sexta-feira, 30 de maio de 2008

Letras do Alfabeto



Querelar

Querer

Quero.


Que coisa?


Querida,

Quereres.



Queijo?

Queixada?

Queixo?


Querubim.

Que é isso???


Querelas, meu bem. Com quê.


2003.


terça-feira, 27 de maio de 2008

Cordão no pescoço

Tic tac tic tac tic....


Desde menino. Os mesmos passos. Os do pai e os do avô. A loja, a pequena loja de miudezas. Cinco e meia, e acordava. Cinco e quarenta, o banho quente. O vapor no banheiro, outras partículas, mas os desenhos eram os de sempre. Os da toalha, azuis. Sempre, com os relógios sincronizados matematicamente, o da parede da sala e o da geladeira, marcando inapeláveis seis, os ponteiros cravados no seis, era o cheiro do café, sempre austero, forte, sem açúcar ou adoçante. E o pão com queijo. E a banana, amassada e com aveia. Os pratos marcados com o tempo e os arranhões dos mesmos garfos.



A mesma falha no segundo degrau da escada. Os mesmos pedidos da mãe, que também foram da avó, de pegar a velha blusa para os casos de frio. Não importava o sol, o bafo, o vento. As mesmas considerações sobre o tempo, sobre a vida, sobre os vizinhos. A mesma pausa para conversar com o dono da padaria. A mesma bicicleta que levava o pão. O copo de leite.


O portão da loja. A mesmíssima fechadura com o eterno defeito na terceira tranca. A velha tramela e o ranger de sempre, no imenso balcão de madeira. O mesmo tilintar da máquina de contar. Os mesmos cuidados com o pó, o mancebo, as vassouras, os nós dos fios de lã. E o rádio, na estação habitual, a música cotidiana que informa sobre a cidade.


A freguesia. A pausa para o café coado. O imenso baú que nunca era vendido, mas estava lá, com o preço do avô. A cantilena da pechincha. O fiado lascado. As moedas. A linda apontadora do jogo do bicho, bisneta da primeira funcionária da lotérica ao lado. A mesma aposta de cinco mil réis no Galo, na dezena.


O almoço comercial no bar ao lado. A conta na fatura. Uma compensando a outra, a panela nova pelo tutu. De feijão, nas segundas feiras. A pequena sesta no quarto no fundo da loja. O hábito da cigarrilha e do vermute. Esperar pelo tempo, que passa. Corriqueiro.


Naquele dia, não. Ao fechar o portão da loja, dezoito badaladas do relógio da matriz, o assalto derradeiro. O coração. E mais uma estatística. Rotineira.


2008. maio.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Contos de Uma Fada Pós Moderna

Próxima Parada...


Seria tolice não esperar por ela. Seria uma burrice homérica, daquelas sem par. Ainda que o último ônibus partisse dali a cinco minutos. Ainda que depois do último, só na madrugada alta com quase sol. De outro dia. Mas ele tinha a estranha e irremediável convicção que esperar por ela seria a única opção racional. A opção para ser feliz.


Conheceram-se e combinaram o encontro daqueles jeitos improváveis. Ela estava comprando bolachas doces numa dessas lojas de confeitos que se espalham pelo centro da cidade. Ele escorregou, de forma patética, na porta do estabelecimento. As causas risíveis aproximam as pessoas.


Ela o ajudou. Pagou o café. E durante o café uma vontade louca de lascar um beijo naquela boca ressecada pelo frio. Fez. E dali para os corpos se atracarem foi um passo. Doze, na verdade. À distância para o motelzinho barato e com estrados barulhentos. Fizeram muito barulho. E fizeram tudo. Mesmo. Só de relembrar, ruborizou.


E combinaram, apressados, indo embora do “randevu”, se encontrarem na rodoviária. Descobriram a estranha coincidência de não terem destino certo, além da intensa vontade de serem felizes. E ele tinha um bilhete para longe, entrevista e emprego certo, para finalmente ganhar independência. E ela, a intensidade exata. Daria tempo de conversar, se conhecer, trocar experiências, beijos, carícias e os lençóis. Parecia a única coisa correta a se fazer. A única. E a certeza dele se firmava em todas as lembranças dos lábios e dos arranhões que ainda doíam nas costas. E a certeza da alma, devorada e apaixonada.


O último chamado. O bilhete na mão. Motorista na espera. Rostos ansiosos e com sono dentro do coletivo, suplicando para seguir viagem. O último. Os minutos eternos. A rodoviária quase vazia. Quase sem luz. Escura. Olhou o bilhete pela última vez. O entregou ao diligente motorista. Acordaria, às seis da manhã, quase chegando ao destino incerto.


2008, maio.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Coisas do Brasil - Blogagem Coletiva




Quem me convidou foi o Rubens.

"Escrever sobre o Brasil". A proposta é da Andréa Mota, do blog "Eu leio o mundo assim".

Topei. Sem saber direito o que era.

Mas uma produção coletiva sempre me atrai.

A tarefa é escrever sobre a cidade em que nascemos. Nasci em SP. Na gema. Da gema.

Resolvi manter o padrão dos textos do "Quodores". Uma crônica. Não necessariamente na primeira pessoa. Ficção, sem ser necessariamente irreal. Real, com o compromisso com os mais tolos devaneios.

Visitem o blog da Andréa e conheçam os outros "blogueiros" e os outros textos.

http://leioomundoassim.blogspot.com/

O texto saiu assim.

Gostei. Da "blogagem" e da experiência.

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Um chope e dois pastéis, por favor



Acordou cedo. Bem cedo. A cidade que nunca dorme, dormia. Cinzenta, ainda. A poluição, talvez. São milhões de carros enfumaçando tudo. Mas era a névoa típica de uma cidade que já foi da garoa. Nenhuma outra cidade tem aquelas cores. Uma estranha, rocambolesca e química mistura de cores. O sol começa a aparecer. Os primeiros raios. Vermelhos. De vida. E paixão.


Desceu apressado, pela escada. Os elevadores estavam em manutenção. Há prédios para todos os tipos de estudantes de arquitetura na desvairada cidade de Mário de Andrade. Prédios e mais prédios. Arranhas céus típicos da Malásia. Pequenos prédios de três andares de um tempo em que se dizia bom dia.


Na pressa, quase cai escada abaixo. Quase. Ainda bem que não caiu. Com o plano de saúde, estava em débito. Os melhores centros de medicina da América Latina e hospitais de primeiro mundo se encontram nos índices com um sistema deteriorado de saúde pública, péssima gestão, endemia de qualquer administração.


Disse “bom dia” ao zelador. Na retribuição do gesto, o primeiro sorriso numa cidade que quase não sorri. Sisuda, a vizinha do 23 passeava com o cachorro. Era linda. Mas descuidada, a vizinha. E cuidava da rua, levando uma pá para recolher o cocô do cachorro. Ainda bem. Há bairros de classe média na maior cidade do país que as calçadas estão minadas com ex pertences dos animais domésticos. Há poucos espaços realmente públicos na cidade.


Na padaria, a combinação típica das manhãs na cidade que acolheu Tom Zé: O pão francês na chapa, com manteiga, e a média, o codinome clássico do café com leite. Todos apressados devorando os lanches e os cafés, quentes, fortes. “Um carioca”, foi o que pediu o senhor de bigodes junto ao balcão. Em terras paulistas, o “carioca” é o café mais fraco. Mais uma contradição da velha senhora.


Ouvia no carro Geraldo Filme e Adoniran. As canções falavam da cidade, das antigas senzalas e das novas segregações. Inevitável repensar tudo, num trânsito caótico e maluco, sem preferenciais. Há uma rádio na antiga província Piratininga que simplesmente “toca” notícias do trânsito o dia todo. Vinte e quatro horas, de carros e buzinas.


Fez os planos para a noite. Cinemas, cineclubes, boates, puteiros, teatros, botecos. Tudo há na capital do progresso. E para todos os tipos de dinheiro. Decidiu pela Praça Roosevelt, com teatros, um “teatro bar” do Grupo Parlapatões e um antigo cineclube. Quase no centro da cidade, lá tem um boteco ótimo, onde Elis Regina teria feito sua primeira aparição na terra de Osvald: “Papo, pinga e petisco”. Decidiu que antes andaria a pé pelo centro velho, do Theatro Mvnicipal imponente de Ramos de Azevedo ao moderno Copam, de Oscar. Evidentemente passaria pela Galeria do Rock e compraria algum disco, sim LP, bolacha, vinil, em alguma das lojas. E tinha até o que comprar: Rita Lee, dos primórdios.


E já tinha planos para a madrugada, um churros tradicional e espanhol numa espécie de garagem na Mooca, na Rua Ana Néri, que abre no horário e para os boêmios: A partir das três da manhã. E que fecha as dez da matina. Seria tranqüilo, pois o Juventus jogaria no mais simpático e acolhedor estádio da cidade, na Rua Javari, lá pelas onze horas. Da outra manhã. Não dormiria? Nem a cidade.


Nas divagações e devaneios, nos milhares de paradoxos e esquinas, relembrou que os amigos viriam do interior para a Parada Gay, um dos maiores orgulhos da cidade. E olhou para os missionários de alguma organização mariana que faziam abaixo assinado desfavorável ao aborto. Os choques de uma cidade conservadora e plural, autoritária e libertária, cretina e emancipadora. Enfim, a metrópole.


Pensou no almoço, deliciosamente, na Cantina do Magrão, lá no Ipiranga. E já tinha telefonado para a namorada, para jantar um sushi na Liberdade. Iriam passear de metrô. Do Museu da Língua Portuguesa, da roda de chorinho aos sábados na Loja Contemporânea na General Osório e terminando sorvendo o elixir: chope, no Bar do Léo. Rua Aurora.

A cidade de corintianos, palmeirenses, são paulinos e até dos flamenguistas, cruzeirenses, colorados, tricolores da Bahia, Confiança do Sergipe. Da Lusa. Do Boca, do Napoli e do Atlético, de Madri. A cosmopolita mais provinciana das cidadelas, da Avenida Paulista, das Marginais, da Berrini, do Largo da Penha e das casas dos militares, em Santana.


Lembrou que estava atrasado para o trabalho. Pontualidade. Parou por instantes os planos de lazer... “Bom dia”. Ninguém retribuiu, ainda assim sorriu. O relógio dizia que ainda não eram nove da manhã.


2008. Maio, 16.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Etmologias lisérgicas I


.

Zabrisque lelê, denotasse

Oriundo desdém, linguagem redundante

Ou brado guerreiro, um zunido

Diáspora delinqüente chinfrim

Zabrisque lelê, conativo

Pinimba imaginativa,

Uma colher de pau, madeira sem lei

Zabrisque, zabrisquê!!!!


Oxalá alguém compreenda esse o lê lê....

terça-feira, 13 de maio de 2008

Reflexões sobre o tricampeonato


Publicado um dia no Os Bolonistas...

http://osbolonistas.zip.net/arch2005-12-01_2005-12-31.html#2005_12-21_18_37_13-2402205-25

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Confissões da Segunda Paternidade
Perguntas e Respostas



"Ô Paiê..... Ô Paiê...."


Olhos curiosos. Eles falam pelos olhos, quase sempre. Olhares atentos e olhando a tudo e ao todo. E tudo acaba sendo motivo de pergunta, de porquês e de inevitáveis embaraços, porque explicar as razões de tal coisa ser amarela e não verde é algo que sequer os físicos sabem definir.


"Ô Paiê...."


Estávamos na quadra do prédio. Acompanhados de uma simpática bola de futebol do Tricolor, aquela altura já tricampeão do mundo. Torço muito para que a bola de futebol seja para ele algo mais íntimo do que é para mim. Eu venero a bola, idolatro. Mas a chamo de Vossa Excelência. Enfim, eles que sejam bons amigos. Tinha chovido, bastante, na noite anterior. A quadra tinha poças consideráveis e foi inevitável que pai e filho ficassem descalços brincando de escorregar pelo limo que se tornou a quadra. Eu tentei segurá-lo algumas vezes, noutras ele caiu. E ria. "Porque cai? Porque o Antônio cai, papai?" "Porque a quadra está escorregadia por causa da chuva."


"Ô Paiê... Paiiiiiiiiêêê!!!"


Inevitáveis algumas perguntas, e acho que ele de fato queria muito boas respostas, para as novidades dos últimos dias. "Pai, porque o Leonel não fica de pé?". "Porque o Leonel não fala?". "Porque a mamãe fica com o Leonel?" Fui respondendo, uma a uma, as questões. As respostas seriam convincentes se a velocidade das perguntas fosse um pouquinho menor. E os olhos... falando, gesticulando. Perguntando. Entre uma risada e outra, um escorregão a mais, um chute na bola e um grito de "tricampeão" que deixou o pai totalmente imenso parecendo balão que ia explodir.


"Ô Paiê...."


Ops... Num átimo ele correu para dar outro chute na pelota e bum... rastabum no chão, de costas, com os pés erguidos, tombo de cinema. A camiseta branca ficou escura. E chorou. Saí correndo para acudir. "Filho, acontece, não foi nada!" Um abraço e os soluços continuavam, foi só o susto. "Pai, papai, porque o Antônio caiu?" "Ora, filho, o Marco Antônio correu e escorregou no chão molhado, isso acontece." "Pai, mas porque caiu?" "Filho, o papai quando tinha a sua idade também caía bastante." "E quem levantava o papai?" "O seu avô filho, o vô Nilton, que é o pai do papai."


Enquanto isso, Leonel está ninando no colo da mãe. Feliz da vida. O danado já sorri e os olhos já sabem falar... o irmão entra em casa: "Mamãe... Mamãe... o papai levantou o Antônio, disse filho não foi nada, isso acontece." Acontece, filho. Acontece sempre. Pergunte para a Vó Lena.


2005. dezembro, 12.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Bons Comercias Grudam



Frio, daqueles.

Coberta, cobertor, meia, duas camisetas.

Frio, daqueles.

Edredon. Gigante. Tudo zipado.

Frio, daqueles.

"Quem é..."

"É o frio..."

"Eu não deixo você entrar..."

"Esta música era de um reclame de televisão e de rádio?"

"Putz... mas tá frio."

"Ué... o edredon funcionou tão bem noutro dia. Será que está tão frio?".

O edredon, sem titubeios, respondeu. Na lata:

"Era ela".

Concordou. E voltou a sonhar.


maio.08

segunda-feira, 5 de maio de 2008

De casórios e de casamentos



Originalmente, nos Bolonistas.

http://osbolonistas.zip.net/arch2007-04-01_2007-04-30.html#2007_04-28_01_20_59-2402205-25

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Bolonistas dos Campeonatos Regionais em fases decisivas...


Quem não se emociona com Altemar Dutra não é pessoa confiável. Simples, assim. Esta era a opinião central de Cróif sobre o mundo dos homens. Não, não errei. Cróif nasceu em 1974, sagitariano, batizado assim em homenagem ao maior jogador de futebol da história da Holanda. Aliás, um dos maiores futebolistas do globo, um assombro. Evidentemente que houve erro na grafia, no cartório. Mas este fato é de pouco relevo.


Cróif nasceu e em pouco tempo revelou sua natureza dócil. Era, desde menino, um cara legal. Supimpa. Boa gente. E galante. Com cinco anos já roubara flores para presentear a vizinha, de sete. Da vitrola do pai conheceu clássicos do repertório romântico. E foi e cresceu desse jeito. As suas paixões eram três, além da música: Filme do 007, mulatas e a Associação Desportiva Confiança. Esta última lhe tirava o sono.


Me contaram um dia, nesses dias de boteco, que Cróif era daqueles lunáticos, sabedores dos dezesseis títulos da Confiança no Campeonato Sergipano de Futebol, das melhores campanhas do time no Nacional e que somente vestia azul ou branco. Era febril. Mas a febre não o impedia de ser um cara normal, exceto no futebol.


Pois bem, o fato curioso foi que em um dezembro qualquer Cróif chegou cabisbaixo, macambúzio e ranheta e sentou-se na mesma mesa cinco do nosso bar predileto, seja ele qual for: "Vocês não sabem o que eu descobri...". Confesso, temi. Só podia ser por causa dela...


"Ela vai se casar." Senti a primeira pancada. No estômago. "Ela vai se casar e vai ter festa." Aquilo roeu minhas vísceras. O cara ia desmontar e ia ser aquela cena no boteco. "Ela vai se casar, vai ter festa e porra... eu vou ser o padrinho!!!". Senti náusea. Vertigem daquelas. E, batata, o cara desandou a chorar, daqueles choros que contaminam, que enlouquecem, que arrebentam.


Impossível deixar de divagar. Bar é local de história triste? Sacanagem. Juro, vou me regenerar e parar de beber. E nesse pensamento fortuito vocês nem desconfiam, nem sequer imaginam o que aconteceu. E posso dizer, testemunhei. Lá pelas tantas, umas quinze tulipas, duas doses de "steiéguener" e muita choradeira, música de corno e impropérios múltiplos sobre os nubentes, entra uma mulata escultural, anormalmente bela e ébria, vestida dos pés a cabeça com o segundo uniforme da Confiança, um branco sublime, bestial e estonteante:

"Eu não acredito, você vai deixar eu me casar com ele, seu tapado!!!!".

2007. abril. 28.