sexta-feira, 4 de abril de 2008

Outra, dos xodós.

Original, no Bolonistas:

http://osbolonistas.zip.net/arch2007-04-01_2007-04-30.html#2007_04-16_23_32_29-2402205-25

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Bolonistas céticos e os outros...


Todos reconhecem a grandiosidade das histórias de botecos. De certa forma e modo, as pequenas delícias do chope só se completam com as belezas das histórias anônimas, contadas e percebidas na mesa ao lado. Quem nunca "pescoçou" uma conversa alheia em boteco mente. Todos mentimos.

Lá pelas tantas era tão nítida a pérola que me pareciam os detalhes mais um filme do que novela, mais verdade que mentira, mais sóbria do que ébria. Os fatos relatados eram de amor febril e contrariado. Poucas vezes vi um silêncio tão grande entre as mesas do Bella Rubia. Repentinamente todos auscultavam a pérola. Alguns tinham lágrimas.

Tudo começou, sempre há um começo, numa dessas tardes sem compromisso que acabam por acabar em uma mesa, alguns copos e alguns acepipes. Pelo que notei, era um viúvo. Tinha lá os seus sessenta, menos que setenta. Era um homem de renome, mas desencantado. Os relatos davam conta de ser um dos poucos torcedores da Portuguesa de Desportos e pelo que eu entendi da conversa tinha nome de craque, Heleno. Para quem não sabe Heleno de Freitas fora um genial jogador do Botafogo. Mas um jogador de temperamento para lá de cascudo, um encrenqueiro de marca, um namorador de acabar casamentos alheios, um azougue. Heleno era na viuvez a sobriedade, mas era a tristeza em pessoa.

E naquela tarde entre copos surge uma moça no bar, dessas de dezessete. Linda, atraente, de óculos. Com uma justa e bela camiseta da Lusa. O que era impossível aconteceu e ambos acabaram a noite tagarelando sobre a Portuguesa. O entusiasmo da bela e o conhecimento dela sobre Djalma Santos, Julinho Botelho, Brandãozinho, Enéas, Jair, Wilsinho, Edu Marangon, Rodrigo Fabri, o fantástico Dener, Candinho despertaram os olhos cansados e céticos daquele senhor que pensara seriamente que nunca mais conheceria ninguém com menos de trinta anos torcendo pelo clube do Canindé.

E foi tanto assunto que Heleno se sentiu tentado a fazer o convite: "Lusa e Bandeirante de Birigüi, amanhã. Na tribuna, sou sócio." E ela topou no ato, mas fez reparo: "Vou. Mas de arquibancada, pois não sei ver o jogo sem o fado". Ouvindo o relato imaginei o sorriso da moça, deslumbrante, daqueles de parar o trem, gelar a arquibancada, domar a multidão. E senti que Heleno estaria em apuros.

E depois de Bandeirante tivemos o Rio Preto, o Mirassol, o Comercial e o Nacional, na Comendador Souza. E foi num amistoso contra o algum time grande qualquer, sentados pela primeira vez em cadeiras numeradas, que ouviram o primeiro sinal de alerta: "Vovô deixa a menina com a gente!".

Era inevitável que conversas sobre a Lusa resultassem em outros assuntos. Descobriram uma afinidade política incomum, ambos ainda eram socialistas, seja lá o que isso queira dizer. Eram terminantemente contrários à pena de morte, favoráveis à descriminalização do aborto e achavam uma tolice manter na ilegalidade a maconha e o jogo do bicho. Enquanto ela descia a lenha no Governo Lula, Heleno ainda acreditava em Papai Noel. Ela gostava da Pitty: "Te vejo sonhando e isso dá medo, perdido num mundo que não dá para entrar/Você está saindo da minha vida e parece que vai demorar.." Ele, de Vinícius e de Tom: "Porque tu foste para mim, meu amor, como um dia de sol".

E cada vez mais eram incomodados por comentários pérfidos sobre idade, sobre remédios para os homens trabalharem, sutis hipocrisias e galhofas. Mas nada parecia incomodar de fato, pois sempre havia a lembrança daquele golaço do Dener.

Mas sempre há os dias de luto. Numa tarde fria, ouvindo Amália Rodrigues, ele desistiu de tentar ser feliz, numa argumentação covarde, mas cheia de heroísmo romântico: "Não dá mais para nós. Amanhã você presta vestibular...". Ela não acreditou, mas infelizmente não reclamou, não argumentou, não tentou, sequer chorou. E desistiu também.

O silêncio no Bella era sepulcral. Alguém lembrou que a Portuguesa jogaria a partida decisiva no domingo. Mas, sinceramente, de que adiantaria?

2004.abril.16

Um comentário:

Vivi disse...

eu adoro conversas de boteco. E sempre, sempre mesmo, ouço a dos outros. Principalmente quando ainda estou sozinha esperando algum amigo. E é um excelente post para uma sexta-feira. Mesmo com o frio, acho que vou pescar conversas alheias no boteco.