terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sempre altaneiro...

No centenário do Sport Club, próximo do aniversário de 96 anos da Sociedade, texto que fiz para o meu sócio no escritório, o Ricardo, em 2008.

O original, aqui: http://osbolonistas.zip.net/arch2008-06-01_2008-06-30.html#2008_06-23_18_56_36-2402205-25


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Bolonistas Fiéis e Infiéis...



Exuberante. Estonteante. Maravilhosa. Escultura. Sobrenatural. Ela era assim, sem tirar nem por. E os olhos não tiravam o foco, não desviavam nem para respirar. E ruiva, o que lhe alimentava os mais delirantes fetiches de adolescência. Era assim que ele a viu, no elevador. A vizinha do quarto andar. E que perfume...



Era um martírio. Ele esperava algum sinal do quarto andar para enfim chamar ao elevador. Mas a angustiante espera foi se prolongando. Os horários eram incompatíveis. Passou a usar a escada e nada. Até perguntas fez ao porteiro, indiscretas. A única resposta: “Mudou-se para cá faz pouco tempo, é aluguel.”. O chato do porteiro mais nada adiantou. Casada? Solteira? Dirigia aquele Fiat prata, a perua blazer ou o corcel branco? Nada, nada de respostas



Exuberante. Estonteante. Maravilhosa. Escultura. Um deleite para olhos e narinas. E para os ouvidos. Tinha uma voz rouca, daquelas que parecem sussurrar. Percebeu que ficou absolutamente entregue, atônito. Nas nuvens. Ela agradeceu a gentileza, ele abriu a porta. Vagarosamente. E ainda deu tempo para dar aquela providencial “conferida” nos atributos da moça. Espetáculo.



O martírio prosseguiu. Sonhava com a voz, acordava transpirando, suplicando, desejando. Passou a só usar as escadas na esperança vã de encontrá-la. Chegou até a bater propositalmente na traseira do Fiat e deixou bilhete. Mas quem apareceu foi o vizinho do oitavo, um brutamonte de três metros. O porteiro? Continuava impassível. Homem sem coração.



Exuberante. Estonteante. Maravilhosa. Um supremo e delicado poema em homenagem aos seres humanos. Foi indisfarçável a emoção, quando madrugada, se encontraram voltando de baladas. Ele estava um pouco bêbado, ela também. Ele fez um gracejo, daqueles idiotas e banais. Ela sorriu. Um sorriso de diva. Tez de porcelana. Sardas. Covinhas. Definitivamente ele estava completamente apaixonado.



Resolveu que não podia mais viver naquele marcante suplício. Resolveu que era hora de dar o bote. Pensou em flores. Pensou em chocolate. Pensou em algum livro de poema. Naquela paixão arrebatadora, pensou em fazer vigília em frente ao apartamento. Pensou em morar no elevador. Pensou tantas coisas que adoeceu. O porteiro? “Ela é a dona do corcel. Carro esquisito, né?”.



Exuberante. Estonteante. Ele a encontrou na portaria, antes de subir. Não havia luz. A chuva derrubara fios, postes, árvores. Mas deixara também delineadas e perfeitas as curvas da ruiva do quarto andar. Estava em frenesi quando subiu os primeiros degraus, acompanhando-a passo a passo. Febre, boca seca, dor no estômago, o perfume dela, o rebolado, as curvas. Uma mistura de sensações e olhares que o transtornavam. Teve certeza absoluta, quando a deixou na porta do apartamento: “É a mulher da minha vida.”



Enfim, ou a coragem dava as caras ou sentia que iria esmaecer. De tanta paixão. Em transe traçou os planos para o enfim. Um a um. E deixou recados aos amigos e parentes que se desaparecesse por alguns dias, anos ou décadas seria em razão do não. Caso contrário, também desapareceria, mas os planos incluíam lareira, serra e fondue. O porteiro foi quem deu o recado: “Ela chegou.”



Exuberante. Ele tocou a campainha e ela apareceu. Soube pela primeira vez o que sentiu Rick ao beijar Ilsa ao som da Marselhesa. Reconheceu Cardinale, Sofia, Salma e Nicole. Teve frio na espinha. Sentiu o coração quase explodir. Teve lágrimas nos olhos. “Oi... tudo bem... posso... entrar?”.



Não deu tempo de ouvir a resposta. Estava quase nua, mas vestia uma camiseta do Sport, rubro negra. Lembrou-se do jogo da Copa do Brasil, da grande final, do jogo da redenção, a Libertadores, do alívio. “Eu nunca vou te abandonar”. Desmaiou. Acordou no Hospital Santa Catarina e ainda deu tempo de ver a entrega das faixas para o time de Pernambuco. O porteiro o acompanhava, com uma camiseta do Palmeiras e um sorriso no rosto. “A placa do corcel era de Recife, eu tentei avisar.”



08. junho, 23.

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