quarta-feira, 31 de março de 2010

Futebol também ensina

"Mais um texto publicado n´Os Bolonistas...
O original, com sorte, aqui: http://osbolonistas.zip.net/amaral/arch2009-03-01_2009-03-31.html

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"Mas quem vai?"


Aos domingos, sempre com um radinho de pilha, nunca pela televisão, acompanha aos jogos do seu time de futebol. Vê lances imaginários que só acontecem nas suas transmissões. A bola descreve parábolas perfeitas e a gritaria da torcida é sempre reverberada pelo coração. Que bate forte.


Era catedrático na Escola de Psicologia. Tinha vários diplomas, mestrado, doutorado, cursos, palestras, conferências, seminários. Era um estudioso nato. Figura carimbada dos programas de televisão, de rádio, da rede mundial de computadores. Mantinha uma página na rede e um espaço para pequenas reflexões diárias. Seu assunto predileto era o amor. Sim, o indecifrável amor era seu objeto de pesquisa, seu flerte, sua paixão, seu... amor.


Não definia o amor. Rejeitava todas as possibilidades de criar parâmetros objetivos, escalas de sentimento, definições de dicionário. Para ele era o amor algo que se definia no caso concreto. Tinha horror a gráficos.


Poucos sabem, mas foi seu amor de infância, evidentemente não correspondido, que o fez devorar livros e livros, e mergulhar numa pesquisa infinda sobre este sentimento humano. Considerava o amor humano demais, uma das cinco, ou seis, características fundamentais que somente os seres humanos poderiam sentir, na plenitude. Rejeitava, porém, os rótulos fáceis, o romantismo e as teimosias.


Amava aquela menina, percebeu anos depois. Um amor profundo, mas um amor idealizado. Amava um simulacro, uma imagem, uma idéia. Ao identificar esta característica daquele amor passou a querer entender as razões, os mistérios e descobrir uma tal verdade. Tentou, em vão e em equações, provar que aquele amor não era amor de verdade. Escorregou nos sentimentos.


Desde o fim daquela pesquisa, e com o resultado mais fértil que pode encontrar, amou e “desamou” pessoas de verdade e escreveu tanto sobre o assunto que lhe fizeram doutor. Conseguiu entender a dor de cotovelo, compreendeu Lupicínio e passou a ter Roberto Carlos na sua coleção de vinis. E deu o nome de “Deckard e Rachael” ao curso que ministrava na graduação.


Numa aula, quarta feira, quase onze horas da noite, um aluno fez a pergunta habitual, e de quem não entendeu patavina: “Professor, então não há diferenças entre amor e paixão?”.


Coçou a cabeça e deu uma boa risada, mas tímida. “O jogo do futebol... Começam e findam com o apito do juiz, que pode ser um olhar, uma coceira ou um flerte, uma mentira, a morte ou mesmo o simples fim de jogo. Meu amigo, a paixão é o jogo bem jogado, a partida de craques e suas jogadas plásticas, lindas pinturas e quadros de cinema. Se o jogo é feio, não há paixão que sobreviva. Ao amor, meu caro, não importa os três pontos, a vitória ou a derrota, o gol feio, a plástica. Ele é.”.


"Então, professor, a paixão é sempre mais bonita?". Outro sorriso, mais tímido que o primeiro, mas da alma:" O jogo bonito não é necessariamente a partida bonita.... é o jogo, menino. O jogo.".


Fechou os apontamentos, e alguns poucos já entenderam, ligou o radinho de pilha, tirado da mala surrada. E se despediu: “Está começando o segundo tempo. Até a próxima semana.”.



09. março, 24.

2 comentários:

Vanessa Dantas disse...

Meu texto preferido! Mas isso você já sabe.

ELA PERGUNTA: É amor ou é paixão?
ELE RESPONDE: Os dois.

Beijo.

Thelma Torrecilha disse...

Goooooool... Golaço!