Outra da série de "Outras Histórias" dos Bolonistas...
Originalmente: http://osbolonistas.zip.net/arch2007-03-01_2007-03-31.html#2007_03-19_12_09_29-2402205-25.
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Bolonistas que gostam de finais felizes...
Enquanto alguns perdiam o fiapo de domingo bebericando uns goles de cerveja, uma pizza ou um cinema, ele se entupia de mesa redonda. Era um vício incurável. Terrível até. Perdera amizades, perdera amores. Perdera tempo e dinheiro, discando para manifestar suas opiniões próprias, quase sempre impróprias para os programas de televisão.
Era, desde sempre, um torcedor fanático do Avaí. Mais do que o Guga. Nascera assim, numa quarta feira de um agosto qualquer. Não podia ouvir o nome do Figueirense, tinha colapsos. Uma vez, na escola, desmaiou quando soube que o Joinvile tinha mais torcedores na classe do que o seu Avaí. Sabia tudo e quase tudo sobre o time do coração. Suas conversas prediletas eram sobre o time, a história do time e os craques do time. Chorou rios. E sorriu pouco, mas deliciosamente, nas vezes em que pode.
A rivalidade com o Figueirense era tanta, mas tanta, que não conseguia mais vestir nem preto, nem branco, quando misturados. Ou a roupa era inteira branca e arrancava até a etiqueta preta, ou não tinha jogo. Não tinha como. Muitos não o entendiam. E os que entendiam, ainda ficavam ruborizados quando ele desatava a chorar depois dessas inapeláveis derrotas.
Também pudera. Ninguém poderia ter o nome de Mário Kempes impunemente. Nunca entendera a fixação do pai pelo argentino, mas, enfim, gostava do nome e o futebol foi sempre a coisa mais importante. Na verdade, a segunda coisa. A primeira era o Avaí.
Quando ela o conheceu, soube logo da enfermidade. Desde a escola primária entendia que ele nunca seria dela. Embora os olhos azuis dele quando fitavam os olhos dela sempre faiscavam. Ela o escolhera como paixão, desde a segunda série. Na quinta série, assumiu o amor platônico. Na oitava, indo embora do colégio, admitiu que o perdera para o time azul. Resoluta, adotou o Figueira. E sabia que daquele dia em diante poucas chances teria. Quase impróprias. Impossíveis.
Kempes nunca a entendeu. Gostava dela. Sentia verdadeiros calafrios por ela. E sabia que a vida sem ela perderia a graça. Mas ela nunca dera chance, dera mole, dera pistas. Foi numa tarde de terceira série que percebeu que ela seria o grande amor da sua vida, embora não soubesse deste tipo de amor. E como nas paixões mais arrebatadoras, numa tarde de intervalo num tempo de ginásio, teve ódio: Ela vestia a cinco do Figueira. Logo ela... Por quê? Tentou esquecê-la.
Naquele domingo o Avaí, novamente, reiteradamente, perdia a última chance de classificação para a primeira divisão do campeonato nacional. Aquela tristeza macarrônica o assombrava. Não tinha mais forças. Teria desistido de tudo, se não fosse pela promessa da diretoria em trazer o Jacaré de volta. Desligou a televisão, numa insônia de cataclisma. Resolveu ouvir música... “Ela desatinou...”.
Depois de muito pensar resolveu que deveria viajar. Esquecer um pouco das agruras da segundona, dos gastos com “pay-per-view”. Ir para longe de Santa Catarina. Longe de tudo. E foi. Acordou feliz num quarto de pousada na Serra das Belezas, próxima de Conservatória, num distante Estado do Rio de Janeiro.
Para quem não conhece, Conservatória é famosa pelas serestas. Nas noites de sexta e sábado seresteiros saem pelas duas ruas da cidadela e passeiam a tocar músicas que fazem os cotovelos urrarem. “Quem sou eu... pra ter direitos exclusivos sobre ela...”. “Esses moços, pobres moços, ahhhhh se soubessem o que eu sei...”. Kempes se divertia. Estava leve, embora vestisse o segundo uniforme do Avaí.
O primeiro chamado, não reconheceu. No segundo, pensou ser sonho. No terceiro, era tarde, estava aos lábios dela. “Você por aqui?”. Não deu tempo para resposta. Ela estava de branco e preto. Ele a beijou: “Por onde você andou este tempo inteiro?”.
Não foi fácil explicar aos amigos que ele não sabia que o Tribunal Esportivo mandara refazer a última rodada do campeonato da segunda divisão e que o Avaí jogava na quarta feira, com portões abertos.
2007. março. 19.
Um comentário:
Gostar de final feliz n�o � exatamente a quest�o...
Acho que nem gosto muito, pois venero o The End do "...E o Vento levou."
Mas tem final feliz que cai bem.
Como este.
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