quinta-feira, 13 de março de 2008

Solas Carcomidas






Andava sem trilha. Para nenhum lugar, talvez. Apenas caminhava. Um passo apressado e descompassado. Sentia o calor na face e torcia freneticamente para ganhar na mega sena acumulada, mais de trinta milhões. Sabia o absurdo do desejo e mesmo assim caminhava.


O suor na face. Ao caminhar percebia o quanto de desencanto acumulado carregava nas costas. Uma tristeza moribunda da qual ele já não era mais vítima. Alimentava-se daquilo, como pão. Precisava daquela tristeza para justificar tudo. E caminhava, em passos rápidos e desorientados. Rumo ao lugar incerto que ele sempre desconhecera.


Era óbvio que aquela caminhada em algum momento teria fim. E teria o fim exatamente na hora em que a saída seria raciocinar como chegar a algum lugar. Torcia ferozmente para que uma daquelas moças da boate o chamasse para entrar e lá fizesse o que não teria coragem de pedir. Suplicava por algo diferente, que defenestrasse a rotina mórbida que sorvia, aos goles, mas em todos os instantes.


As vozes da cidade eram sinistras. O vento, a fumaça, o cheiro de churrasco de gato, o azedume do xixi. Entre as vozes, sussurros de outros caminhos que compreendia possíveis. Mas a coragem tinha sido tragada pelo medo morfético de alterar o passo.


Desconhecia se lágrimas ou a chuva. O rosto molhado e o suor, em papadas. Neste estado perfeito de comiseração se entregava aos devaneios mais ridículos, como que a qualquer instante aquela proposta irrecusável de emprego surgisse ao telefone móvel. Ou, ainda, a mudança de cidade, de casa, de roupa e de sapato.


Mas nada. E como o filme se repetia todos os dias resolveu pagar novamente pelo ingresso. Outra vez. E desfalecia mais um tico aguardando o enfim.


2008.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Uma tristeza moribunda da qual ele já não era mais vítima. Alimentava-se daquilo, como pão."
"...Mas a coragem tinha sido tragada pelo medo morfético de alterar o passo."

...Pois é, seu moço.

...ai vc ouve uma canção que diz mas ou menos assim:

"...eu andava acabrunhado e só, perdido e sem lugar, feito um galho seco arrastado pelo temporal...Tbém pudera uma hora era o fogo que rasgava o chão,
outra hora era a água que descia e afogava toda a plantação..."

(Galho Seco - Zé Geraldo.


Abraço!

Lilica.