terça-feira, 11 de março de 2008

Telefone Sem Fio



Aqui, alguém começa um parágrafo e outra pessoa continua.

Uma ótima brincadeira.

O texto saiu em parceria com a Viviane, uma escritora que tem um ótimo espaço na tal "blogosfera": http://preteritopassado.blogspot.com

O "Pretérito" é um ótimo local para se passear. Recomendo.

Segue o texto, também publicado por lá...

O título? Vocês sugerem.



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Li o teu bilhete, várias vezes. E a cada nova linha relida ainda havia o estranhamento. De algo que não percebi. Não entendi. Compreendi então a irreversibilidade. Que palavra difícil numa relação, coisas que não mais se movimentarão. Um fim. Um outro começo.
Começo de algo que eu simplesmente não saberia definir. Estava perdido.


Na sala de jantar, não consegui completar uma frase coerente. Meus pensamentos ainda estavam confusos. Estava difícil aceitar que você, a partir daquele momento, não fazia mais parte da minha vida.
A minha amiga, minha confidente, minha companheira, minha amante.

O fato inexorável é que em algum lugar, momento, olhar, algo ficou soterrado. O gosto do tomate era de tristeza. Enquanto a carne refogada, requentada, fria, tinha o gosto amargo da incompreensão. Dali a instantes começaria a reler o bilhete e novamente incompreender as letras.

Não sei se foram as contas no vermelho, os papéis daquele imóvel que demorei para assinar, se foram as noites dormidas no sofá da sala vendo o mesmo programa repetido na televisão quase em som inaudível ou se foi só o desgaste do rádio relógio na mesmíssima hora todos os dias, com a mesma música insuportável, os reclames de sempre e o trânsito na cidade. O copo ainda estava sujo, o maldito batom roxo.


A cama tinha tomado proporções maiores. Os corpos estavam distantes. Sentia-me sozinho. Uma solidão que dilacerava o peito. A vontade de chorar não passava. Chorar seria um brinde à minha covardia em continuar algo que não tinha continuação.


Disquei os números inconscientemente. Números que jamais sairiam da minha memória. Do outro lado a voz que ouvi durante seis anos. A doce voz de Tereza. Não consegui falar, uma lágrima despretensiosa rolou pelo rosto. Ela repetiu algumas palavras, não disse o meu nome. Não me fez os dengos que costumava fazer, pareceu irritada. O meu silêncio, o silêncio do quarto, o silêncio da vida, o sem sentido de tudo aquilo, tudo conspirava a me reafirmar o fim. Que eu insistia em não entender. O telefone já tagarelava o sinal do vazio, outro silêncio dilacerante. Uma bofetada. O copo que se equilibrava na mesa da sala, enfim, se espatifou no chão. O barulho contrastou com o silêncio. A maldita marca de batom desaparecera entre os cacos.

O que restou, os cacos de vidro. E feri minhas mãos ao tentar limpar. O bilhete, finalmente rasguei.


Originalmente publicado no

http://preteritopassado.blogspot.com/2008/03/duas-mos.html

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