quarta-feira, 5 de março de 2008

Quem nunca viu o samba amanhecer



Coração Absurdo


Pelo pouco que o conheço deveria estar atrasado. Sim, o atraso em si não pode ser considerado um defeito de caráter ou algo semelhante. Mas era quinta feira e ele tinha que parar em algum lugar para comer o tradicional pastel. De feira, é óbvio.


Disseram-me, depois, que parou na feira do viaduto Alcântara Machado, que ironia. Pediu o pastel de carne ao japonês e uma garapa na banquinha que ficava ao lado. E, munido, passou a comer vagarosamente. Essa qualidade ele tinha: comer devagar. Em dias que o "fast food" e a velocidade são regras, comer se tornou um ato de sete minutos cravados.


Foi a demora e o vagar certamente. Possibilitaram uma atenção especial ao que o circundava. Certamente o calor cumpriu seu papel e teve um efeito sensacional. A temperatura da garapa ou a qualidade da carne deveriam ser as de sempre, portanto incapazes de qualquer alteração psíquica, apenas metabólica. E ele não tinha antecedentes...


“ - Sim, vamos fazer um programa especial de televisão. Televisão, não!!! Um espetáculo multi mídia!”
“- Saluto!!!”
“- Biscoito! Biscoito Fino!”


Um outro acharia que o papo estava girando em torno de algum especial de TV, de algum show ou coisa que o valha. Ele quis se inteirar, ter certeza.


“ - Sim, vamos convidar o Geraldo Filme, o Idibal Piveta e o Vanzolini para gravar uma espécie de piloto”
“ - Bravíssimo! E o meu Bixiga, a Casa Verde e a Vila Esperança de cenário!
“ - Uma festa antropofágica.”


Que conversa estranha e gostosa aquela. Gostaria de estar lá. Ele teve comichões, pediu outro pastel e engatou a ficar de orelha na conversa que girava sobre a cidade e alguns de seus ilustres. Seriam produtores de TV? Cineastas?? Radialistas???


E ele, anos depois contava com ares de espanto, pensava em dar sugestões: “ - E no final a gente presta uma homenagem a Semana de 22, aos parques, aos museus, aos conservatórios, aos bairros, aos times de futebol!!!! Vamos realizar programas diversos sobre a cidade, cada dia com um nome, uma personalidade diferente...”


E foi daí que ele desembestou a delirar. Olhou para o lado para ver a cara dos palestrantes e desmaiou. Acordou uns sete dias depois tendo alucinações, lá no Hospital do Servidor. Jurou ter visto Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Adoniran Barbosa, os três mais o Paulo Machado de Carvalho. Deve ter sido o calor, coitado.

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