sexta-feira, 16 de maio de 2008

Coisas do Brasil - Blogagem Coletiva




Quem me convidou foi o Rubens.

"Escrever sobre o Brasil". A proposta é da Andréa Mota, do blog "Eu leio o mundo assim".

Topei. Sem saber direito o que era.

Mas uma produção coletiva sempre me atrai.

A tarefa é escrever sobre a cidade em que nascemos. Nasci em SP. Na gema. Da gema.

Resolvi manter o padrão dos textos do "Quodores". Uma crônica. Não necessariamente na primeira pessoa. Ficção, sem ser necessariamente irreal. Real, com o compromisso com os mais tolos devaneios.

Visitem o blog da Andréa e conheçam os outros "blogueiros" e os outros textos.

http://leioomundoassim.blogspot.com/

O texto saiu assim.

Gostei. Da "blogagem" e da experiência.

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Um chope e dois pastéis, por favor



Acordou cedo. Bem cedo. A cidade que nunca dorme, dormia. Cinzenta, ainda. A poluição, talvez. São milhões de carros enfumaçando tudo. Mas era a névoa típica de uma cidade que já foi da garoa. Nenhuma outra cidade tem aquelas cores. Uma estranha, rocambolesca e química mistura de cores. O sol começa a aparecer. Os primeiros raios. Vermelhos. De vida. E paixão.


Desceu apressado, pela escada. Os elevadores estavam em manutenção. Há prédios para todos os tipos de estudantes de arquitetura na desvairada cidade de Mário de Andrade. Prédios e mais prédios. Arranhas céus típicos da Malásia. Pequenos prédios de três andares de um tempo em que se dizia bom dia.


Na pressa, quase cai escada abaixo. Quase. Ainda bem que não caiu. Com o plano de saúde, estava em débito. Os melhores centros de medicina da América Latina e hospitais de primeiro mundo se encontram nos índices com um sistema deteriorado de saúde pública, péssima gestão, endemia de qualquer administração.


Disse “bom dia” ao zelador. Na retribuição do gesto, o primeiro sorriso numa cidade que quase não sorri. Sisuda, a vizinha do 23 passeava com o cachorro. Era linda. Mas descuidada, a vizinha. E cuidava da rua, levando uma pá para recolher o cocô do cachorro. Ainda bem. Há bairros de classe média na maior cidade do país que as calçadas estão minadas com ex pertences dos animais domésticos. Há poucos espaços realmente públicos na cidade.


Na padaria, a combinação típica das manhãs na cidade que acolheu Tom Zé: O pão francês na chapa, com manteiga, e a média, o codinome clássico do café com leite. Todos apressados devorando os lanches e os cafés, quentes, fortes. “Um carioca”, foi o que pediu o senhor de bigodes junto ao balcão. Em terras paulistas, o “carioca” é o café mais fraco. Mais uma contradição da velha senhora.


Ouvia no carro Geraldo Filme e Adoniran. As canções falavam da cidade, das antigas senzalas e das novas segregações. Inevitável repensar tudo, num trânsito caótico e maluco, sem preferenciais. Há uma rádio na antiga província Piratininga que simplesmente “toca” notícias do trânsito o dia todo. Vinte e quatro horas, de carros e buzinas.


Fez os planos para a noite. Cinemas, cineclubes, boates, puteiros, teatros, botecos. Tudo há na capital do progresso. E para todos os tipos de dinheiro. Decidiu pela Praça Roosevelt, com teatros, um “teatro bar” do Grupo Parlapatões e um antigo cineclube. Quase no centro da cidade, lá tem um boteco ótimo, onde Elis Regina teria feito sua primeira aparição na terra de Osvald: “Papo, pinga e petisco”. Decidiu que antes andaria a pé pelo centro velho, do Theatro Mvnicipal imponente de Ramos de Azevedo ao moderno Copam, de Oscar. Evidentemente passaria pela Galeria do Rock e compraria algum disco, sim LP, bolacha, vinil, em alguma das lojas. E tinha até o que comprar: Rita Lee, dos primórdios.


E já tinha planos para a madrugada, um churros tradicional e espanhol numa espécie de garagem na Mooca, na Rua Ana Néri, que abre no horário e para os boêmios: A partir das três da manhã. E que fecha as dez da matina. Seria tranqüilo, pois o Juventus jogaria no mais simpático e acolhedor estádio da cidade, na Rua Javari, lá pelas onze horas. Da outra manhã. Não dormiria? Nem a cidade.


Nas divagações e devaneios, nos milhares de paradoxos e esquinas, relembrou que os amigos viriam do interior para a Parada Gay, um dos maiores orgulhos da cidade. E olhou para os missionários de alguma organização mariana que faziam abaixo assinado desfavorável ao aborto. Os choques de uma cidade conservadora e plural, autoritária e libertária, cretina e emancipadora. Enfim, a metrópole.


Pensou no almoço, deliciosamente, na Cantina do Magrão, lá no Ipiranga. E já tinha telefonado para a namorada, para jantar um sushi na Liberdade. Iriam passear de metrô. Do Museu da Língua Portuguesa, da roda de chorinho aos sábados na Loja Contemporânea na General Osório e terminando sorvendo o elixir: chope, no Bar do Léo. Rua Aurora.

A cidade de corintianos, palmeirenses, são paulinos e até dos flamenguistas, cruzeirenses, colorados, tricolores da Bahia, Confiança do Sergipe. Da Lusa. Do Boca, do Napoli e do Atlético, de Madri. A cosmopolita mais provinciana das cidadelas, da Avenida Paulista, das Marginais, da Berrini, do Largo da Penha e das casas dos militares, em Santana.


Lembrou que estava atrasado para o trabalho. Pontualidade. Parou por instantes os planos de lazer... “Bom dia”. Ninguém retribuiu, ainda assim sorriu. O relógio dizia que ainda não eram nove da manhã.


2008. Maio, 16.

21 comentários:

Renata disse...

Fiquei com vontade de passear pela cidade, ao invés de trabalhar...
Texto gostoso de ler, como sempre.

Andréa Motta - Conversa de Português disse...

Texto bonito, criativo, lindamente escrito. Eu, que sou carioca (da gema!) adorei saber que "carioca", em Sampa, é café fraco!
Muito obrigada por ter participado!

Andréia Lino disse...

cara dorei. nada melhor que belissimas palavras para nos animar em uma sexta-feira onde tudo parece tá dando errado. (é o dia da semana q mais gosto)

o que me atraiu no blog da andréia foi o titulo da sua blogagem ....

enfim.. te convido desde já a fazer parte do meu MUNDO A FORA, enfim...parabéns! pelo texto. nunca antes tive vontade de ir a sampa e graças a vc me deu uma vontadizinha

>.<

bjoka! sucesso

Rubens disse...

Espetáculo!

Luma Rosa disse...

Eu adoro São Paulo! Terra da garoa, terra de gente boa! (rs*) Vou deixar o link de um conterraneo seu, saudoso e distante da terrinha!
http://www.brtvonline.com/blog/blog.asp?cod_user=12
Boa blogagem!

Nando Damázio disse...

Gostei do texto, uma forma diferente de falar da cidade, enfocando na narrativa suas particularidades e personalidade própria .. Ainda vou conhecer Sampa de pertinho !!
Excelente post ..
O meu é sobre .. Curitiba !!
Abraço, té + !!

Julio Moraes disse...

Estai ai mais uma otima cronica paulistana. Parabens.

abs

Suzana Martins disse...

Eu definitivamente não conheço São Paulo, e é uma vergonha pq tenho tios,tias, amigos... tudo moram aii!!
A idéia que tenho da cidade de Sampa, é aquele trânsito horrível, mas depois de ler sua crônica percebi que é uma cidade apaixonante!!
Eu qro um pastel de queijo com frango e um caldo de cana, pode ser?!

Abs
Susanna Martins

Crys disse...

Essa danada de cidade, conquistou tanto a minha filha, que fim do ano ela se muda, aí sim, vou mais vezes e aproveito pra conhecer as maravilhas, que nela há... Um abraço! Bom fim de semana

Anônimo disse...

Que texto lindo !!!

Eu adoro São Paulo.

Elvira

Unknown disse...

Fiquei exatas 9 horas em Sampa. Nascisdo no interior, larguei o emprego e fui me aventurar em São Paulo. Cheguei de manhã, tomei um café, e fui a caça de emprego. Ali, logo alí, na Faria Lima, vi uma placa de precisa-se. Lá cheguei, fui entrevistado, contratado e avisado que o emprego seria no Paraná. No dia seguinte cá estava eu em Foz do Iguaçu de onde nunca mais saí, a vida minha cara.... Ano de 1981.

Obrigado pela sua abordagem pois, mesmo por muito pouco tempo, Sampa mudou minha vida, e pra melhor...

Vivi disse...

ADOREI!!!!!!!!!!! Parabéns.
Um dos melhores textos que já li aqui. Perfeito.

Sofia Maria disse...

Me fez recordar os caminhos dessa terra que tão acostumada estou a passar. A cada palavra, uma lembrança, desde Parlapatões,Pinga e Petiscos, que me fazem reviver Minas Gerais...até o Bar do Magrão de histórias ancestrais! Frequento esse bar desde que me entendo por gente, rsrs!
Texto delicioso!
Valeu pela visita no Canário do Reino!

Gerson Sicca disse...

Legal o blog e o texto Amaral. Mostra a visão determinante do paulistano sobre a própria cidade: o seu caráter fortemente cosmopolita.
Ah, qto ao post do jogo do Inter que escrevi lá, dá uma olhada no posterior. Tivemos análises diferentes da derrota pelo visto, mas é que isso se dá pelo ângulo de cada um, não só por eu ser torcedor, mas principalmente pelo jeito de conceber o futebol.
O futebol para os gaúchos, isso não é lenda, principalmente para quem é do interior está muito mais próximo do conceito de guerra do que de arte. A gurizada na várzea já aprecia o jogo baseado na força física e até com um certo grau de violência, considerado normal.para teres uma idéia, não acho graça de jogar futebol aqui em SC, pois a maioria das pessoas aprecia demais o drible, segurando excessivamente a bola, e não toleram o choque. A maioria dos lances que aqui levam até mesmo a brigas não seriam nem falta nos jogos lá do RS. Lá, quem segura a bola demais já sabe que qto mais tempo com a bola maior a chance de ser atropelado. Aqui se isso acontece é um bafafá. Qdo vou pra lá em feriados e nas férias noto essa diferença brutal quando vou jogar.
Qto ao Inter, foi uma vergonha sim, não pela derrota, mas pelo jeito de jogar. Um time formado na escola do futebol do RS não pode jogar daquele jeito, isso até por questões táticas. Veja lá o post "ocupar espaços", que mostra a visão comum dos gaúchos sobre a organização de um time. E vais ver pq o Inter envergonha os torcedores e o Grêmio não faz o mesmo com os seus, sem esquecer que ambas as torcidas tem a mesma visão geral de como se disputa uma partida de futebol.
Qualquer dúvida, quem sabe um dia poderás me acompanhar em uma boa pelada em Pedro Osório ou no Cassino,para ver de perto a idéia de futebol como guerra e não como arte, sem perder o objetivo da diversão. Por isso o futebol exprime a diversidade cultural. Uns divertem-se em um jogo onde vencer não faz a diferença, o importante é brincar com a bola. Outros gostam mais de encurralar o adversário e empurrar a bola para o fundo do gol do jeito que for, em um jogo com maior grau de combatividade.
Abraço

Thais disse...

Gostei do texto :)

leve, leve! me deu ainda mais vontade de ir de mala e cuia passear em Sampa!!! =D

Anônimo disse...

Estou um pouco atrasada, tentando visitar os participantes da blogagem coletiva, que também participei.
Muito criativa a sua forma de abordar uma cidade tão maltratada pela mídia! Gostei mesmo!
Abraços!

Alda Inácio disse...

Adorei ter descoberto teu sentimento paulistano, sendo que a parada Gay de hoje foi eternizada no teu texto com emoção. São Paulo tem muitas identidades e eu amo todas porque sou paulista de coração. Voltarei a te ver meu São Paulo um dia.
Obrigado por me relembrar esta lindeza de Estado e cidade que eu amo.
Bjs
Alda

Auréola Branca disse...

(aplausos)
Achei, tão somente, que trazer a realidade pra dentro da nossa realidade seria algo mais personalizado do que meras comparações e colagens tiradas de pesquisa na net. Afinal, não estamos aqui pra sermos criativos?
Adorei! Vc foi criativo e muito pessoal em suas palavras (o que me atrai).
Parabêns mais uma vez!

Auréola Branca disse...

Ah, deu-me vontade de seu pão francês com manteiga a vontade! Huummm...
Abraços...

Anônimo disse...

Nice post and this post helped me alot in my college assignement. Say thank you you on your information.

Andréa Motta disse...

E eu gostei de voltar hoje para reler seu texto.