-jk-iguatemi,875098,0.htm

3) O shopping ainda não foi aberto, porque o MP não entrou na lorota e porque não há base legal para tanto, apesar dos esforços do prefeito para encontrar “brechas jurídicas” para a tão sonhada inauguração de mais um templo na cidade:

http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,prazo-para-abertura-do-shopping-jk-continua-indefinido,881082,0.htm

Eis aqui o meu convite: Debater como Binho e o dono do shopping são tratados pelo poder público. Discutir como um e outro têm acesso ao poder público. Analisar como um e outro episódio são tratados pelos jornais, pela imprensa. Um clamor ao debate de qual é o papel de anunciantes na política editorial dos órgãos de imprensa. Um convite para enfrentarmos a questão do financiamento das campanhas eleitorais.

Enfim, concluo: O fechamento do Binho é mais uma demonstração cabal da lógica podre, nojenta, excludente e feroz que é a marca desta administração municipal, a de Serra e a de Kassab, pois uma só existe em decorrência da outra. Talvez Binho não tivesse a proteção da “Santa Imaculada da Especulação Imobiliária”, uma santa “empreendedora” que é a santa de devoção do atual alcaide e de tantos outros por aí.

Ou Talvez o colorido do shopping seja tão tamanho que ofusque e as coisas ofuscadas tendem a ter o mesmíssimo tom: cinza.
 

12. junho, 01. 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Diamantes são eternos


Foi num 24 de maio, em 1942, que Leônidas da Silva, o Diamante Negro, fez sua estréia no São Paulo Futebol Clube. Leônidas é um dos deuses do ludopédio e é o melhor jogador de futebol de todos os tempos, segundo todos os compêndios de futebol no universo. No meu time de botão é o nove (o dez é o Raí, óbvio).

Fiz este texto depois de outra estréia. A do Marco Antônio no Cícero Pompeu de Toledo, em 2006. Um dia especialíssimo e que rendeu estas linhas que originalmente foram publicadas no Blogue "Os Bolonistas".

O link para o original, aqui: http://osbolonistas.zip.net/arch2006-02-01_2006-02-28.html#2006_02-01_12_42_41-2402205-25


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Bolonistas que sabem que nem tudo é Copa do Mundo,



Há quem faça comparações entre Leônidas e Pelé. O teipe, a melhor invenção para a memória, não favoreceu o Diamante, o que é uma pena. Mas diria que Pelé é daqueles que todos acham a mesma coisa, inclusive o Romário, que ele era melhor e tal cousa, lousa e mariposa. Era, não contesto. Mas há quem faça comparações entre Leônidas e Pelé, há.


Leônidas inventou a bicicleta. Inventou? Não é verdade. Dizem alguns que a bicicleta já existia em algum campo por aí. Mas Leônidas fez da bicicleta uma jogada habitual, corriqueira, fantástica. Jogou duas copas, o que é uma pena. Deveria ter jogado mais. Os mais velhos diziam que ele era um comentarista muito do ranzinza. Depois de craque, virou comentarista de rádio. Não duvido. Mas, ranzinza ou não, deviam ser comentários preciosos. A bicicleta tem lá suas variações. Os mais puristas afirmam que bicicleta mesmo é aquela que os dois pés estão fora do chão. Daí a puxeta. Prefiro não ser ortodoxo porque a bicicleta é das poucas jogadas que não existem no futebol de botão.


O velho inventor jogou no São Paulo. Foi campeão. Seus jogos no Estádio Municipal lotavam. Quando aportou na cidade, de trem, a estação ferroviária estava repleta. Foi uma festa. É dos maiores artilheiros do Tricolor. Fez goles de bicicleta pelo mais querido.


Um verdadeiro crime não ensinarem histórias do futebol nas salas de aula. Devíamos ter uma matéria específica sobre este tema nos currículos escolares. Tenho receio que Fried, Leônidas, Rui, Bauer, Noronha e Sastre fiquem anônimos. Concordo que a matéria não deva ser obrigatória, alguns preferem jogos de videogame. Respeito a todos, mas não entendo. A aula de histórias do futebol seria sempre a última aula antes do recreio ou antes de acabarem as aulas, para os estudantes exercitarem nos corredores ou nas quadras os ensinamentos. O material didático seriam as figurinhas para a prática do bafo, times de futebol de botão, planilhas de esquemas táticos desenhadas a mão. As estudantes entenderiam um pouco mais sobre este tema que as enlouquecem todos os domingos, ganhariam vários pontos e, quem sabe, um jantar a luz de velas no futuro próximo. Poderíamos até discutir a relação, sem traumas.


Estes pensamentos soltos me ocorrem quando vejo o grande dando os seus pontapés na pelota, na sala do apartamento. Chutes que invadem o corredor, batem no carrinho do pequeno, ajudam a mãe a tropeçar. Ele arremessa a bola para o ar, com as mãos e cai no chão. Outro dia disse: "Pai, sou goleiro". Poy, Pedrosa, Sérgio, Barbosa, Castilho, Valdir Peres, Toinho, Gilmar Rinaldi, Gilmar dos Santos. Rogério Ceni e Zetti. A galeria é enorme, penso eu. Será que ele vai se interessar pelo tema, quando as meninas chegarem na vida dele? Quando ele descobrir a bicicleta e a liberdade, a sessão de cinema, a matinê, os "bailinhos", o grêmio escolar? E o pequeno? Será que vai gostar? Quero ir ao parque com eles. "Chuta a bola, papai". "Chuta". A bola quase derruba o vaso sobre a mesinha de centro. Tiro o vaso e a mesinha, instinto.


Nas aulas de histórias do futebol também haverá espaço para aquela reunião com os pais e mestres. A escola convidará mestres para participarem dos colóquios entre professores, pais e estudantes. Nesse dia me lembro que o Mestre convidado a participar da reunião era o Mineiro, volante do tricolor em meados da primeira década do século, autor daquele gol maravilhoso contra o Liverpool, que conferiu a terceira estrela de campeão mundial. O Mineiro, com aquele jeitão simples dele, tão campeão e tão modesto, contando causos da bola, falando de craques e vestindo uma camisa sete. O grande dispara uma pergunta, com um sorriso maroto, me deixando desconcentrado: "Mineiro, qual o gol mais bonito que você fez?". Silêncio. Fiquei compenetrado. "Menino, lembro até da data. 21 de janeiro de 2006. Morumbi. Era o primeiro jogo depois do Mundial que fazíamos no nosso estádio. O jogo era contra o São Caetano. Estava difícil, sabe. O time tentava, o Tiago fazia um bom jogo e a bola não entrava. O goleiro deles, o nome dele era Silvio Luís, estava num dia daqueles. Uma bola já tinha ido parar na trave. Foi num desses ataques, o Grafite mandou outro balaço na trave, na volta da bola percebi que não tinha jeito. Ou melhor tinha, o jeito era tentar a bicicleta. E olha, foi exata. Pé na pelota, corpo no ar e golaço. Foi o gol mais bonito que fiz." Vi até umas lágrimas nos olhos do bravo volante. "Mineiro, eu sei. Estava lá com o papai." O menino sorri. As lágrimas, percebi, não eram do volante.


Há quem faça comparações entre Leônidas e Pelé. Eu não faço. Mas acho que o Leônidas inventou a bicicleta, o que para mim é o mais importante.



01.02.06 – São Paulo 2 x 1 São Caetano, 21 de janeiro de 2006. Estréia do Marco Antônio no Cícero Pompeu de Toledo. E o gol do Mineiro, de bicicleta, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=oWRNCzvO6i4

terça-feira, 15 de maio de 2012

As fitinhas...



Este texto é para os meus meninos, Marco Antônio e Leonel. 

Outro dia mesmo, numa festa de aniversário, coloquei uma fita no pulso deles, fita dessas que fecham as "lembrancinhas". Dei três nós e disse: "Façam três pedidos, um para cada nó."

O Grande sorriu farto, naquele jeito zen dele. E o Pequeno emendou: "Pai, mas como é que eu vou fazer para saber se os pedidos vão se realizar?" 

Respondi que não tem como saber, mas que agora que o desejo foi feito a gente tem que tentar ajudar a tal fita e torcer. Os dois riram, desconfiando da tramela do pai.

As fitinhas ainda estão nos pulsos dos dois. Que tenhamos sorte.

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Senhor do Bonfim


“Sabia, filho, que toda noite, para a primeira estrela que a gente vê a gente faz um pedido?” O menino arregalou os olhos e ficou imaginando aquelas possibilidades. O pai apertou bem forte a mão do menino, fechou os olhos e deve ter feito um bom pedido. Sorriu. O menino emendou: “Pai, mas porque a primeira estrela?” E o pai explicou que tinha sido o pai, o avô no caso dele, que tinha ensinado este truque. E que tinha que ser a primeira estrela porque ela era a primeira a brilhar depois do Sol, que todos sabiam era a grande estrela da constelação. E que as estrelas são sempre atentas a responder com as realizações dos desejos esta pequena canja que o Solzão lhes dá. O menino sorriu também. Intuiu que o pai contava uma dessas lorotas de encantamento, mas ficou feliz da vida. E compartilhou com o pai um desejo: “Pai, quero que o São Paulo seja campeão.”


Foi uma doce gargalhada. Acompanhada de abraço, cumplicidade. Mas o pai advertiu: “Eita, que tem que ser segredo, senão a estrela não atende! E filho, não se pode fazer pedidos assim. Porque as outras pessoas também pedem para as estrelas e se todas elas pedirem para que o time seja campeão vai acabar tudo empatado e no fundo não vai vencer ninguém. Faz um pedido só para você. Do tipo um beijo, um brigadeiro ou uma figurinha difícil.” E deu um beijão no menino.


De fato, todos sabemos que esses desejos nem sempre são atendidos... O problema é determinar a “primeira estrela”. É um problema técnico dos mais graves. Na primeira desilusão amorosa do guri, afinal a menina resolvera voltar para a escola com o menino da quinta série, pois a culpa na tal estrela. E foi ter com o pai. Percebendo a severidade do momento a explicação foi técnica e bastante convincente: “Ah.... sempre temos que cuidar das estrelas. Sabe que Vênus, que é um planeta, como a Terra, e não uma estrela, como o Sol, brilha tanto que a gente confunde tudo? Sabe aquela música de carnaval, a da “Estrela Dalva que no céu desponta”? Então, esta estrela aí não é nada de estrela. É Vênus. Que brilha tal qual a Lua.” E quase rapaz não gosta muito de beijo de pai, então foi um bom abraço, daqueles demorados de rachar costela. Mas sorriu, tal qual o primeiro desejo.


Numa noite de céu todo manchado de luzes, cometas, cadências e que tais, o rapaz foi direto ao pai e numa troça replicou: “Pai, eu sempre peço para ganhar na loteria.” Mas teve que ouvir outra: “É por isso que nunca dá certo. Este pedido é tão besta que todo mundo deve fazer o mesmo. É o tipo de coisa bem boba de pedir. Um desperdício.” Mas ainda teve debate: “Xi, pai, a lista de coisas que não pode é muito grande. Acho que não vou pedir é mais nada.”. “Deixa que eu peço por você.”


No fundo o menino, o guri, o rapaz, todos eles sempre souberam que o pai sabia que as estrelas não tem como atender pedido nenhum. Ainda que uns vários beijos, umas questões de provas, um gol no fim do jogo do campeonato da classe ou um ingresso para aquele filme proibido teimassem em dar razão ao improvável. 

12. maio, 15.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

“Como se fora brincadeira de roda”



Eram cinco ou seis anos de idade. Antes de ir parar no Colégio Objetivo. Antes de querer ser o Zé Sérgio, o estupendo e genial e espetacular ponta esquerda do São Paulo Futebol Clube. Antes de gostar de cinema. Era a escola “Baratinha Azul”. E são lembranças esparsas, algumas com cores, outras sem. Um ou outro perfume, um ou outro rosto. De minha vó Tereza contando histórias, diversas delas – minhas preferidas, as estórias de lobisomem lá de Joanópolis, terra onde ela nasceu. De minha mãe Maria Helena contando histórias também, lia livros de criança, aos montes. Da mãe fazendo altas estripulias para que a gente se aprontasse a tempo de ir para escola. De uma festinha do dia dos pais em que eu fui fantasiado de Seu Nilton, de terno e gravata. De meu irmão fazendo planos nas brincadeiras de faroeste. De assistir cinema com meu pai e o Du na Galeria Metrópole – Superman. De minha mãe, também no cinema, lá no Bristol ou no Liberty, “Bugsy Malone” - em português, a irresistível tradução “Quando as metralhadoras cospem”. Enfim, memórias. Reminiscências. Belezas, distantes demais, infelizmente, já que quase, bem quase, quase mesmo, aos quarenta anos.


E há uma lembrança da ditadura. Duas, na verdade. Sim, a ditadura era o governo dos militares. Um governo feio, já que este é o único adjetivo perverso para um menino de seis anos de idade. A primeira lembrança de um cantarolar no recreio da tal “Baratinha Azul”... “Vai trabalhar vagabundo”. E a moça me chamando num canto dizendo que “vagabundo” era uma palavrinha feia – o adjetivo mais perverso de todos... Soube, depois - e talvez por isso esta memória me seja viva, correndo sério risco de ser uma daquelas que a gente constrói na cabeça da gente, tipo a primeira vez que vimos “Papai Noel” correndo pela escada do prédio-, que meus pais foram chamados na escola para uma reprimenda oficial: “Seu filho anda falando palavrão na escola”. E Seu Nilton, perguntou: “Que palavrão???”. “Vagabundo”. E ainda fizeram troça com a música do Chico Buarque, emendou a explicar Dona Maria Helena. Era um país onde Chico Buarque e “Vai trabalhar vagabundo” não eram cousas para um menino de classe média sair por aí cantarolando sem pudores e vergonhas... Evidentemente que a conversa sobre o significado daquela reprimenda escolar só foi debatido, explicado e se tornado piada muito tempo depois. Mas guardo a cara do meu pai: “Um absurdo aquilo.”. Era um absurdo, mesmo. Era proibido. Era daquele jeito.


A segunda lembrança é a de uma peleja de futebol, por óbvio. Minhas memórias são mantidas e alimentadas por partidas de futebol. Mas este é um tópico para outros textos. Quero falar da ditadura e das minhas memórias sem sapatos e de shorts. O jogo era a final da Copa de 78 na Argentina, entre os hermanos e os holandeses, o “Carossel”. “Fernando, pra quem você está torcendo?” Sabe-se lá quem perguntou. Mas foi na casa de minha vó, todos reunidos na cozinha, junto ao radinho de pilha, a TV com bombril na antena. “Argentina”. E ouvi a resposta: “Não torce pra Argentina não. Se eles ganham a Copa os militares vão matar mais gente, o governo vai matar mais gente, vai piorar...”. A gravidade das assertivas: “matar gente” e “vai piorar”. Provavelmente a resposta não foi exatamente esta. Provavelmente meu pai, minha mãe e meu vô João devam ter dito algo a favor dos holandeses, mas nunca nestes termos que minhas memórias insistem em martelar. Mas a memória, ainda mais esta que lembra das infantilidades, tempos em que sorrisos eram mais sinceros e tristezas eram mais lamentadas, embora mais simples e finitas, nos fica ali a demonstrar quem somos, quais os tijolos estão nas fundações.


Tenho quase quarenta anos. E ainda assim tenho minhas memórias de criança e faço questão de conversar com elas, aprender, ouvir, construir, pesquisar, reconhecer, saber. E fico cá a me perguntar por quais raios o Brasil insiste em negar sua memória e a macular, por outro lado, a memória de tantos brasileiros que ousaram cantarolar vagabundices pelos cantos deste país. Fico cá a me perguntar se o que temos é covardia de enfrentar militares de pijamas e polainas ou é medo de descobrir que o aparelho repressor do Estado continua o mesmo, com os mesmos tijolos. Será que temos receio de descobrir os cúmplices civis que não só silenciaram como se locupletaram e perceber que estes andam por aí, que jantam sem culpa e que brincam de democracia nos quintais do poder? Será que receamos conhecer os mecanismos de financiamento da repressão e de sustentação ao poder político e como num “plim-plim” perceber que as coisas continuam com a mesmíssima fundação? Será que nossa vergonha é tamanha que não teremos a dignidade de pedir desculpas? Será que temos o pavor de descobrir corpos de desaparecidos políticos em covas clandestinas e encontrar nestas covas outros clandestinos pobres, negros, índios, crianças de rua, mulheres? E perceber, aturdidos, que estas covas continuam a serem alimentadas, cotidianamente?


E ainda assim tenho memórias, perguntas, dúvidas e dívidas. E é bom reconhecer que, felizmente, não estamos sozinhos. 

12. abril, 02.
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Este texto escrevi para a Quinta Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR, uma campanha nas redes sociais para que o Brasil abra, disponibilize e debata os arquivos da ditadura militar, de 1964 até 1989, ano da primeira eleição direta para presidente do país depois do golpe.

Sobre a campanha, deixo alguns links importantes: 


O Blogue #DesarquivandoBR:  http://desarquivandobr.wordpress.com/

Minha participação na Segunda Blogagem #DesarquivandoBR: http://quodores.blogspot.com.br/2011/02/onde-ele-esta.html

O Tuíter da Niara de Oliveira, das pessoas mais fundamentais da "tuitosfera": https://twitter.com/#!/nideoliveira71

O Tuíter do Du, meu irmão, citado no texto:  https://twitter.com/#!/edu50740

Por fim, o link no VocêTubo do "Redescobrir" do Gonzaguinha, na voz da Elis, que inspira o título deste texto: http://www.youtube.com/watch?v=bMfhOAWksvg&feature=related