quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Confissões Número V



O estranho mundo da dialética


Contradições. Poucas qualidades da vida humana são tão atraentes. O dia começou esquisito. Na verdade, o domingo acabara de forma diferente. Confesso que padeço daquela síndrome do domingo, a síndrome da segunda feira.


Uma sensação que nos toma o estômago, revira e mexe tudo. Sonolento, tenho insônias. Cansado, uma estranha excitação que não nos deixa dormir, que faz ficar assistindo aos piores filmes da sessão de domingo. A segunda feira é sempre pesada, faça chuva, sol ou não faça nada. Óbvio, esta sensação é motivada. Antes, eram as fatídicas aulas. Hoje, as fatídicas reuniões. A sensação deriva de um sentimento contraditório, um misto de inconformismo, pelo fim do final de semana, e de conformismo, pois todos devemos nos entregar ao trabalho.


Estava muxoxo. Depois de um mês de férias e de uma deliciosa licença paternidade deveria voltar ao trabalho na segunda feira. Ele está crescendo rápido. Seu rosto ganha feições a cada novo dia. A cada dia novo ele está mais ativo, mais observador, mais rechonchudo, mais esperto e tantos mais necessários para descrever as mudanças neste primeiro mês de vida. Os momentos mais esperados do dia são todos dele. Uma frase, “Dá um abraço na mãe”, dita sempre quando se inicia o amamentar, e isto ocorre um cem número de vezes durante o dia, me faz sorrir sempre. Um sorriso simples e feliz.


Estava macambúzio. É verdade que fiz reunião de trabalho durante este período de férias. É verdade que respondi a algumas consultas por telefone, fiz algumas tarefas burocráticas. Também é verdade que fui ao escritório na sexta feira, mas passei por lá para um breve alô, para resolver breves pendências e voltei logo para casa. Mas, passar tanto tempo longe, oito, nove, dez horas... Toda vez que fechava os olhos era a imagem dele que eu via, o sorriso fácil dele.


O dia começou difícil. Durante a noite ele acordou e foi impossível dormir depois das 4 e 30 da manhã. Dormitando, eu ouvia o rosnar e o choro. A mãe carregando no colo e tentando fazê-lo dormir mais um pouco. O relógio impiedoso. A primeira segunda feira do resto de nossas vidas, pensei.


Um mês. Um mês inteiro. Quantas fraldas contabilizam um mês? Algo em torno de cento e vinte fraldas? Quantos chumaços de algodão? Zilhares de pacotes, com certeza. Ele dorme em outros colos agora. Este fato também é um indicador de tempo? Ele sorri. Pode até ser espasmo, mas sorri. O sorrir é uma ampulheta?


Estava estranhamente convicto. Uma convicção que me deixou com muito mais vigor que o habitual numa segunda feira. Apesar do sono atribulado, o que normalmente deixaria meu humor imprestável, a segunda feira estava bonita, com sol e calor. Um calor que me corou a face. Meu pai e minha mãe. Dentro de alguns instantes, dentro do carro, teria uma saudade imensa. Mas teria, pela primeira vez na vida, a certeza que as segundas feiras são absolutamente necessárias. Imprescindíveis.


Ele me observa, antes de minha saída de casa. Estava ranzinza.
Provavelmente, a primeira segunda feira da vida dele.


2004.

3 comentários:

Anônimo disse...

Acredito que um dos prazeres da leitura é ver tomar forma aquilo que sentimos, no sentimento do outro...
Ser capaz de transmitir isto usando a letra é para mim um prazer e uma necessidade...

...As agruras do primeiro dia de trabalho após a maternidade tem página especial na caderneta de minha vida...E tenho certeza que na caderneta de muitas vidas...

...Ainda me lembro da sensação de impotência vendo o trem partir da estação sem mim...eu correra tanto e no entanto meu bebê; meu bebezinho; ainda ficaria mais 15 minutos em outros braços, ainda sorriria (sim naõ são sorrisos) mais 15 minutos para outra pessoa...pq eu, imperdoável, perderá o trem...

Lembro-me perfeitamente que sentei naquele banco de estação e chorei. Choro azedo. Cinza. Choro com gosto relembrado nesta sua segunda-feira.

Fernando,
Não te esqueças:
O livro:
Para Lilica.
TEm que acontecer.

BJ.

Juliano Basile disse...

Essa série é muito boa e deveria virar livro...

Vivi disse...

Putz, não sei mais o que é sentir isso. Segunda, terça, quarta, quinta, todos iguais...