Em 2006, nos Bolonistas, fizemos uma copa do mundo inteira antes da copa de fato, copa que foi na Alemanha. Na nossa copa, muito mais bonita, cousas fantásticas aconteceram. Mas descobrimos autores, narradores, jogadores entre amigos de boteco. Foi fantástico.
Estamos a tentar repetir o trem neste ano, de copa cá no Brasil. E criamos um blogue, o Copa no Fio do Bigode, para narrar nossos jogos. Os resultados tem sido deliciosos.
Escrevi este texto aqui, supostamente para narrar um França e Honduras, no Beira Rio em Porto Alegre. E gostei do resultado....
Trago para cá, para a mercearia.
Pão quente.
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Eram quinze minutos do primeiro tempo e já tínhamos farta matéria
para os botecos. Para conversas daqui até Paris. Muito embora
sabíamos todos que o destino da partida seria a maçã de Newton cair
logo logo ao invés de ficar levitando como a conjurar demônios e a
divertir por meio de metáforas: o gol de Davi contra Golias, logo
aos cinco minutos. Mas depois do gol, o encanto e a maravilha: três
ataques e três defesas espetaculares, milagrosas, meticulosas,
espalhafatosas, sensacionais, redundantes até.
Lembro
da única copa que houve de fato, a de 1982. Levara um radinho de
pilha para a escola e auscutava, silenciosamente, pelejas durante as
aulas. Uma delas, um soberbo Espanha 1 x 1 Honduras. Arzú, o goleiro
hondurenho, um deus maia, fechou a cidadela centro americana e vingou
a colonização nefasta, defendendo tudo e pensamentos. E só houve
empate naquele dia porque alguém marcou uma penalidade ao fim do
jogo, um desses imperialistas nojentos vestidos de preto.
Seria
novamente Arzú? O fato é que aos vinte minutos ainda da primeira
etapa a sucessão de milagres fazia a plebe acreditar piamente que um
único gladiador poderia derrotar um império todo. As defesas de
Zetti contra a Católica, todas, uma a uma. Rodolfo Rodrigues contra
o América, uma obra de arte. Marcos e aquela partida inenarrável
contra o Corínthians. E aos vinte e sete, duas penalidades. Duas.
Dida, contra Raí. Era fato: o goleiro.
Mas a
pressão era tanta e tamanha, armadas, fragatas, navios, submarinos,
caças rasantes e seus mísseis. Acreditar que não haveria empate,
virada, lógica, crua e nua, era acreditar em besouros que falam ou
em vingança divina. Acreditar no impossível.
Mas era
assombroso. E até de Rogério, sim, do mitológico arqueiro, contra
o Liverpool – Gerard, no canto alto, espaaaaaaaalma o goleiro.
No
intervalo, frisson. Até os pedregulhos, se filosofassem, teriam
assunto de monte. O burburinho era incessante. Tive, por momentos, a
certeza de que algo de sublime estava a acontecer. O homem pisando na
Lua. A invenção da cerveja. O ar condicionado. E eu estava lá.
Logo no começo do segundo tempo, cruzamento na área, o bola de ouro
da Fifa e que tais, cheio de dólares, francos, suiças, flashes,
cantigas, matérias de relógios, namoradas e de confusões nos
periódicos da metrópole, sobe alto e testa firme. Pelé e....
Banks: queixo caído. E poderia descrever, logo depois, Oscar e Zoff,
na mais terrível defesa de todos os mundos. Era incontroverso:
assistíamos a maior exibição de um ser humano a defender balisas
em todos os tempos, memoriais ou não, de Zamora à Barbosa, de
Gilmar à Buffon, de Taffarel, de Valdir Peres, de Cassilas à Nkono.
Arzú.
As
faces de desolação, de derrota, de submissão dos jogadores
adversários. Os rostos maravilhados. O treinador arrancando os
cabelos. A elétrica certeza do estádio todo: Estávamos
presenciando a história, Pearl Habor, a batalha da Normandia, o
Riachuelo, Waterloo, Stalingrado, Bill Gates, Santos Dumont.
Mas um
senhor ao meu lado assistia a tudo estranhamente desolado... e me diz, com a
tristeza dos tesouros roubados por Cortez e Pizarro, em
tom fúnebre: “Não posso mais suportar...”.
A
história era assim: O arqueiro só fechava o gol quando estava
triste. Muito triste, então, era um Yashin. Desde pequeno, descalço,
o guri só conseguia fechar o gol depois de tragédias. Perdeu o pai,
assassinado numa briga de gangues, catou até raio num joguinho de
quarta série. A mãe, enferma, campeão do ginásio numa partida
colossal contra um time repleto de repetentes, gigantes e malvados. O rol de infortúnios,
as defesas miraculosas. Mas... era estar feliz e pronto: pinimbas em
série. Frangos e uma coleção inteira de pássaros e vexames em
finais de campeonato, em jogos no exterior, em eliminatórias. Só
estava ali porque o goleiro titular estava suspenso e muitos não o
queriam. E o senhor, firme, lágrimas: “tenho medo de saber o que
será que está passando por aquela alma neste instante... deve ser
amor.”
Suspenso
no ar. Faltava me fôlego. Não sabia se podia acreditar naquela
história, por demais fantástica, um conto de Cortazar, uma imagem
da Amazônia de Pantaleão, Bolivar e Martí tomando um rum numa
praia pirata. Mas o fato é que aos quarenta e oito minutos, o
estádio em êxtase e o imperialista de amarelo, sempre eles, a lei,
a marcar penalidade indiscutível. Cal. Silêncio.
No
telão, um rosto de mulher. Sinto a tragédia, quando vejo o senhor
ao meu lado, um Gabo, com seus bigodes trêmulos, chorar: “é
ela...”.
A
multidão e eu, todos os olhos do mundo, no arqueiro imenso. Que
sorri ao rosto da mulher, riso farto, contente, contundente, de
senhor do mundo, Quincas Berro D'Água.
“Correu......
bateu.........”.
Para
fora. Para a imensidão.
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