segunda-feira, 31 de março de 2008

Fecharam o Parreirinha... e faz tempo




Da garoa...


Quem diria? Quem? Em plena cidade de São Paulo, a olhos nus se poderia observar aquele fenômeno, o eclipse lunar e um showzinho extra do planeta vermelho, ou Marte para os íntimos.


Fátima sempre enaltece São Paulo. Lugar como aquele nunca existirá. Cinemas, restaurantes, coisas para fazer. Um emaranhado de gente de todo o país, o inusitado do cordel em feirinha hippie. O teatro de rua em bairros distantes, União e Olho Vivo. Os repórteres de trânsito. Que delícia é distinguir cada ponto do trajeto Machado de Assis - Cardoso de Almeida, em ônibus elétrico, claro.


O MASP, o Mercado Municipal, as torres. Comprar discos nas galerias ou na imensidão de sebos que se espalham pela cidade. O sotaque. A pizza e o pastel de feira.

Um parêntese: Registremos a violência e a burrice solapante da classe média. Que bom seria deslindar tal burrice e deixar a cidade menos triste!


Uma garoa fina cai. A cidade não desperta. Aos domingos uma espécie de catarse domina a cidade. Nos parques e suas bicicletas, nos botecos e seus pagodes, no macarrão com ou sem frango e no futebol do meio da tarde tudo indica uma clara intenção de se adiar o inevitável. Pouquíssimos lugares do planeta sentem tanto a chegada de uma segunda feira. Talvez seja o trabalho.

Talvez... Pode ser que este seja somente um pedaço da questão. A cidade ganha a partir das sextas uma outra cor, uma outra dimensão. Incluindo os mais viciados no trabalho, o olhar cria uma certa independência positiva, novas percepções são colhidas. Note que mesmo a enfadonha Marginal desperta em detalhes, minúsculos detalhes.


Quem nunca viu o dia amanhecer? Silvio Romero, Largo da Matriz. Das praças ao Bixiga, do Camisa ao Som de Cristal. E o Parreirinha, o Bar do Léo, o Itamarati? Pensemos logo em um choppinho gelado.

Boemia? Quem diria que o vermelho de Marte é vermelho de fato? Só a Fátima, ela nunca duvidou.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Muito depois de Drummond



João está apaixonado e compra flores para Maria.

Maria trabalha em um centro de pesquisas espaciais e de física nuclear na metrópole enlouquecida.

A grande cidade nunca dorme e agonizantemente sobre-vive. Sobram vidas.

Vidas nas ruas. José ama Teresa e espera ansioso o dinheiro no fim do mês.

Teresa quer casar logo e sente os primeiros passos no seu ventre.

A bala perdida no ventre de Macedo põe Clarissa, Raul e a pequena Helena nas ruas.

Raul rouba para comer e roubaram seu indivíduo.

Individualismo... e o corre-corre dos ônibus e dos carros, Helena tinha fome quando o laboratório de Maria explodiu.

E o dia amanheceu João chorando em um bar. José desempregado, embriagado, sufoca-se, por ser impossível pagar a conta.

E anoiteceu Teresa, um filho no colo e sem nome. Na mesma noite gélida que emboscaram Raul.

Clarissa vê televisão. "Extraordinário!!!!!! Anunciamos que o homem finalmente está pisando em Marte. As imagens via satélite!!!"

Dois vezes dois igual a cinco.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Negativos em tempos digitais




Eu não desistia



É público e notório. Quando se mora em uma cidade como São Paulo a tendência é não reparar. O vizinho é um mero distante, um rosto muitas vezes sem nome. O caótico sistema de transporte, o caótico trânsito. Carros. Carros. Metalização das relações humanas.


Todo santo dia é um acordar enfumaçado pela poluição densa, o "fog" paulista. Pela manhã cores enigmáticas no céu. O ar tóxico gera cores surpreendentes, um mosaico de vermelhos, azuis, cinzas, brancos, arroxeados. O céu paulistano quase nunca repete de cor. Digo isto por que existe uma mania triste de dizer acerca do cinza, uma mania. Percepções na metrópole são raridades. Ninguém diferencia paisagens, seres e coisas.


Uma cidade como esta tem seus meandros pouco explorados ou conhecidos. Flávia tinha os seus 50 anos e era fotógrafa por opção e dona de bar por profissão. Naquele dia houve um flagrante roxo no céu. Acordara cedo depois da bagunça da madrugada, fora à Praça Pôr do Sol com sua máquina. Fotos e fotos construíram uma outra cidade e a poluição, paradoxalmente, atração turística.

Quantas partículas de enxofre, monóxido de carbono são responsáveis por essas cores maravilhosas??? Tossiu, quase não ligou. O arroxeado se transformou em grande relíquia. Pouquíssimos diziam que era o raiar de um novo dia na capital financeira. “Uma cidade do interior, que lindo!!!” ou “ É o céu de Brasília?!” e ainda “ Usaste papel vermelho para tapar a lente nesta foto, qual ASA usaste?”


Flávia acordara cedo e caminhara até a janela de sua casa. Um cinza irritante e feio. Tirou fotos e fotos. A paisagem urbana desfez o encanto, entristeceu, emudeceu. Todo santo dia é um acordar enfumaçado. Sentiu um cheiro de enxofre e teve vontade de voltar a dormir. Sorriu. E da relíquia ao cinzento fez-se o contraste, desnudou-se a cidade. Procurou outras radiações, outras luzes, oposições. Começou a chover e lá de longe uma outra cor escura tomava corpo, pedindo para ser fotografada, observada, percebida. Diferenciada. Um suplício de uma cidade, uma busca inútil.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Lápis


Traço


Já tracei diversos planos e nenhum seguiu adiante

Será problema de traço ou de espírito?

Planos traçados e resultados adversos,

Adversidade ou temor?

Que traço eu, então?

Traceja bem "simplesinho"... assim ó:

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Traceja simples e depois, só depois, complica.
2004. fevereiro.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Cadarços em falso

Publicado antes nos Bolonistas...

http://osbolonistas.zip.net/arch2007-03-01_2007-03-31.html#2007_03-28_13_50_27-2402205-25

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Bolonistas dos primeiros dias....



Ferenc de Almeida. Nunca entendera bem a razão do nome. Mas seu Vicente o nomeou assim em homenagem ao Puskas. O maravilhoso magiar do Real Madrid e da seleção húngara de 1954. Dizem até que o major Ferenc Puskas trocara uns sopapos com a delegação brasileira na Batalha de Berna, jogo em que os magiares colocaram nosso time na roda.


Desde sempre Ferenc foi bom aluno. Era um dos melhores da classe, do colégio e da cidade. Ganhara duas das famosas Olimpíadas de Matemática. Estudou na Federal e se especializou em São Paulo, na USP. Era notório especialista em astronomia e química quântica. Comum ser chamado de “A Sapiência” pelas colunas sociais dos periódicos locais. Fez fortuna. Professor catedrático. Casado, pai de três filhos e uma filha, linda. Foi figura carimbada nos comícios pelas Diretas. Figura proeminente da política local, sem nunca ter aceitado cargos de secretário de estado ou qualquer candidatura. Uma sumidade, enfim. Tal qual o homônimo, genial.


Mas padecia de uma tristeza incomum. Não chegava a ser depressivo crônico, ansioso patológico ou rancoroso. Era uma figura triste. Poucos sorrisos na face. Gostava de música, se encantava com Luis Gonzaga. Glutão, comia de tudo. Tinha especial adoração por filé com brócolis com alho, fritos no azeite preferencialmente.


A tristeza não incomodava os muitos amigos. Embora muitos se preocupassem com a cara de infortúnio de uma das mais lúcidas figuras da República. Alguns justificavam tal enfermidade exatamente pelo fato do professor saber muito e reconhecer a impossibilidade de transformar as coisas impossíveis. Uns diziam que a culpa era do ateísmo. Ninguém tinha razão, entretanto.


Nutria especial deleite pelo futebol. Nascera numa casa simples e desde pequeno aprendera a cantarolar o hino do Ceará, o “vovô” do futebol cearense. Todos na família torciam freneticamente pelo Ceará. Os loucos eram capazes de recitar os times campeões de 22 e 25 como se os jogos tivessem acontecido na noite anterior. O pai Vicente tinha um irmão Valter que nunca mais fora encontrado nas festas de família e nos álbuns de retrato, pela razão odiosa do irmão problema ter se tornado Fortaleza, o tricolor de aço. Pareciam lendas, mas diziam coisas abomináveis do Tio Valter: que este se perdera pelo mundo, que era amasiado com mulher casada na Guanabara e que fora preso na ditadura militar por ser comunista. Doutor Ferenc de Almeida foi secretário geral do PCB na clandestinidade e vai ver era esta a razão, todos desconfiavam, que este demonstrasse afeto e admiração pela história do abominável Tio Valter.


O futebol esteve sempre presente nas reuniões de família. Ferenc, entretanto, nunca fora torcedor apaixonado pelo Ceará. Era, evidentemente, torcedor do Vozão. Ia aos jogos, acompanhava as escalações e tinha ido até a Argentina acompanhar um amistoso. Mas não apresentava os sintomas de delírio da família. Tio Vantuir dizia que o Doutorzinho era tão inteligente que estava acima dessas coisas terrenas.


Mas embora não doente pelo Ceará, Ferenc conhecia tudo de futebol. Sua mente era capaz de assombrosas lembranças dos melhores times do mundo, do Real Madrid, do São Paulo e até do Ceará. Era dos poucos na família que tinha um jogo de botão do Fortaleza e outro do Ferroviário, nomes de times que nunca eram mencionados nos encontros da família Almeida, por ser pecado justo para excomungar qualquer ser terreno.


Mas a tristeza atávica ao caráter do Doutor o fazia sofrer. O pior é que não sabia a razão daquele estado permanente. E numa bela tarde de outono resolveu se encaminhar, finalmente, depois de anos e anos, depois de tanto adiar, para uma terapia, dessas com divã. Temia reconhecer seus fantasmas. Temia. Mas o espanto é que a resposta da terapeuta, passados os primeiros cinqüenta minutos de sessão, era de uma obviedade solar: “Doutor Almeida, me desculpe. Seu problema é evidente. Você tem medo do Tio Valter. Você é Fortaleza, cada palmo, cada pedaço e cada cadarço”.


Ele nunca tinha chorado daquela forma. Chorou, tal qual menino que perde a bola no arame. Nos últimos dez minutos de sessão foi capaz de relembrar o esquadra do Tricolor de Aço de 59 e que seu grande ídolo sempre fora Bececê, o artilheiro de Limoeiro do Norte. Sorriu. Teve saudades do tio Valter. Há sempre um primeiro dia para tudo.


2007.março.28.

terça-feira, 18 de março de 2008

Confissões VII ...



O Diário enguiçou...



Esqueci de pagar o boleto. Por que não ponho no tal débito automático? Não acho o documento do carro, não adianta. Estará no paletó, na bolsa, no bolso da calça, jogado na gaveta? Onde será que eu coloquei esse documento? Tenho é que trocar de carro...


Um dos locais mais bonitos do mundo é a Serra da Capivara, no Piauí. As pinturas rupestres, pinturas de nossos ancestrais que ficaram cravadas nas pedras, demonstravam o cotidiano dos primórdios. A impressionante beleza do lugar e as fascinantes demonstrações de um passado muitíssimo distante são um convite a pensar no homem, na mulher e na história de nossa civilização. Foi a minha última viagem longa. Queria voltar lá. Onde estão aquelas fotos?

As ruas de Madri estão lotadas. São mais de dois milhões de homens e mulheres. A Espanha grita não ao terrorismo, mas grita não para a guerra fácil dos poderosos. Que estranho orgulho tenho dos espanhóis. Na ânsia de se proteger do inexplicável, paixão pela vida, solidariedade na dor. Amor.
Os socialistas “viraram” a eleição espanhola. Logo os socialistas, estes que causam mais decepção do que qualquer outro tipo de ideologia, pois invariavelmente traem os votos em nome da farsesca “transição pactuada”. Mais uma chance, para alguns. Mais uma resposta contra a idiotia da guerra, com certeza. Brava gente espanhola, boa sorte.

Provavelmente há mais um planeta que gira em torno do Sol. Um planetóide, segundo astrônomos desconfiados em denominar planeta aquela bola distante de gelo e pó. Em 10 mil e quinhentos anos a elipse do planetóide ao redor do sol. Antes dos humanos, portanto, a última vez que nos vimos tão perto. A pergunta é sobre a próxima vez.

O São Paulo salvou o Corínthians da segunda divisão do campeonato paulista de futebol. Um doce sabor de vingança e uma saudável ironia. O Timão empobreceu o futebol. O Tricolor, bom, o tricolor é o mais querido e ponto final. Dennis Berkamp continua fazendo lindas jogadas no Arsenal. E saibam todos que o holandês tem verdadeira paúra de avião.

As metas de superávit primário estão sendo atingidas pelo governo brasileiro. É difícil decifrar qual a razão do choro, se decepção, se tristeza, se resignação ou se esperança. Esta última, viva, agonizando lentamente. Não são animadores os sinais de nossas contas bancárias, de nossas aplicações financeiras, de nosso superávit primário. Como será que eles ganham tanto dinheiro brincando de Banco Imobiliário?

Descobri, definitivamente, uma das coisas que mais me irrita no mundo. O nome é telemarketing. A invasão total de privacidade, por telefone, as oito e meia da manhã, faça chuva, sol, sábado, segunda ou domingo. Pedem contribuições assistenciais, vendem milagres, vendem pacotes de fidelidade, cartões de crédito, jornal, revista. Sabem o meu nome, tem o meu cadastro, devem saber até a cor da parede da sala.

Outro dia me perguntaram sobre berçários. Qual a minha opinião sobre onde colocá-lo depois dos primeiros meses de vida. Confesso que, imediatamente, pensei em sair com ele por aí, viajar pelo Piauí, por Madri, assistir aos jogos do Tricolor, ensinar sobre astros do futebol, descer a ripa na transição pactuada, andar pela praia, contar estrelas, narrar histórias fantásticas e brincar. Me contaram o preço da mensalidade de um berçário. Impressionante, aviltante. O berçário é último tipo, é verdade, mas não sei como podem cobrar valores na casa do milhar. Cobram por tudo, também é verdade. Quanto será que é a mensalidade escolar? Qual a melhor escola? Melhor deixar este tópico para outra ocasião. Estes temas são muito complexos.

Se pelo menos eu achasse aquele documento iria sossegar. Lá pelas tantas ele acorda e eu aqui, acordado, digitando este monte de bobagem... Eu devia era dormir.

2004.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Solas Carcomidas






Andava sem trilha. Para nenhum lugar, talvez. Apenas caminhava. Um passo apressado e descompassado. Sentia o calor na face e torcia freneticamente para ganhar na mega sena acumulada, mais de trinta milhões. Sabia o absurdo do desejo e mesmo assim caminhava.


O suor na face. Ao caminhar percebia o quanto de desencanto acumulado carregava nas costas. Uma tristeza moribunda da qual ele já não era mais vítima. Alimentava-se daquilo, como pão. Precisava daquela tristeza para justificar tudo. E caminhava, em passos rápidos e desorientados. Rumo ao lugar incerto que ele sempre desconhecera.


Era óbvio que aquela caminhada em algum momento teria fim. E teria o fim exatamente na hora em que a saída seria raciocinar como chegar a algum lugar. Torcia ferozmente para que uma daquelas moças da boate o chamasse para entrar e lá fizesse o que não teria coragem de pedir. Suplicava por algo diferente, que defenestrasse a rotina mórbida que sorvia, aos goles, mas em todos os instantes.


As vozes da cidade eram sinistras. O vento, a fumaça, o cheiro de churrasco de gato, o azedume do xixi. Entre as vozes, sussurros de outros caminhos que compreendia possíveis. Mas a coragem tinha sido tragada pelo medo morfético de alterar o passo.


Desconhecia se lágrimas ou a chuva. O rosto molhado e o suor, em papadas. Neste estado perfeito de comiseração se entregava aos devaneios mais ridículos, como que a qualquer instante aquela proposta irrecusável de emprego surgisse ao telefone móvel. Ou, ainda, a mudança de cidade, de casa, de roupa e de sapato.


Mas nada. E como o filme se repetia todos os dias resolveu pagar novamente pelo ingresso. Outra vez. E desfalecia mais um tico aguardando o enfim.


2008.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Organizações Sociais e Ambulatórios Médicos




Bom dia tristeza



Há pouco trabalho acadêmico sobre a cidade e seus administradores. A capital de São Paulo foi premiada pela história e conseguiu o recorde absoluto de péssimos administradores, executivos, secretários e mandatários legislativos.

Um prêmio duríssimo e injusto com a cidade. Vejamos: Um belo dia um prefeito resolveu criar cooperativas de gerenciamento, baseando a atividade médica nos modernos conceitos de produtividade, mercantilizando a atividade médica. E foi vendido este produto como o salvador ou o redentor. O resultado não tardou, a população achou lindíssimo o plano e suas pirotecnias e elegeu outro prefeito que prometera aperfeiçoar o tal plano.

Ria, caro leitor. Ria, pois a comédia também é forma de consciência. Meses depois do pleito eleitoral e sinsalabim... As cooperativas faliram, o sistema degringolou. Ria, caro leitor, é verdade. 100% verdade.

E assim a educação pública, o transporte, as ruas esburacadas, os sinais inteligentes não sincronizados, a guarda municipal, o lixo, o peculato. Somaremos tais títulos precatórios, as empreiteiras, as obras, um tal Tribunal de Contas, a merenda escolar e os gastos super faturados. Tudo com o aval da nobre edilidade.

Quitutes. Saramaleques. Bebericos. A cidadela vivendo como a corte de algum Luís francês. Os mais miseráveis em palafitas, malocas, barracos, cortiços e ruas, ruelas, buracos, pontes, viadutos, dutos em bairros “ajardinados”.

Há pouca indignação objetiva na metrópole. Ao invés do Judas, que espetáculo popular seria a malhação de ex prefeitos? Quanta simbologia não teríamos ao encaminhar os nobres edis aos postos de saúde municipais, matricular os herdeiros em escolas e creches públicas? Teremos um imensurável valor pedagógico: o escambo e a transposição dos moradores dos Jardins com os dos Jardins Ângela, Nakamura ou do Vista Alegre. Outra troca? Itaim Bibi versus Itaim Paulista, pau a pau.

Foi defronte ao hospital do Servidor Municipal que Dona Flávia vira o louco que jurara ter visto Mário, Oswald e Adoniran comendo pastel com garapa.

terça-feira, 11 de março de 2008

Telefone Sem Fio



Aqui, alguém começa um parágrafo e outra pessoa continua.

Uma ótima brincadeira.

O texto saiu em parceria com a Viviane, uma escritora que tem um ótimo espaço na tal "blogosfera": http://preteritopassado.blogspot.com

O "Pretérito" é um ótimo local para se passear. Recomendo.

Segue o texto, também publicado por lá...

O título? Vocês sugerem.



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Li o teu bilhete, várias vezes. E a cada nova linha relida ainda havia o estranhamento. De algo que não percebi. Não entendi. Compreendi então a irreversibilidade. Que palavra difícil numa relação, coisas que não mais se movimentarão. Um fim. Um outro começo.
Começo de algo que eu simplesmente não saberia definir. Estava perdido.


Na sala de jantar, não consegui completar uma frase coerente. Meus pensamentos ainda estavam confusos. Estava difícil aceitar que você, a partir daquele momento, não fazia mais parte da minha vida.
A minha amiga, minha confidente, minha companheira, minha amante.

O fato inexorável é que em algum lugar, momento, olhar, algo ficou soterrado. O gosto do tomate era de tristeza. Enquanto a carne refogada, requentada, fria, tinha o gosto amargo da incompreensão. Dali a instantes começaria a reler o bilhete e novamente incompreender as letras.

Não sei se foram as contas no vermelho, os papéis daquele imóvel que demorei para assinar, se foram as noites dormidas no sofá da sala vendo o mesmo programa repetido na televisão quase em som inaudível ou se foi só o desgaste do rádio relógio na mesmíssima hora todos os dias, com a mesma música insuportável, os reclames de sempre e o trânsito na cidade. O copo ainda estava sujo, o maldito batom roxo.


A cama tinha tomado proporções maiores. Os corpos estavam distantes. Sentia-me sozinho. Uma solidão que dilacerava o peito. A vontade de chorar não passava. Chorar seria um brinde à minha covardia em continuar algo que não tinha continuação.


Disquei os números inconscientemente. Números que jamais sairiam da minha memória. Do outro lado a voz que ouvi durante seis anos. A doce voz de Tereza. Não consegui falar, uma lágrima despretensiosa rolou pelo rosto. Ela repetiu algumas palavras, não disse o meu nome. Não me fez os dengos que costumava fazer, pareceu irritada. O meu silêncio, o silêncio do quarto, o silêncio da vida, o sem sentido de tudo aquilo, tudo conspirava a me reafirmar o fim. Que eu insistia em não entender. O telefone já tagarelava o sinal do vazio, outro silêncio dilacerante. Uma bofetada. O copo que se equilibrava na mesa da sala, enfim, se espatifou no chão. O barulho contrastou com o silêncio. A maldita marca de batom desaparecera entre os cacos.

O que restou, os cacos de vidro. E feri minhas mãos ao tentar limpar. O bilhete, finalmente rasguei.


Originalmente publicado no

http://preteritopassado.blogspot.com/2008/03/duas-mos.html

domingo, 9 de março de 2008

Confissões da Paternidade, mais uma: VI

Os anarquistas australianos


Por alguma razão inexplicável ninguém ousou escrever um almanaque destinado a pais frescos. Seria uma maneira de garantir uma boa quantia em dinheiro, tendo em vista que os senhores e senhoras que se habilitam nesta estranha jornada são ansiosos o suficiente para adquirir qualquer espécie de literatura especializada.


Conselhos diversos e milhares de revistas especializadas, entretanto, substituem o almanaque. Revistas de todos os tipos e de todas as doutrinas. Já li em algum lugar que as mulheres que amamentam não podem comer brócolis, em virtude do tal vegetal afetar o leite materno e aumentar os gases dos bebês. Em outro lugar brócolis é tratado como algo absolutamente natural em dietas maternas.


Absorto, este tipo de literatura apresenta gráficos de crescimento, de tamanhos de dentes, de formas de controlar as cólicas, tábua das marés (para facilitar a prática do surf), horários para o banho e uma série de demonstrativos de como educar seus filhos. É difícil imaginar como uma criança pode ter problemas escolares ou problemas de saúde, ou quaisquer outros tipos de problemas. A literatura explica tudo e os pais que seguirem a teoria tim tim por tim tim não poderão errar!


Não demora um naco e descobrimos que toda esta teoria é uma balela. Desde a maternidade podemos perceber que inexistem regras. E que, se por um acaso, tentarmos nos prender a tais regras vamos nos estrepar. Eles são todos diferentes, todos. Esses pequenos seres são anarquistas incorrigíveis.


Eles choram ao nascer, nos dizem. E se eles não choram estão com algum problema... Sim, mas se justo no nosso caso esta regra não valer? Se ele ou ela não chorar e estiver tudo bem? Inusual, porém ocorre.


Preocupa-me esta mania de regrar tudo, de criar parâmetros para tudo. Qualquer incidente no decorrer do percurso tem um devastador potencial para nos causar pânico. A lenda de que as crianças vêm da Austrália e são trazidas por cegonhas não é integralmente despropositada. Como metáfora funciona. O horário desses seres é o horário de quem acaba de chegar de um longínquo lugarejo do interior da Austrália, com uma diferença de fuso de 12 horas.


A ciência revela as dificuldades de adaptação de quem viaja para a Oceania. Os recém chegados podem tanto dormir de dia e berrarem a noite, como berrarem de dia e dormir a noite. Ou, ainda, o desesperador, berrar o dia todo. E mais, podem dormir o dia todo, o que também é desesperador. Portanto, a adaptação ao novo fuso pode ser bastante demorada.


Na Austrália, frio. Aqui, calor. Dizem que os bebês tem frio. Dizem que temos que sempre agasalhar os bebês, porquê eles tem muito frio. Bom, o nosso anarquista suava feito um louco no primeiro dia que ficou em casa, agasalhado com macacão, manta e meias. Suava e chorava, provavelmente com calor. Alguém dirá que nós exageramos. E este alguém, não exagera?


E as cegonhas então? Cada vôo é um vôo. Nem sempre é o mesmo trajeto. Nem sempre a mesma cegonha. Um filho é diferente do outro. O que nos explica partos normais e partos com cesarianas? E o que explica que o cordão umbilical pode estar numa ou outra posição? Não há vôo padrão. Essas cegonhas...


Ninguém pode nos preparar para estes eventos, a não ser a experiência. Para isso deveriam nos preparar, os almanaques. A pressão para que as coisas dêem certas é absolutamente impressionante. As mulheres devem se sentir num vestibular dificílimo na amamentação, uma pressão inenarrável. O almanaque deveria informar que a amamentação é o melhor dos banquetes. Mas deveria informar que não é um vestibular, que existem alternativas se algum problema ocorrer, que problemas ocorrem e que não há culpas. A culpa é de quem culpa.


Temos que nos rebelar. A experiência é nossa e temos muito o que descobrir a cada dia. Uma rebeldia que nos mostrará que existem vários caminhos. Um ato que acalmará a todos. Será salutar. A única receita que podemos aceitar nesse almanaque é a de curtir esta anarquia e recortar os cupons que podem nos dar uma passagem para a Nova Zelândia. É o lugar mais próximo que podemos chegar...

sexta-feira, 7 de março de 2008

Do Cursinho...

Mexendo nas coisas antigas, mui antigas, achei esta quinquilharia.

Do século passado. Um dos textos mais ingênuos que fiz. Chega até a ter gosto de picolé.

Talvez um dos mais bonitos... de alguém, e de um tempo, que precisa urgentemente ser resgatado.

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viagem pela terra dos homens


I -

sonhar com o impossível
a mais linda utopia
a incrível fantasia.


mas se conseguimos sonhar,
aonde está o impossível ?
por onde andas, utopia ?


se ainda sonhamos, não pode ser fantasia.



II -


sonhar com o possível
a mais real das realidades
a sensata razão.


mas se conseguimos sonhar,
por que o possível ?
para que serve, então, a sensatez ?


se ainda sonhamos, não pode ser realidade.



III -



sonhar com imaginação
a mais real das fantasias
a utópica realidade sensata.


mas se conseguimos sonhar,
por que não imaginar ?
até onde podemos chegar ?


se ainda sonhamos, fantástica realidade de imaginar.



IV -


quero ser o imaginário sonhador
pousar no infinito
conhecer a física abstrata
onde tudo é realmente relativo


se ainda sonho, real é a fantasia da imaginação.


quero ser o mais louco dos racionais
alcançar a lógica pura
estudar a física dos homens
onde tudo é relativo


se isto é sonho, imagino a realidade.


quero ser o mais sábio dos irracionais
correr junto ao inacreditável
ensinar o simples e inexplicável
crer no irreal completamente abstrato


se é sonho, imaginarei a fantasia.


V -


perguntam os homens sobre os seus própios destinos
há homens que respondem com seus sonhos
outros hão de responder com suas razões.


sonhadores e racionais
imaginam o futuro
um futuro sem resposta, suposto.


perguntam os homens suas dúvidas e incertezas
existem os que sonham respostas
enquanto alguns raciocinam


sonhadores e racionais
pensando e sonhando
porém, inevitável
a mesquinhez, a prepotência e a arrogância dos reacionários


perguntam os homens sobre os reacionários
os que sonham não tem resposta aparente
e o mesmo acontece aos racionais


sonhadores e racionais
sabem entretanto
apartheid, fome, miséria, bombas nucleares... são reacionários.



VI -


acordar do sonho e da razão dos homens
eu que desejei ser sábio e louco
quis ser pensador e sonhador
conheci as mais diversas perguntas
viajei pelo futuro, aterriso no presente


acordar do sonho e da razão dos homens
quero no limiar da realidade e da fantasia
respostas, para sonhadores e racionais
e aumentar a distância que separa o futuro
da insanidade medíocre e reacionária.


acordar do sonho e da razão dos homens
e o futuro fantasiar, raciocinar
viver.




1989.outubro.14.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Outra das outras

Originalmente:

http://osbolonistas.zip.net/arch2007-03-01_2007-03-31.html#2007_03-23_13_43_50-2402205-25


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Bolonistas que esperam pelos mil goles



Não sei se na vida real jogaram juntos. Mas eram amigos, desde sempre. Mané, Vavá e Didi. Pequenos, ainda descalços, se conheceram na escola. Manoel, Valdomiro e Dionísio, de nascença. Mané, Vavá e Didi no coração. Os apelidos lembravam ataque de seleção. Eles gostavam desta curiosa situação.



Mané sempre foi o mais extrovertido, o mais apaixonado, o mais namorador e o mais enrolado. Sempre capaz de extremos, namorou atrizes famosas, jogou futebol no Bangu, ganhara no bicho com a mesma freqüência espantosa que tinha que pedir empréstimos para agiotas. Adorava canções de amor, de amores rasgados, impossíveis e os consumados.


Vavá era destemido, corajoso, um pouco rude, mas aquela rudeza que os amigos perdoam. Uma sinceridade atroz, olhos profundos. Os que o desconheciam o achavam triste. Os que o amaram sabiam de sua paixão pela vida, pelo vinho, pelo calçadão, pela areia. As mulheres foram poucas, mas intensas. Dos três era o único que gostava de verdade de bossa nova.


Didi era sábio e sabia como poucos as melhores saídas para as melhores discussões. Dos três era uma espécie de líder, de cérebro. Galanteador, era fiel, porém. Não era quieto, mas não desperdiçava palavras. Genioso, adorava pão com manteiga e odiava margarina. Os assovios eram comuns e tinham samba, boleros e coisas que tocam nas rádios.


Nunca me esqueci de uma noite, no Bar do Luís, chope e porção de joelho de porco, vozes alteradas: “Essa música é do Antônio Marcos”. Era um brado de fúria ébria. “Você está louco!!! É do Rei. Rei. Roberto Carlos.” A resposta também em alto volume e em tom de discussão. Então, Didi, certeiro: “A música é do Antônio Marcos. Mas a versão que faz chorar... é do rei.”. Ponto final na discussão. Até hoje eles cantam, depois do oitavo copo, a bela “E não vou mais deixar você tão só”, e é possível e provável que os três tenham lágrimas.


Tinham vivido muito a vida. Tinham casado, um descasou, outro viuvou, tinham tido filhos e até netos, no caso de Mané. Tinham até uma paixão em comum, nunca revelada, mas evidentemente reconhecida, pela mesma mulher. Todos eram torcedores. Torcedores no bom sentido. Torciam desde os tempos do futebol de botão, da bolinha de gude e das pipas. Mané, era Fogão, desvairado. Vavá, Vasco, contido. Didi, tricolor, entusiasmado. Mas na cumplicidade que os acariciava escolheram secar o Flamengo. Coisas de torcedor. Coisas de amigos Do peito.


Naquele domingo, o mesmo bar de sempre, um bolinho de bacalhau ainda esperava. Tinha acontecido. Zico, o genial, acabara de dar mais um título ao Flamengo. Uma longa fila esperava o Botafogo, Dinamite não era suficiente para aplacar a dor e a Máquina já era uma lembrança distante. Mas a notícia que os silenciara, pela primeira vez em anos, era aquela que teriam adiado, teriam escolhido ir primeiro, nunca esperaram: Ela se foi. A notícia chegara no intervalo do jogo. Difícil crer. Difícil entender. O silêncio era perturbador. Entre os garçons havia um respeito absoluto. Os chopes com colarinho chegavam sem que fossem pedidos. Uma dor palpável, visível, dilacerante.


Entre olhares perdidos e vagos, o diálogo estranho que teriam evitado pelo resto das vidas. “É. Eu sempre soube.” “Eu também.” “Todos sabiam pelo jeito, até os garçons!”. “A gente dava tanta bandeira assim????”. “Porque nunca falamos isso antes?”. “Porra... você é casado, ele é viúvo e eu...”. “Será que minha mulher também sabe???”. “Mas era algo tão distante”. “Tão distante, tão impossível, tão improvável.”.


Jura o garçom que a última parte do colóquio foi mais ou menos assim: “Sei lá... E podia ser estranho, eu não ia querer saber se um de vocês se enamorou, comeu, trepou, a beijou.”. “Nem eu.” Um longo e pausado silêncio, uma resposta, quase uma desculpa, uma suplica: “Ela torcia pelo América, sabiam?”. Ninguém sabia.


2007. março. 23.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Ciência Concreta da Adivinhação

Textos que gosto muito. Na verdade, uma brincadeira.

O Danilo tem um "blog" sobre futebol: "Pitacos do Bodaum". Eu sou um leitor voraz dessas coisas do futebol, das impressões de torcedores, das brincadeiras e do sarro.

Eu lia e comentava, sempre palpitando os jogos da rodada. O Danilo então me convidou para ter uma "coluna" no blog: Prenúncios do Amaral.

Este é o meu predileto. O São Paulo Futebol Clube rumava ao Quinto Caneco com uma facilidade estonteante... Não resisti.

Originalmente,

http://pitacosdobodaum.zip.net/arch2007-09-01_2007-09-15.html


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Prenúncios Proibidos


Alguns podem estar se perguntando: Cadê o Amaral? Explico a ausência. Estava cumprindo uma missão oficial do Pitacos, numa convenção sobre Palpites de Futebol ocorrida na aprazível cidade de Itaú. É uma convenção anual que reúne os maiores matemáticos, catedráticos, lunáticos e médiuns que tem como arte fundamental a capacidade perceptiva. Percepção dos resultados de partidas de futebol.


E os engraçadinhos que me desculpem. Tal convenção não tem nada a ver com esquemas de arbitragem, pilantragem, compadrio escuso, corriola ou qualquer coisa do gênero policial. Trata-se de convenção que reúne somente os visionários.


Todos sabem, nós somos proibidos de apostar em jogos de azar, por razões óbvias. E também não podemos divulgar os resultados com muita antecedência, também por razões evidentes. Leis supremas para manter a credibilidade de nossa dádiva.


Em resumo, foram debatidos vários assuntos fundamentais na tal Convenção. E ficou deliberado, em Nota Conjunta assinada pelos quatrocentos e vinte e dois participantes, que não se pode mais palpitar quem será o campeão brasileiro de futebol, sob pena de descrédito de todos os videntes do globo terrestre.


Peço licença aos nobres leitores de elite do blog para reproduzir o último parágrafo da Nota:

“Devido a circunstâncias objetivas, parece que concluir que o São Paulo Futebol Clube será pela quinta vez campeão brasileiro de futebol é óbvio, lógico e irrefutável. Portanto, prever o óbvio não é prever. Não é exercício de adivinhação. Não é, sequer, constatação antecipada. Àqueles que possuírem o dom premonitório, e que evidentemente já sabiam desses fatos, não podem zombar da inteligência alheia. Temos que zelar por nossos nomes e por nossa capacidade divina. E diante desses fatos inexoráveis decide a Convenção Mundial vetar qualquer manifestação pública acerca do Campeonato Brasileiro de Futebol e o próximo campeão.”


Em síntese, é proibido chover no molhado.


Pitaqueiros do Brasil, de hoje em diante só palpito fórmula um e jogo de tênis: Ganha o Alonso. E o Federer fatura mais um caneco.


Mas já consultei a Organização Mundial dos Nostradamus se poderei pitacar sobre os jogos dos outros times e sobre as outras Séries do Campeonato Nacional. Ainda não obtive resposta conclusiva. E adianto: Vasco, Galo e Inter vencem.


É isso.

2007. setembro.14.

Quem nunca viu o samba amanhecer



Coração Absurdo


Pelo pouco que o conheço deveria estar atrasado. Sim, o atraso em si não pode ser considerado um defeito de caráter ou algo semelhante. Mas era quinta feira e ele tinha que parar em algum lugar para comer o tradicional pastel. De feira, é óbvio.


Disseram-me, depois, que parou na feira do viaduto Alcântara Machado, que ironia. Pediu o pastel de carne ao japonês e uma garapa na banquinha que ficava ao lado. E, munido, passou a comer vagarosamente. Essa qualidade ele tinha: comer devagar. Em dias que o "fast food" e a velocidade são regras, comer se tornou um ato de sete minutos cravados.


Foi a demora e o vagar certamente. Possibilitaram uma atenção especial ao que o circundava. Certamente o calor cumpriu seu papel e teve um efeito sensacional. A temperatura da garapa ou a qualidade da carne deveriam ser as de sempre, portanto incapazes de qualquer alteração psíquica, apenas metabólica. E ele não tinha antecedentes...


“ - Sim, vamos fazer um programa especial de televisão. Televisão, não!!! Um espetáculo multi mídia!”
“- Saluto!!!”
“- Biscoito! Biscoito Fino!”


Um outro acharia que o papo estava girando em torno de algum especial de TV, de algum show ou coisa que o valha. Ele quis se inteirar, ter certeza.


“ - Sim, vamos convidar o Geraldo Filme, o Idibal Piveta e o Vanzolini para gravar uma espécie de piloto”
“ - Bravíssimo! E o meu Bixiga, a Casa Verde e a Vila Esperança de cenário!
“ - Uma festa antropofágica.”


Que conversa estranha e gostosa aquela. Gostaria de estar lá. Ele teve comichões, pediu outro pastel e engatou a ficar de orelha na conversa que girava sobre a cidade e alguns de seus ilustres. Seriam produtores de TV? Cineastas?? Radialistas???


E ele, anos depois contava com ares de espanto, pensava em dar sugestões: “ - E no final a gente presta uma homenagem a Semana de 22, aos parques, aos museus, aos conservatórios, aos bairros, aos times de futebol!!!! Vamos realizar programas diversos sobre a cidade, cada dia com um nome, uma personalidade diferente...”


E foi daí que ele desembestou a delirar. Olhou para o lado para ver a cara dos palestrantes e desmaiou. Acordou uns sete dias depois tendo alucinações, lá no Hospital do Servidor. Jurou ter visto Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Adoniran Barbosa, os três mais o Paulo Machado de Carvalho. Deve ter sido o calor, coitado.